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Reflexões sobre a nova lei das cooperativas de trabalho

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11/06/2013 às 14:04
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Trabalho cooperativado e trabalho subordinado

Como já se mencionou anteriormente, para a discriminação do verdadeiro trabalho cooperativo das situações de  fraude é essencial a verificação da existência ou não dos requisitos típicos do trabalho assalariado.

Trata-se de indagar, em cada situação concreta, a eventual vinculação empregatícia do trabalhador com o tomador dos serviços, particularmente se há ou não subordinação direta entre o trabalhador dito cooperativado e os prepostos do tomador do serviço.

A situação é rigorosamente a mesma de outros casos de terceirização ilícita, nos quais, pela existência de pessoalidade e de subordinação direta entre trabalhador e tomador dos serviços,  se reconhece a existência da relação de emprego (Enunciado 331 do TST).

Se o caso envolve falsas cooperativas de trabalho, estamos diante de uma intermediação de mão-de-obra que, em essência, em nada difere de outros casos em que estão envolvidas, não cooperativas de trabalho, mas empresas prestadoras de serviço. A solução é exatamente a mesma, ou seja, a caracterização da terceirização como ilícita e o reconhecimento do vínculo empregatício com o tomador dos serviços.

A polêmica ocorre em casos de trabalho cooperativo em terceirizações lícitas, que são precisamente aqueles em que as cooperativas de trabalho concorrem diretamente com as empresas prestadoras de serviço.

Em terceirizações lícitas, não há subordinação direta e pessoalidade entre trabalhadores terceirizados (sejam estes empregados da empresa prestadora de serviço, sejam trabalhadores cooperativados) e o tomador dos serviços. Porém, no caso do trabalho cooperativado, muitos autores questionam a própria possibilidade deste tipo de trabalho em situações de terceirização lícita, já que sempre existe a subordinação inerente ao próprio serviço a que submetem os trabalhadores no exercício de sua atividade produtiva. Segundo muitos, tal subordinação implicaria necessariamente no reconhecimento do vínculo empregatício entre o trabalhador terceirizado e o fornecedor dos serviços.[27]

Aqui encontra-se o cerne de uma das maiores controvérsias em relação ao trabalho cooperativo. Conforme pensamento bastante difundido na doutrina, o trabalho cooperativo é inteiramente incompatível com qualquer tipo de subordinação, independentemente de tratar-se da subordinação jurídica típica da relação empregatícia ou aquela denominada subordinação técnica, inerente a qualquer prestação laboral coletiva

Por essa visão[28], a cooperativa de trabalho se resumiria aos casos de associação de trabalhadores autônomos (médicos, por exemplo), normalmente trabalho individual, restringindo-se bastante as hipóteses de trabalho coletivo, pois este, em geral,  envolve algum tipo de subordinação, ainda que meramente técnica. É um fato que, praticamente  toda a atividade humana coletiva exige esforços coordenados que, em maior ou menor medida, não prescinde de algum tipo de comando e de hierarquia para a consecução dos objetivos comuns. É o exemplo típico de um time de futebol que elege um “capitão” para a tarefa de comandar a equipe dentro de campo, o que envolve algum grau de hierarquia e de submissão a orientações técnicas. O mesmo ocorre quando a prestação de trabalho é feita em equipe por trabalhadores autônomos. Nesse último caso, a presença de um “trabalhador líder”, na maioria dos casos, é indispensável para a realização do serviço.  Constando-se a presença, em tais atividades, de elementos de “subordinação”, há de se caracterizar a mesma como meramente técnica – e não jurídica.  Por isso mesmo, a par dos inegáveis elementos de comando existentes, não seria incorreto reconhecer que, em tal atividade, está mais presente o elemento de “coordenação” do que o da “subordinação”.

Ao definir a subordinação típica como elemento estrutural da relação empregatícia, Délio Maranhão a conceitua como uma “situação jurídica” que revela uma dependência hierárquica, bastante distinta da dependência econômica ou da subordinação técnica. Esta última comporta também uma direção a dar aos trabalhadores em suas tarefas, mas se distingue da subordinação jurídica, porque se trata da direção meramente especializada.[29]

Portanto, nas hipóteses de terceirização lícita, a simples presença da subordinação técnica entre o trabalhador e os prepostos da Cooperativa encarregados de dirigir o trabalho não deveria fazer supor a inexistência de autonomia dos trabalhadores cooperativados. Estes, na verdade, detém uma dupla condição: a  primeira, é a condição de trabalhadores que, no desempenho das tarefas laborais contratadas, subordinam-se tecnicamente (ou submetem-se à atividade coordenada), acatando as ordens e as determinações necessárias para a consecução de tais tarefas e, assim, na verdade, subordinam-se, em última instância, às determinações que emanam da própria assembléia geral da Cooperativa que deliberou pela adesão ao contrato de prestação de serviços; a segunda, é a condição de trabalhadores autônomos que deliberam, em assembléia geral, de acordo com seus próprios interesses, e, assim, são também eles agentes dos processos de fiscalização, controle e comando das tarefas necessárias ao cumprimento do contrato de prestação de serviços.[30]

Portanto, a simples presença da subordinação técnica  não empurra a relação para o vínculo empregatício e, assim, não implica o reconhecimento da relação de emprego entre o trabalhador e a própria Cooperativa (que, numa operação de verdadeira alquimia jurídica passaria a ser enquadrada como “empresa empregadora”). A negativa da existência de uma subordinação técnica distinta da típica subordinação jurídica característica da relação de emprego teria conseqüência última a negação, pura e simples,  do próprio “ato cooperativo”[31] e, em um raciocínio maximalista, na “celetização” de toda atividade humana coletiva.

Não se questiona, aqui, as boas intenções dos que acreditam estar “protegendo” os trabalhadores por meio de tal argumentação, mas há de se apontar claramente que, através dela, erra-se inteiramente o alvo, desviando-se o foco do principal beneficiário com as terceirizações ilícitas (o empregador que ilicitamente terceiriza) e, nas terceirizações lícitas,  atingindo-se mortalmente o autêntico cooperativismo, como vítima colateral.

Procura-se legitimar tais idéias como parte de uma saudável resistência coletiva à terceirização precarizadora, centrada na concepção de que o trabalho assalariado representa sempre o melhor instrumento de elevação das condições de vida dos trabalhadores.

Entretanto, sem cair nos equívocos do “triunfalismo empreendendorista” que polui os debates atuais sobre novas formas de trabalho, há de se reconhecer no trabalho cooperativo uma tradicional proposta obreira, não apenas de emancipação do trabalho, mas também de elevação das condições materiais dos trabalhadores – inclusive e, principalmente, em relação ao próprio trabalho assalariado.


Algumas vantagens do trabalho cooperativado em relação ao trabalho assalariado

A análise das propostas originais de trabalho cooperativado nos remete aos ideais históricos de autogestão e de emancipação do trabalho humano. No centro do ideário cooperativista está justamente a idéia de “contrariar as formas de trabalho impostas ao trabalhador na economia capitalista” e, através do trabalho auto-gestionário, resgatar a subjetividade do trabalhador, escapando da alienação do valor de seu trabalho.[32]

Pode-se estabelecer alguma similitude na lógica que engendrou o modelo de trabalho avulso, típico das operações portuárias. Nesse modelo, os sindicatos de trabalhadores controlam a oferta de mão-de-obra através da obrigatoriedade (ou preferência) da contratação de sindicalizados para as operações portuárias, de forma que, ao regular o ingresso de trabalhadores aos quadros associativos, os trabalhadores através de seus sindicatos provocam a melhoria de suas condições de trabalho, a elevação de seus ganhos e uma melhor distribuição dos incrementos de produtividade. Além disso, no modelo avulso, são os próprios trabalhadores que se encarregam da execução das tarefas portuárias, o que assegura o controle obreiro sobre todos os aspectos do trabalhado realizado. A divisão dos trabalhadores em estivadores (trabalhadores operacionais) e conferentes (trabalhadores com funções de controle) – e, evidentemente a submissão objetiva de todos às normas inerentes a todo o processo - não desnatura o controle obreiro, nem torna a relação avulsa em “empregatícia” pelo fenômeno do reconhecimento da “subordinação técnica”. Por fim, a possibilidade de controle dos trabalhadores sobre a ponta da oferta do mercado laboral implica em estabilidade prática, afastando justamente o fantasma da demissão, fator de insegurança e de desestabilização da relação de trabalho assalariada.

Baseado na mesma idéia de tomar as rédeas no processo econômico que determina a dinâmica da oferta de mão-de-obra, o trabalho cooperativo, através das cooperativas de trabalho, pretendem assegurar a seus associados melhoria das condições de trabalho em relação ao trabalho assalariado, a estabilidade econômica decorrente de garantia de uma fonte permanente de renda e um maior controle sobre seu próprio trabalho aproximando-se dos ideais emancipacionistas.

Com base nos exemplos internacionais[33], pode-se afirmar, com segurança, que o modelo cooperativista de trabalho, em geral, oferece aos trabalhadores condições de trabalho e de renda bem superiores ao trabalho assalariado.

Economicamente, é possível pensar que a racionalidade do sistema cooperativista e sua intrínseca finalidade não-lucrativa[34] permitem que as cooperativas compitam com vantagem com as empresas privadas, inclusive assegurando, em relação às cooperativas de trabalho, melhores condições laborais aos seus associados em comparação com as empresas privadas.[35]

Do ponto de vista individual, o trabalhador cooperativado, como todo autônomo, decide quando vai trabalhar, sem que a ausência implique qualquer punição. Do ponto de vista coletivo, tem voz ativa sobre para quem, como e por quanto irá trabalhar. De fato, através da cooperativa, o trabalhador, através do voto nas assembléias gerais, passa a ter decisiva influência nos destinos do empreendimento econômico que lhe assegura a fonte de renda. Tal poder de influência é incomparavelmente superior a de um trabalhador de uma empresa privada, em que, historicamente, o maior avanço registrado é o da co-gestão, em que a democratização se limita à eleição de um diretor representante dos trabalhadores. Sobre outra perspectiva, ainda que se compare o sócio-cooperativista ao sócio minoritário de uma sociedade anônima, podemos entender que a legislação cooperativista assegura aos sócios-cooperativistas um poder de decisão ainda mais efetivo, pois baseado na regulamentação da participação democrática do sócio, conforme previsto na Lei das Cooperativas.[36]

Há de se analisar, ainda, que a cooperativa é uma forma histórica de coalizão dos trabalhadores, cumprindo um papel relevante de assistência social, o que a aproxima bastante de outras formas de auto-organização, como os sindicatos e as caixas de socorro mútuo. Da mesma forma, as cooperativas, por sua própria natureza, se dedicam permanentemente à elevação das capacitação profissional de seus associados, já que esta se constitui em patrimônio da própria Cooperativa. Representa, também,  uma importante instrumento para integração de coletivos de trabalhadores com pouca instrução, sem experiência profissional  ou com deficiência física[37], que, em função da inclemente competição existente no mercado laboral, tenderiam a ficar marginalizados.[38] Por fim, o ideal cooperativista se insere na luta política pela construção de um espaço econômico alternativo solidário, baseado nos ideais de cooperação e fraternidade.

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A nova lei, intenções e possibilidades.

O propósito da nova lei é explícito, qual seja, a de assegurar aos sócios das cooperativas de trabalho -, autônomos por definição -  direitos trabalhistas que são assegurados pelas empresários a seus empregados, em especial aqueles previstos no art. 7º da Constituição Federal. Não é demais lembrar que tal norma constitucional enumera uma série de direitos e garantias que se destinam “aos trabalhadores”, não se podendo excluir de tal definição os trabalhadores autônomos, mesmo por que, a leitura do próprio caput do referida norma constitucional não admite interpretação diversa.[39]

Com base em tal entendimento – o de que o trabalho cooperativado não exclui os direitos trabalhistas previstos no art. 7º da Constituição Federal, a 3ª. Turma do TRT da 4ª. Região, em ação civil pública proposta pelo MPT, deferiu pedido sucessivo, determinando que “a cooperativa-ré, a partir de tal data, somente contratasse a prestação de serviços para os seus associados quando assegurasse a satisfação dos direitos previstos no artigo 7º da Constituição Federal, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XXII, XXIII, XXVIII, (...) concedendo prazo de 180 dias para adequação dos contratos existentes ao comando do acórdão”.[40]

Sem dúvida, o estabelecimento para as cooperativas de trabalho de um conjunto de obrigações equivalente ao exigido para as empresas empregadoras representa uma “reinterpretação” do conceito de cooperativa de trabalho e aproxima o ordenamento jurídico brasileiro às leis de garantia que se adotam em outros países, em especial na Europa.[41]

Dessa forma, pela significativa ampliação dos direitos dos sócios dos cooperativas de trabalho e, consequentemente, pela elevação dos seus patamares remuneratórios,  pretende-se reduzir as “vantagens competitivas” oferecidas aos empresários por  cooperativas que, por meio da sonegação de direitos trabalhistas básicos, se apresentem no mercado com preços de contratação muito inferiores ao que é oferecido pelas empresas de prestação de serviço.  Remanescem íntegras, no entanto, as grandes vantagens comparativas das cooperativas de trabalho que são a inexistência de lucro e as maiores qualidade e produtividade que o trabalho autônomo permite em relação ao trabalho assalariado.[42]

Aqui, dois pontos necessitam de ponderação.

A desejável aproximação do preço cobrado ao mercado por cooperativas de trabalho e empresas prestadoras de serviço se destina a lograr uma forma de equiparação entre trabalhadores empregados e autônomos – e não é um fim em si mesmo. Não faz sentido, assim, falar-se em equiparar cooperativas de trabalho e empresas prestadoras de serviço em matéria tributária, por exemplo. O incentivo e apoio ao cooperativismo está prevista na Constituição Federal, o que justifica um tratamento distinto para as cooperativas de trabalho.[43] Assim, de nenhuma forma pode ser estranho ao nosso sistema jurídico o estabelecimento de vantagens institucionais para a adoção do trabalho cooperativo em cotejo com as empresas privadas, da mesma forma como não é estranha, mas rigorosamente constitucional, a adoção de mecanismos de favorecimento às pequenas empresas ou à produção agrícola familiar. Somente não é razoável, como acontece também em relação aos mencionados outros dois setores econômicos, que o favorecimento à competitividade das cooperativas de trabalho se faça a custa dos direitos dos cooperativados.

Em um trabalho por conta própria (autônomo), bem remunerado  e em um ambiente de gestão democrática e participativa - inerente às verdadeiras cooperativas de trabalho-, as expectativas de melhor qualidade do trabalho oferecido e de maiores ganhos de produtividade representam uma considerável vantagem competitiva em relação às empresas privadas.

O segundo ponto a ser ponderado – e, sem dúvida, é um dos pontos centrais da nova lei – é o de que nenhum empreendimento econômico nasce grande e forte, sendo crucial um razoavelmente longo e muitas vezes difícil período de crescimento e maturação, até alcançar um patamar seguro de auto-suficiência. Muitas vezes, a necessidade de um forte apoio público, que assume as mais diversas formas (crédito subsidiado, isenções fiscais, assistência técnica, dispensa de exigências burocráticas, políticas de formação de mão-de-obra, favorecimento em compras públicas, etc.) é fator preponderante para a sobrevivência de novos empreendimentos econômicos, o que não é diferente em relação às cooperativas de trabalho. Nesse sentido, é preciso que a plena equiparação dos direitos do trabalhador cooperativado e o trabalhador empregado se faça paulatinamente, de forma a permitir a formação dos fundos sociais obrigatórios[44] que suportem a elevação dos custos.  Assim, o art. 28 da nova lei prevê um prazo de 12 meses a partir da publicação da lei para assegurar aos sócios as garantias nela previstas.

Como outros dos acertos da nova lei, podemos apontar a conceituação de cooperativa de trabalho como sendo “a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho”. Desta forma, a independência e  a democracia interna são especificadas como elementos estruturais do funcionamento das cooperativas de trabalho, traço diferenciador em relação às cooperativas fraudulentas. A lei exige a inclusão, nos Estatutos Sociais ou Regimentos Internos das cooperativas, “incentivos à participação efetiva dos sócios” – inclusive eventuais sanções em caso de ausências injustificadas (art. 11, parágrafo 2º). Além disso, uma série de exigências de quoruns mínimos e de procedimentos obrigatórios para as Assembléias-Gerais buscam assegurar que os associados das cooperativas de trabalho detenham real poder deliberatório e que, efetivamente, exerçam tal direito democrático.

Esclarece a lei que autonomia deve ser exercida “de forma coletiva e coordenada, mediante a fixação, em Assembléia Geral, das regras de funcionamento da Cooperativa e da forma de execução dos trabalhos” (art. 2º, parágrafo primeiro). Já a autogestão é o “processo democrático no qual a Assembléia Geral define as diretrizes para o funcionamento da cooperativa e da forma de execução dos trabalhos, nos termos da lei” (art. 2º, parágrafo segundo). Como princípios e valores elencados como norteadores das reais cooperativas de trabalho estão a adesão voluntária e livre; a gestão democrática; a participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação; interesse pela comunidade; preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa; não precarização do trabalho; respeito às decisões de assembléia, observado o disposto na lei; participação na gestão em todos os níveis de decisão de acordo com o previsto em lei e no Estatuto Social (art. 3º).

Tal conceituação de cooperativa atinge plenamente o objetivo de inserir a cooperativa no modelo internacional de uma entidade centrada nos princípios do verdadeiro cooperativismo, em especial os da autonomia, da independência, da gestão democrática por parte dos associados e da participação econômica dos associados. Fica claro que o objetivo fundamental das cooperativas de trabalho é a melhoria das condições de vida dos associados, seja através da renda, da qualificação profissional e das condições socioeconômicas e de trabalho. Consagra-se, assim, o entendimento jurisprudencial que elege a melhoria das condições de trabalho do cooperativado (ou critério da “retribuição pessoal diferenciada”[45]) como critério delimitador entre as verdadeiras e falsas cooperativas.

 Para tanto, importante conectar tal princípio com o contido no art. 10 parágrafo 3º da nova lei. Ali, fica claro que a admissão de novos sócios atenderá as “possibilidades de reunião, abrangência das operações controle e prestação de serviços e congruente com o objeto estatuído” – entre os quais, obviamente, a possibilidade de que a cooperativa efetivamente assegure a cada associado uma retribuição pessoal diferenciada – somente possível pela limitação do número de associados às possibilidades do mercado laboral.

O mesmo se pode dizer em relação ao princípio de não-precarização do trabalho, erigida como princípio no inciso IX do art. 3º da nova lei. Além da menção ali contida, o art. 18 da lei estabelece a responsabilização penal, cível e administrativa dos responsáveis pelas cooperativas que fraudarem deliberadamente a legislação trabalhista e previdenciária.

O artigo 4º da lei deixa bastante claro que as cooperativas de trabalho podem ser de produção (quando detém, a qualquer título, os meios de produção e, assim, os associados contribuem com seu trabalho para a criação de um produto, que passa a ser propriedade da cooperativa), mas também podem ser de serviço (quando o produto da cooperativa é exatamente o trabalho de seus associados que é oferecido para terceiros). Mais: no artigo 10 fica autorizada a adoção por objeto social da cooperativa de “qualquer gênero de serviço, operação ou atividade”, desde que previsto nos Estatutos Sociais.

Ainda que observadas as restrições à aplicação da lei às hipóteses elencadas nos incisos I a IV do parágrafo único do art. 1º (cooperativas de assistência à saúde, cooperativas de transporte em que os associados detenham os meios de trabalho, cooperativas de profissionais liberais e cooperativas de médicos cujos honorários são pagos por procedimento), fica definitivamente resolvida a polêmica a respeito da possibilidade de cooperativas de trabalho para prestação de serviços diversos, multifuncionais, agregando diversas atividades laborais, ainda que em serviços não-especializados, que, até então, parte da jurisprudência trabalhista entendia como interditada para cooperativas de trabalho.

Assim, pela nova lei, nada obsta que a cooperativa de trabalho ofereça os mesmos serviços que, normalmente, são preenchidos por empresas prestadoras de serviço em atividades terceirizadas de empresas tomadoras. Por definição legal, a prestação de serviço, desde que realizadas por autênticas cooperativas de trabalho, será feita “sem os pressupostos da relação de emprego” (art. 4º, II), ou seja, sem subordinação ou pessoalidade. Recorde-se, mais uma vez, tratar-se de terceirizações lícitas, até mesmo porque a própria lei, em seu artigo 5º, veda a utilização das cooperativas de trabalho para intermediação de mão-de-obra subordinada. Assim, cumpridos os requisitos da lei, em especial os das Leis 5.764/71 e 12.690/2012,  estar-se-á diante de uma terceirização admitida em lei, ainda que prestada por cooperativa de trabalho por trabalhadores autônomos – e não por empresas de prestação de serviço por meio de empregados. Em qualquer dos casos, a licitude decorre de inexistir subordinação e pessoalidade dos trabalhadores com o tomador dos serviços, bem como de não se prestarem serviços ligados à atividade-fim deste.

Num esforço de melhor formatação de  um modelo de trabalho autônomo dentro de atividades em que inerente a já referida subordinação técnica, o art. 7º prevê que, nos casos de prestação de serviços “fora do estabelecimento das cooperativas” (em geral, prestação de serviços terceirizados), as atividades “deverão ser submetidas a uma coordenação com mandato nunca superior a 1 (um) ano ou ao prazo estipulado para a realização destas atividades, eleita em reunião específica pelos sócios que se disponham a realizá-las, em que serão expostos os requisitos para sua consecução, os valores contratados e a retribuição pecuniária de cada sócio partícipe”.

Aqui se evidencia a preocupação do legislador em mencionar a palavra “subordinação” – ainda que meramente técnica, optando pelo vocábulo “coordenação”. Mais que isso, a lei pretende afastar o mais possível o comando de tais “coordenadores” da figura dos “supervisores” ou “chefes de setor” quando a atividade é realizada sob o modelo assalariado, estabelecendo o mandato de um ano para tais coordenadores, eleitos em assembléia específica, explicitando que a submissão (mais uma vez, subordinação técnica) de tais coordenadores (e, de resto, também dos coordenados) é à assembléia-geral da cooperativa. Tais coordenadores terão mandato no prazo estipulado para a realização dos serviços e não poderá ser superior a um ano. A assembléia específica deverá deliberar a respeito dos requisitos para consecução dos serviços, os valores contratados e a retribuição pecuniária de cada participante. Por fim, deixando claro a relevância que o legislador reserva para tais procedimentos democráticos como critério diferenciador das situações de fraude, o art. 17 parágrafo 2º cria a presunção de que  as cooperativas que os desatendam serão entendidas como “intermediação de mão-de-obra” e, portanto, estarão sujeitas às penas da lei.

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Sobre o autor
Luiz Alberto de Vargas

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARGAS, Luiz Alberto. Reflexões sobre a nova lei das cooperativas de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3632, 11 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24677. Acesso em: 6 mai. 2024.

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