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A sociedade unipessoal por quotas de Portugal e a empresa individual de responsabilidade limitada no Brasil

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7. RUMO À SOCIEDADE UNIPESSOAL POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA NO BRASIL

A existência de sociedade unipessoal não é novidade no Brasil, está prevista em vários dispositivos, v.g. no Decreto-Lei no. 200/1967 - empresas públicas; na lei acionária, Lei 6.404/76, arts. 206, “d”, e no art. 1.033, IV, do Código Civil, ainda que estas últimas decorram de situação superveniente e transitória. Por estes textos legais, tanto a sociedade anônima que se vê reduzida a um único acionista quanto a sociedade por quotas com a presença de um único sócio podem funcionar por certo período de tempo - até a próxima assembleia, no caso da S/A, e, 180 dias na sociedade por quotas mesmo diante da unipessoalidade.

A Lei acionária prevê, ainda, a figura da subsidiária integral (art. 251) que também é unipessoal, porquanto composta de um único acionista. Sobre esta questão é digna de nota a observação de Vera Helena de Mello Franco[8]:

Portanto, não haveria maiores problemas na criação de uma nova espécie de sociedade de natureza unipessoal para atender ao objetivo proposto de limitar a responsabilidade do empresário individual sem que houvesse qualquer necessidade de se criar uma nova figura jurídica divorciada dos institutos de direito comercial.

A unipessoalidade está presente até mesmo em pessoas jurídicas não empresariais como é o caso das fundações (CC, arts. 62 a 64).

Em face do modo peculiar com que foi introduzida a EIRELI no Brasil, a lei parece não ter regulado seu modo de extinção, nem tampouco as situações decorrentes da morte de seu titular.

Como observamos no direito português, esta exemplificativa hipótese é tratada segundo as regras societárias com algum temperamento, o que permite várias soluções já perfeitamente conhecidas e que não levam necessariamente a liquidação da sociedade.

Aqui a Instrução Normativa nº. 117/2011 do Departamento Nacional do Registro do Comércio contêm algumas orientações acerca do modo de extinção da EIRELI. Numa passagem desse manual (p. 41/42) há referência à hipótese dos sucessores não desejarem continuar a exploração da atividade por meio da EIRELI, de tal sorte que poderão promover a respectiva liquidação.

Essa é uma situação típica em que a aplicação do direito comercial poderia ofertar nítida vantagem em relação ao limbo jurídico provocado pela atribuição de personalidade jurídica a uma empresa sem preocupação com a sistematização, pois nesse caso, v.g., se faria a sucessão sobre as quotas de capital simultaneamente à continuidade da pessoa jurídica da sociedade, seja conservando a unipessoalidade com o sucessor único, seja convertendo-a em sociedade pluripessoal caso existam mais de um sucessor.

Salvo um melhor juízo, tem-se a impressão de que a sucessão do titular pessoa natural da EIRELI deva ser realizada nos moldes do direito civil, instituindo-se o condomínio entre os sucessores sobre o acervo patrimonial da EIRELI pressupondo a liquidação da empresa já que de sociedade não se trata e, portanto, inaplicáveis as regras de sucessão em relação às quotas sociais.

Por essas e outras razões é recomendável a adoção no Brasil da mesma sistematização promovida em Portugal, conforme preconiza Vera Helena de Mello Franco[9].


8. CONCLUSÃO

Portanto, a classificação da EIRELI como espécie de sociedade por quotas de responsabilidade limitada poderia trazer inúmeras vantagens diante da especificidade do direito comercial, que possui os instrumentos e a técnica jurídica adequada a solucionar os impasses que certamente surgirão, afinal, o instituto destina-se a proteger o empresário individual que sempre foi objeto deste ramo do direito.


REFERÊNCIAS:

Mamede G, Machado HBS, Nohara IP, et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 1 ed. Belo Horizonte. Editora Atlas, 2007.

Franco VHM.  Direito empresarial II. São Paulo: RT, 2009.

Franco VHM.  Direito empresarial I. São Paulo: RT, 2012.

Ramos ALSC. Direito empresarial esquematizado. 2 ed. São Paulo: Método, 2012.

Santos FC. A sociedade unipessoal por quotas. Portugal: Coimbra Editora, 05/2009.

Serson N. Eireli e a subsidiária integral. Rev. do adv. São Paulo: 2012 Jul, 116.

Décima segunda Directiva 89/667/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, em matéria de direito das sociedades relativa às sociedades de responsabilidade limitada com um único sócio.

Resolução da Organização para Harmonização na África do Direito dos Negócios (Ohada).


Notas

[1] Esta modalidade societária, surgida no século III a. C., era formada por um conjunto de investidores (os publicani), que atuavam em projetos públicos e na recepção de tributos. Nestas sociedades, a par da transmissibilidade das participações societárias, os sócios não respondiam pelos débitos sociais. (FRANCO, 2012a, p. 180)

[2] Trata-se de um mecanismo societário relativamente recente no plano do direito comparado e, naturalmente, no nosso ordenamento jurídico – não constava mesmo da versão inicial do Código, de 1986: com efeito, já referimos com brevidade, os arts. 270º-A e segs., que prevêem e regulam a sociedade por quotas unipessoal, foram acrescentados ao Titulo III (Sociedade por quotas), como Capítulo X, pelo DL no. 257/96, de 31 de Dezembro. Convoca, por isso, a necessidade de uma exacta compreensão – necessidade que se estende aos problemas de regime que põe. (SANTOS, 2009, p. 40).

[3] À razão invocada, acresce que, de acordo com a fundamentação da Diretiva comunitária de que os preceitos pretendem ser a transposição (v. o Considerando 4º da Diretiva 89/667/CEE, supra, Parte I, nº. 2) e com o nº. 2 do Preâmbulo do DL nº. 257/96 (os empreendedores se dediquem, sem recurso a sociedades fictícias indesejáveis, à actividade comercial, beneficiando do regime da responsabilidade limitada – v.tb. supra, Parte I. nº. 1), a possibilidade de sujeitos individualmente (isto é, sem necessidade de associação a outros) obterem a limitação da responsabilidade no (e para o) exercício de actividades econômicas próprias é justamente o objetivo central da introdução do instituto – diga-se, à margem, que é por ser esta a razão de ser especifica da admissibilidade das sociedades unipessoais por quotas que essa admissibilidade não pode ser invocada e estendida para permitir a constituição de outras entidades (não societárias) unipessoais como associações ou agrupamentos complementares de empresas (assim, justamente o Acórdão da Relação de Lisboa de 3-2-2005, a propósito da tentativa bem recusada de constituir uma associação unipessoal – reproduzido, infra. Parte III, A), n. 6) (SANTOS, 2009, p. 39/40).

[4] (...) é preciso reconhecer haver um número expressivo das sociedades limitadas, no Brasil, que não constituem sociedades de fato, mas apenas de direito. Nelas não se afere, efetivamente, um encontro de investimentos e esforços de seus sócios; pelo contrário, tem-se um sócio majoritário, que é aquele que efetivamente investiu na constituição da pessoa jurídica e da empresa e que dela se ocupa, e um sócio minoritário (esposa, irmão, filho, primo, etc) que nada investiu de fato, que sequer se interessa pelo que se passa com a sociedade. Está ali apenas para garantir a pluralidade de pessoas que, salvo exceções específicas, é necessária para que se tenha uma sociedade (pessoa jurídica). E apenas por meio de uma sociedade o empreendedor pode se beneficiar de um limite de responsabilidade entre a atividade empresarial e o patrimônio pessoal dele. (MAMEDE, p. 372)

[5] Mesmo em relação ao mecanismo com que o legislador, com grandes cautelas, pretendeu dar um primeiro passo, em matéria de alterar as condições do exercício individual – o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, abreviadamente EIRL, ainda disponível no nosso ordenamento jurídico – as diferenças são grandes: este, além de não comportar uma personalização, e permitindo embora uma afectação especial de patrimônio à actividade mercantil, realiza apenas uma separação patrimonial imperfeita, pois, em certos termos (insuficiência dos restantes bens do devedor), pelas dívidas alheias à exploração do EIRL ainda responde o patrimônio afecto à actividade comercial (por causa relacionada com a atividade exercida) no EIRL, pelas dívidas contraídas na exploração do EIRL responde o patrimônio restante (não integrado no EIRL) do comerciante, desde que se prove que o titular não observou o princípio da separação patrimonial entre EIRL e patrimônio civil (respectivamente arts. 22º e 11º do DL no. 248/86 – v. supra, Parte I, no. 3) (SANTOS, 2009, p. 43).

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[6] 1 - A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social.

2 – A sociedade unipessoal por quotas pode resultar da concentração na titularidade de um único sócio das quotas de uma sociedade por quotas, independentemente da causa da concentração.

[...]

5 – O estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode, a todo tempo, transformar-se em sociedade unipessoal por quotas, mediante declaração escrita do interessado.

(DL n.º 262/86, de 02 de Setembro)

[7] Não tem pois o sócio que se constituir em assembléia – não há esse órgão na sociedade unipessoal. Há simplesmente, decisões sociais do sócio único. Mas como decisões referidas no nº. 1 são decisões sociais, ele tem que colocar ou situar a sua actuação no plano da sociedade. Isto analisa-se na expressão de uma vontade de imputar a concreta decisão à sociedade e nas inscrição nesses termos em acta, de modo a que se revele essa imputação. (SANTOS, 2009f, p. 102).

[8] A adoção da figura da subsidiária integral na norma do art. 251 da Lei 6.404/1976, incorpora, no seu bojo, a tendência ao reconhecimento da sociedade unipessoal que, de há muito, vem se manifestando no direito estrangeiro.

A idéia de sociedade como um grupo de pessoas, dominante durante a primeira parte do século passado, foi sendo, gradualmente, abrandada. A visão tradicional alterou-se, vendo-se, na maioria dos países, tendência para o reconhecimento da sociedade unipessoal em qualquer uma das suas formas das ditas sociedades de capitais, anônima e limitada.

Além da redução no número mínimo de sócios exigidos para a constituição das anônimas, de que é exemplo a nossa lei acionária (anteriormente o número mínimo era 7, caindo para 2), alargaram-se as hipóteses de permanência da sociedade, apesar da concentração das participações societárias nas mãos de um único sócio. Exemplo da afirmação é o disposto na norma do art. 1.033, IV, do CC/2002, facultando a permanência da sociedade por 180 dias apesar da redução a um único sócio.

A par disto, nos diversos ordenamentos firmou-se compreensão no sentido da admissibilidade da sociedade unipessoal, tanto por constituição originária quanto derivada.

Valem como exemplos tanto a Wholly ownedsubsidiary do direito norte-americano, quanto a Eingeglierdete Gesellschaften do alemão. (FRANCO, 2009c, p. 306).

[9] Em que pese a heresia da “empresa” (atividade econômica organizada) surgir como pessoa jurídica, titular de direitos e deveres, a esperança é a de que, nos mesmos moldes em que o direito português trafegou do estabelecimento individual de responsabilidade limitada para a sociedade unipessoal, caminho paralelo possa ser acatado no direito nacional, de molde a chegar-se à “sociedade” unipessoal de responsabilidade limitada, e não na forma como está de empresa individual de responsabilidade limitada. É que, conceitualmente, como atividade, fato de mercado, a empresa no direito comercial não pode ser vista como sujeito de direito. (FRANCO, 2012, p. 207)

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Sobre o autor
Hamilton Donizeti Ramos Fernandez

Mestrando em Direito pela FADISP - Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Advogado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Hamilton Donizeti Ramos. A sociedade unipessoal por quotas de Portugal e a empresa individual de responsabilidade limitada no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3629, 8 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24648. Acesso em: 6 mai. 2024.

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