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O controle difuso de constitucionalidade no STF e o papel do Senado Federal

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Resumo:


  • O controle difuso de constitucionalidade no Brasil permite que qualquer juiz ou tribunal declare a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, com efeitos limitados às partes envolvidas no caso concreto.

  • Existe uma tendência de abstrativização do controle difuso, observada na atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), que aplica efeitos próprios do controle concentrado em situações de controle difuso por meio de recursos extraordinários.

  • A Emenda Constitucional nº 45/2004 introduziu inovações como a súmula vinculante e o requisito da repercussão geral, visando fortalecer o STF como Corte Constitucional e otimizar o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1.3 A PARTICIPAÇÃO DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO

A competência do Senado Federal é determinada pela Constituição Federal em seu art. 52. Esse órgão atua, entre outras atribuições, no controle repressivo de Constitucionalidade, quando houver recurso extraordinário em que, incidentalmente, discuta-se a constitucionalidade de lei perante o Supremo Tribunal Federal, conforme previsão do art. 52, inciso X, da Constituição (BRASIL, 1988): “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.”

O fato é que, em controle difuso a ser exercido pelo Supremo Tribunal Federal, a decisão que houver declarado a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por voto da maioria absoluta de seus membros (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 97), após o trânsito em julgado, será comunicada ao Senado Federal.

Consoante verificado, o controle difuso de constitucionalidade tem eficácia apenas entre as partes que litigam naquele caso concreto, ou seja, inter partes.

Constata-se que, neste controle, nos moldes adotados pelo Brasil, podem advir inconvenientes, entre os quais a insegurança jurídica. Isto porque, pautado no livre convencimento motivado do juiz, no julgamento de determinada lide, uma lei pode não ser aplicada por determinados juízes, por entendê-la inconstitucional, e, em contraponto, ser aplicada por outros juízes, que a entendem constitucional. Perpetua-se, pois, uma incerteza do direito, que nem mesmo uma declaração incidental de inconstitucionalidade proferida pela Corte Constitucional seria capaz de impedir, pois não vincularia aos demais, apenas lhes servindo de orientação jurisprudencial. (CASTRO, 2008, p. 35-36).

Deste modo, o art. 52, inciso X, da Constituição, disciplinou instrumento capaz de atribuir eficácia geral, erga omnes, as decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, em controle difuso a eficácia poderá se estender, excepcionalmente, a todos que se encontrem na mesma situação jurídica, e não só aos que buscaram a prestação jurisdicional naquela situação levada ao Poder Judiciário, garantindo-se a segurança das decisões.

1.3.1 Procedimento

Frisa-se que o caso concreto poderá chegar até a Corte Constitucional para análise do incidente de inconstitucionalidade, o que ocorre via Recurso Extraordinário. A decisão acerca da inconstitucionalidade será aplicável somente ao caso em que foi suscitada, atingindo apenas as partes ali litigantes. Continuará, pois, a ter validade para todos os que não provocaram o judiciário acerca da questão.

Decidido pela inconstitucionalidade de lei e transitada em julgado a decisão, o próprio Supremo Tribunal Federal comunicará esta declaração ao Senado, competindo a este órgão, por meio de resolução, suspender a execução da lei declarada inconstitucional. (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011, art. 178). O Senado conhecerá da declaração mediante, ainda, representação do Procurador-Geral da República e projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. (BRASIL. Regimento Interno do Senado Federal, 2011, art. 386).

Outrossim, a comunicação, a representação e o projeto serão instruídos com o texto de lei cuja execução se deve suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, além do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento. (BRASIL. Regimento Interno do Senado Federal, art. 387). Lida em plenário, procede-se ao encaminhamento da comunicação ou representação à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte. (BRASIL. Regimento Interno do Senado Federal, art. 388).

É através de resolução do Senado Federal que se atribui eficácia geral a decisão de inconstitucionalidade, ou seja, a lei, por ser declarada inconstitucional, poderá ter suspensa sua execução, no todo ou em parte, por ato do Senado Federal.

Como se verifica, o Supremo Tribunal Federal é o órgão responsável pela decisão acerca da inconstitucionalidade de lei, e o Senado Federal será, quando de sua comunicação, o órgão responsável pela extensão ou não dos efeitos da declaração. Cada qual possui uma competência específica, exercida em momentos distintos.

1.3.2 A Origem da Participação Senatorial

Barroso (2004, p. 90) explica a razão da intervenção do Senado no controle difuso de constitucionalidade:

A razão histórica – e técnica – da intervenção do Senado é singelamente identificável. No direto norte-americano, de onde se transplantara o modelo de controle incidental e difuso, as decisões dos tribunais são vinculantes para os demais órgãos judiciais sujeitos à sua competência revisional. Isso é válido inclusive, e especialmente, para os julgados da Suprema Corte. Desse modo, o juízo de inconstitucionalidade por ela formulado, embora relativo a um caso concreto, produz efeitos gerais. Não assim, porém, no caso brasileiro, onde a tradição romano-germânica vigorante não atribui eficácia vinculante às decisões judiciais, nem mesmo às do Supremo Tribunal. Desse modo, a outorga ao Senado Federal de competência para suspender a execução da lei inconstitucional teve por motivação atribuir eficácia geral, em face de todos, erga omnes, à decisão proferida no caso concreto, cujos efeitos se irradiam, ordinariamente, apenas em relação às partes do processo.

Cunha Júnior (2012, p. 171) também enfatiza a origem desse mecanismo constitucional:

Visava-se, com isso, evitar a proliferação de ações judiciais propostas por todos aqueles que, igualmente, se sentissem afetados pela lei ou ato inconstitucional e, decerto, prevenir a possibilidade de conflitos de decisões – que tanto maculam a segurança jurídica e a certeza do direito – entre os vários órgãos judiciários competentes para a realização do controle.

Ao mesmo tempo em que havia a necessidade de estender os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do Supremo, havia o receio de que se instalasse uma ditadura do Poder Judiciário. Foi atribuída, então, pela Constituição de 1934, em seu art. 91, inciso IV (BRASIL), a participação do Senado Federal no controle repressivo de constitucionalidade, competindo a este órgão a suspensão da execução de lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário, a fim de dar-lhe eficácia erga omnes. Aqui o dispositivo constitucional tratava do Poder Judiciário de forma ampla, geral, não restringindo a suspensão a lei ou ato declarado inconstitucional pelo STF, como na atual Constituição.

Ademais, o Senado Federal figurava nessa Constituição de 1934 como órgão de coordenação dos poderes, cuja competência encontrava-se no capítulo V daquela Carta Constitucional; e não como órgão do poder legislativo.

Compreendia-se, dessa maneira, que a competência privativa do Senado para suspender a execução dos textos legais declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário estava consentânea com a sua atribuição constitucional de ‘Coordenador dos Poderes’. Situado acima dos demais Poderes, a sua participação no controle de constitucionalidade das leis não colidia com o sistema de controle exercido pelo Poder Judiciário, nem com o princípio da separação de Poderes. (CASTRO, 2008, p. 56-57).

A Constituição de 1937, ditatorial, não previu a competência do Senado. Ao contrário, este órgão foi dissolvido, conforme art. 178. (BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 1937).

Com a Constituição de 1946, reintroduziu-se a competência do Senado Federal, passando este a integrar o Poder Legislativo (Título I - Capítulo II). Constou como da incumbência do Senado Federal “[...] suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.” (BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 1946, art. 64). Aqui se restringiu a decisão que poderia ser suspensa: decisão definitiva e do Supremo Tribunal Federal, e não do Poder Judiciário, como era antes.

As Constituições que se seguiram mantiveram essa competência do Senado Federal em matéria de controle de constitucionalidade, incluindo a atual Constituição.

1.3.3 Noções acerca da Cláusula do Senado Federal

Cabe, primeiramente, ressaltar que a participação do Senado Federal, a fim de suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva no STF, restringe-se ao controle difuso de constitucionalidade.

Até 1977, no entanto, a intervenção senatorial era exercida tanto em controle difuso quanto em controle concentrado, sendo que, por debate da Alta Corte, naquele ano, modificou-se o procedimento interno quanto à comunicação das declarações de inconstitucionalidade. (SILVA, 2000, p. 137).

Logo, a própria decisão da Corte Constitucional passou, em controle concentrado, a gerar eficácia geral, ou seja, erga omnes, dispensando-se a cláusula senatorial. Isso se extrai do art. 178 do RISTF (BRASIL, 2011), quando dispõe que a inconstitucionalidade, declarada incidentalmente, será comunicada ao Senado Federal. Trata-se, pois, de controle incidental, difuso, concreto, nada mencionando o dispositivo sobre o controle concentrado.

Ademais, o art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868 (BRASIL, 1999), expressamente dispôs acerca da eficácia contra todos e efeito vinculante da declaração de constitucionalidade e inconstitucional em controle concentrado; e o art. 102, §2º, da Constituição (BRASIL, 1988) tratou que as decisões definitivas de mérito nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, proferidas pelo STF, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, dispensando-se, portanto, a intervenção do Senado Federal.

Mello (1980, p. 213) consigna que:

Porisso, quando o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade em tese, com efeito erga omnes, dispensável se torna a intervenção do Senado federal, pois a sua ação seria a de suspender os efeitos de ato jurídico federal ou estadual, já suspensos pelo próprio Supremo Tribunal Federal, e de conhecimento público, pela publicidade das decisões deste, reconhecendo-o juridicamente.

Logo, a participação do Senado Federal, a fim de possibilitar que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de lei alcance a todos, só ocorre no controle difuso. No controle concentrado, esta é desnecessária, pois a decisão da Corte Suprema, por si só, já é dotada de eficácia erga omnes.

A propósito do tema, no controle difuso de constitucionalidade a competência suspensiva do Senado, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição, projeta-se sobre qualquer lei ou ato normativo federal, estadual, distrital ou mesmo municipal, declarado inconstitucional pelo STF, de forma incidental.  (LENZA, 2011, p. 253).

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As considerações acerca do papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade motivam diversas discussões, que a seguir serão assinaladas.

1.3.3.1 Atividade senatorial vinculada ou discricionária

Uma delas consiste na natureza desta atividade senatorial: se discricionária ou vinculada.

Há quem aponte ser a suspensão do Senado Federal vinculada, ou seja, comunicado acerca da inconstitucionalidade de lei, esse órgão tem o dever constitucional de agir, suspendendo a sua execução. Lúcio Bittencourt (1968, p. 145) pactua com esse entendimento, bem como Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2007, p. 43), Zeno Veloso (2003, p. 57) e Dirley da Cunha Júnior (2012, p. 175-176).

Ferreira Filho (2007, p. 43) anota que:

[...] essa suspensão não é posta a critério do Senado, mas lhe é imposta como obrigatória. Quer dizer, o Senado, à vista da decisão do Supremo Tribunal Federal, tem de efetuar a suspensão da execução do ato inconstitucional. Do contrário, o Senado teria o poder de convalidar ato inconstitucional, mantendo-o eficaz, o que repugna ao nosso sistema jurídico.

Corroborando com essa ideia, Veloso (2003, p. 57) argumenta que é insustentável o ato do Senado ser de sua competência discricionária, pois, se houver liberdade de suspender ou não a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo, o Senado acabará por fazer um novo juízo sobre a inconstitucionalidade, e portanto, estar-se-á admitindo que um posicionamento exclusivamente político sobreponha-se a uma verificação jurídica (e também política) – exercida pelo Supremo Tribunal Federal, comprometendo e diminuindo o papel deste. Este expoente ainda complementa que o Senado Federal tem uma atribuição significativa, porém de conteúdo meramente formal, ou seja, examinará apenas se ocorreram os pressupostos constitucionais para a declaração de inconstitucionalidade, e se presentes, estará vinculado a suspender a lei ou ato. (VELOSO, 2003, p. 57-58).

Confirmando esse posicionamento, Cunha Júnior (2012, p. 175-176) argumenta que entender que a atribuição do Senado seja discricionária é desconsiderar as razões que levaram o constituinte a instituí-la (como a prevenção da abundância de ações judiciais e a possibilidade de decisões conflitantes, o que formaria um estado de insegurança jurídica lamentável), sendo que esse órgão decidiria a seu mero arbítrio se confere ou não efeitos gerais a uma decisão inter partes do Supremo Tribunal Federal, deixando, neste último caso, abertas as vias geradoras da incerteza do direito.

Contrapondo-se a essa tese, a vertente predominante é a que interpreta o ato de suspensão do Senado como sendo optativo, discricionário. Dentre os simpatizantes dessa corrente estão Alexandre de Moraes (2012, p. 749-750), Luís Roberto Barroso (2004, p. 90), Luis Carlos Hiroki Muta ( 2007, p. 55), Michel Temer (2002, p. 48), Nelson Nery Júnior (2004, p. 74), Ronaldo Rebello de Britto Poletti (2001, p. 153), Paulo Napoleão Nogueira da Silva (2000, p. 137), Pedro Lenza (2011, p. 255), Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2012, p. 809), Uadi Lammêgo Bulos (2012, p. 229), entre outros.

Silva (2000, p. 137) defende que a prática do ato não é obrigatória, sendo que o Senado, “[...] recebendo a comunicação da declaração incidental de inconstitucionalidade, apreciará discricionariamente, sob sua ótica de órgão político, a conveniência e oportunidade de suspender ou não a execução do texto inquinado.” Aduz ainda que o ato, em sendo decisório, é praticado à vista da presença de outros elementos, alheios à declaração, sendo que ao Senado cabe, também, cercar seu exame das cautelas necessárias a fim de constatar a reiteração dos julgados da Suprema Corte no mesmo sentido da que declarou a inconstitucionalidade daquela lei, prevenindo uma eventual mudança de entendimento no Tribunal. (SILVA, 2000, p. 138, 160). Esses traços evidenciam que a flutuação e a instabilidade jurisprudencial integram um dos substratos que permitem ao Senado Federal apreciar de maneira crítica o julgamento da Alta Corte, suspendendo-o ou não. (CARVALHO, 2011, p. 385).

Nota-se, pois, uma conjugação de competências, sendo que tanto o Supremo (formando livremente o seu convencimento para declarar ou não a inconstitucionalidade), quanto o Senado (formando livremente o seu convencimento político sobre a conveniência e oportunidade de estender ou não, a todos, aquilo que o Supremo declarou com eficácia restrita às partes) atuam decisoriamente na etapa que lhes é determinada pela Constituição no procedimento incidental. (SILVA, 2000, p. 139).

Alexandre de Moraes (2012, p. 750) expressa sua opinião no sentido de que ao Senado Federal cumpriria examinar os aspectos formais da decisão declaratória de inconstitucionalidade, verificando se foi tomada por quórum suficiente e se é definitiva, assim como indagar da conveniência da suspensão. De outro modo, Silva (2000, p. 115) aduz que o exame do Senado só se refere à conveniência da suspensão, pois se este órgão analisasse os requisitos formais do processo em que foi declarada a inconstitucionalidade, importaria em intromissão numa questão interna corporis da Alta Corte, ferindo o princípio da tripartição dos poderes.

A orientação, tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Senado Federal, é de que este não está obrigado a editar resolução suspensiva da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva daquele, tratando-se, portanto, de ato discricionário do órgão legislativo, de uma deliberação essencialmente política. (MORAES, 2012, p. 749).

Há até mesmo precedente que aponta no sentido do Senado deixar de suspender lei declarada inconstitucional pelo STF: trata-se do RE 150.764/PE (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1992), em que o Supremo declarou, pela via incidental, a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei nº 7.689/1988 (lei que instituiu a contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas); e, feita a comunicação ao Senado, este deixou de editar a resolução suspensiva.[2]

1.3.3.2 Abrangência da resolução do Senado Federal

Outro aspecto polêmico é quanto à abrangência da resolução do Senado Federal ao que se refere à suspensão da execução, “no todo ou em parte”; isto é, se o Senado pode ampliar ou restringir a extensão da declaração definitiva de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Parte da doutrina entende que o Senado deverá suspender a totalidade da lei, ou parte dela, conforme for a declaração de inconstitucionalidade do Supremo. Esse é o posicionamento de Mendes (2009, p. 1130), segundo o qual o ato de suspensão pelo Senado é discricionário, porém, entendendo este pela suspensão, deve-se ater, estritamente, à extensão da decisão do STF.

Incorporando-se a esta corrente, Bulos (2012, p. 227) complementa que: “[...] a resolução senatorial deve, obrigatoriamente, acompanhar os estritos termos da sentença declaratória de inconstitucionalidade lavrada pelo Supremo, sob pena de ofensa à separação dos Poderes (CF, art. 2º)”, e de uma invasão de competências.

Desta maneira, o Senado estará limitado a suspender a execução de lei ou parte da lei declarada inconstitucional pelo Supremo, nos exatos termos da declaração, nem mais, nem menos. Traz-se, pois, a ideia de que a expressão “no todo ou em parte” refere-se às decisões em que toda a lei ou parte dela, consecutivamente, foram declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte, sob a qual a resolução deve estar conforme.

A outra teoria reproduz a lição de que a extensão da suspensão pelo Senado também se sujeita ao juízo de conveniência e de oportunidade desse órgão. Alvitrada por Michel Temer (2002, p. 48), argumenta-se que o Senado dispõe de discricionariedade para suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo, bem como, se resolver por sua suspensão, não está obrigado a suspendê-la na mesma extensão da declaração efetivada pela Corte Constitucional.

Na acepção de Temer (2002, p. 48), “O Senado Federal não é mero órgão chancelador das decisões da Corte Suprema.”, podendo exercitar sua competência de acordo com seu entendimento, sendo que “O simples fato de o art. 52, X, possibilitar a suspensão parcial ou total da lei revela essa discricionariedade.” 

Em apoio a essa corrente, Barroso (2004, p. 90) defende que o Senado poderá suspender a execução de toda a lei declarada inconstitucional, de parte dela, ou simplesmente não suspendê-la, quando não se estenderá a decisão do Supremo Tribunal Federal erga omnes. Nota-se que a suspensão da execução pelo Senado, aludida por essa tese, não necessariamente se igualaria à abrangência da declaração do Supremo Tribunal Federal.

1.3.3.3 Os efeitos temporais da suspensão pelo Senado Federal

Em relação aos efeitos temporais da suspensão da execução, a doutrina também não é uníssona, divergindo entre esses serem retroativos (ex tunc) ou prospectivos (ex nunc).

A primeira corrente tem como adeptos, entre outros, Zeno Veloso (2003, p. 60), Luís Roberto Barroso (2004, p. 91), Dirley da Cunha Júnior (2012, p. 174) e Saul Tourinho Leal (2012, p.196-197). Ao entender que os efeitos da resolução suspensiva operam-se retroativamente, estar-se-ia retornando à produção da lei declarada inconstitucional, ou seja, a lei seria nula, sem efeitos, desde sua entrada em vigor.

Conforme anota Veloso (2003, p. 60):

A declaração de inconstitucionalidade não fere de morte a norma; proclama que ela é natimorta. Entendemos, pois, que o que se convencionou chamar de suspensão da execução de lei declarada inconstitucional é a retirada da lei do ordenamento jurídico, pelo mais grave dos vícios, não podendo esta providência deixar de ter efeito retroativo.

Cunha Júnior (2012, p. 174) também advogada pelos efeitos ex tunc da resolução senatorial, entendendo que cumpre ao Senado somente emprestar eficácia geral à decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal que fica, consequentemente, valendo para todos e, mais ainda, com todos os efeitos, inclusive os retroativos, como se a lei nem houvesse existido.

Ou seja, a declaração incidental de inconstitucionalidade, realizada pela Corte Suprema, terá efeitos retroativos em relação aos litigantes naquele caso concreto. Portanto, a teor desse posicionamento, quando o Senado editar resolução suspendendo a execução da lei inconstitucional os efeitos deverão ser os mesmos, retroativos, porém agora com eficácia geral.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os efeitos serão, a partir da resolução suspensiva da execução de lei, editada pelo Senado Federal, ex tunc. Assim, no sentido da decisão proferida no MS nº 17.976 do STF , “[...] a suspensão da vigência da lei ou ato normativo por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional”. (MORAES, G. P., 2012, p. 172).

Entendimento diverso e formando a corrente majoritária é o pronunciado por Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt (2007, p. 47), Regina Maria Macedo Nery Ferrari (2004, p. 205), Alexandre de Moraes (2012, p. 752), José Afonso da Silva (2012, p. 54) e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1980, p. 210). Esses posicionam-se no sentido de que a norma produziu efeitos, o que deixa de ocorrer apenas a contar da resolução do Senado Federal. Assim, o ato do Senado produzirá efeitos meramente prospectivos.

José Afonso da Silva (2012, p. 54) manifesta que, no que tange ao caso concreto, a declaração do Supremo pela inconstitucionalidade de lei, de forma incidental, produz eficácia apenas para as partes ali litigantes e os efeitos são retroativos, fulminando a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascimento. Entretanto, suspensa a execução da lei por ato do Senado, a eficácia da declaração passa a ser geral, tendo efeitos ex nunc, não retroativos, ou seja, a partir da suspensão a lei deixa de produzir efeitos, porém, até então existiu, produziu-os validamente, e revelou-se eficaz.

Ferrari (2004, p. 205) adere a esse posicionamento:

Ora, parece-nos claro, dentro de tal colocação de idéias, que só a partir dessa suspensão é que a lei perde a eficácia, o que nos leva a admitir seu caráter constitutivo. [...] Assim sendo, não estão com a razão aqueles que consideram ter efeito retroativo a suspensão pelo Senado, pois, se não podemos negar o caráter normativo de tal ato, o mesmo, embora não se confunda com a revogação, opera como ela, já que retira, por disposição constitucional, a eficácia da lei ou ato normativo tido por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Considerando essa última corrente doutrinária, a declaração incidental do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de lei, com eficácia inter partes, terá efeitos retroativos; no entanto, a resolução suspensiva da execução dessa lei, expedida pelo Senado, conferindo eficácia erga omnes à declaração, terá efeitos prospectivos, a contar da publicação do ato senatorial.

1.3.4 Outras considerações

Registre-se que não há prazo previsto para que o Senado edite a resolução suspensiva após a comunicação do Supremo Tribunal Federal, e nem sanção no caso de demora ou de deixar de editar o ato, o que reafirma a caráter de discricionariedade do órgão nesta atribuição constitucional. Assim, o momento da suspensão, bem como a própria suspensão, ficam ao crivo do Senado Federal.

Enquanto a declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal não for suspensa pelo Senado, aquela não constitui precedente obrigatório, possibilitando que, embora sujeitos à revisão por parte do Supremo, os juízes e tribunais possam decidir de maneira diversa da propugnada (ou seja, pela constitucionalidade da norma), e possibilitando, até mesmo, que a Corte Constitucional modifique o seu modo de decidir em outros casos submetidos a seu julgamento. (FERRARI, 2004, p. 204-205).

Suspensa a execução da norma por resolução do Senado Federal, a decisão do STF prolatada em um caso concreto, incidentalmente, surtirá eficácia geral, e a lei inconstitucional perderá sua executoriedade, impossibilitando posições jurisprudenciais diferentes.

Percebe-se que as discussões acerca do papel do Senado são intensas, embora seja um instituto que remonta desde a Constituição de 1934. Permanece na atual Constituição a competência desse órgão para suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.

Contudo, com a crescente tendência de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade, essas discussões veem perdendo expressividade, dando espaço para outra discussão acerca desta cláusula senatorial, qual seja, se a norma veiculada pelo art. 52, X, da Constituição é ou não objeto de mutação constitucional, resultando na mudança do papel do Senado Federal no controle repressivo de Constitucionalidade.

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Sobre os autores
Clenio Jair Schulze

Juiz Federal. Mestre em Ciência Jurídica.

Yáskara Luana Gonçalves

Técnica Judiciária Auxiliar (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) Bacharel em Direito. Pós-Graduanda em Direito Público pela FURB (em convênio com a Esmesc)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHULZE, Clenio Jair ; GONÇALVES, Yáskara Luana. O controle difuso de constitucionalidade no STF e o papel do Senado Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3680, 29 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25028. Acesso em: 22 dez. 2024.

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