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Aspectos jurídicos da biografia não autorizada

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4.  CONCLUSÃO

O artigo 20 do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002), ao restringir a publicação da biografia à vontade do biografado, fere o princípio constitucional da liberdade de expressão e informação, colocando em privilégio a garantia constitucional da vida privada. Quando esses direitos entram em conflito, surge a colisão entre os próprios direitos fundamentais, cuja solução se revela desafiadora.

A liberdade de expressão e informação, uma vez que contribui para a orientação da opinião pública na sociedade democrática, é estimada como um elemento condicionador da democracia pluralista e como premissa para o exercício de outros direitos fundamentais. Por outro lado, é preciso respeitar a intimidade da pessoa pública, a fim de garantir-lhe o direito à privacidade.

Portanto, haverá colisão entre os direitos fundamentais e outros valores constitucionais, quando interesses individuais (tutelados por direitos fundamentais) se contrapõem a interesses da comunidade, reconhecidos também pela Constituição.

A colisão dos direitos entre Vida Privada e Livre Manifestação do Pensamento, bem como fatos relacionados com o âmbito de proteção constitucional desses direitos, não podem ser divulgados ao público indiscriminadamente. Entretanto, a Liberdade de Expressão e Informação transcende a dimensão de garantia individual por contribuir para a formação da opinião pública. Assim, o grande dilema centra-se em ponderar o limite entre tais princípios fundamentais, já que ao se consagrar a supremacia de um direito em detrimento do outro, põe-se em risco a importância de pesquisas históricas.

Neste contexto, faz-se necessária à distinção entre pesquisa histórica e mera curiosidade popular. Sendo assim, quanto à intimidade de pessoas célebres os limites decorrem do interesse público e das exigências de ordem histórica, cultural e artística.

Entretanto, não se concebe que direitos da personalidade, mesmo de pessoas públicas e notórias, possam ser afrontados para fins comerciais. Afinal, nessa hipótese desvirtua-se qualquer interesse histórico para dar lugar ao interesse publicitário, o que não se justifica. Não há, enfim, nesses casos, interesse público que permita a vulneração de direitos da personalidade. Assim sendo, as celebridades devem estar a salvo da perseguição sensacionalista, já que esta não se amolda à natureza institucional da atividade de comunicação.

Partindo-se de uma análise mais aprofundada, constata-se que os direitos da personalidade podem sofrer limitações, mesmo que não previstos em lei, quando se trata do tema biografia não autorizada. Tal gênero literário deve ser respeitado quando questionado por outros interesses constitucionalmente tutelados, principalmente no que diz respeito ao direito à informação e à liberdade de expressão.

 Portanto, em caso de colisão, deve-se ponderar a notoriedade dos fatos abordados na biografia, bem como a veracidade destes, ainda que em detrimento à intimidade da pessoa pública, frente à importância da conservação e incentivo das pesquisas históricas, que tanto enriquecem a cultura de uma nação.


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SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 230.


Notas

[1] SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 230.

[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v.1, p. 81.

[3] CAMPOS, Diogo Leite de. Lições de direito da personalidade. Coimbra: Almedina, 1995. p. 97.

[4] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 95.

[5] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

[6] REALE, op. cit., p. 94.

[7] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Unb. 1999. p. 21.

[8] NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 81.

[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Editora RT, 1980, p. 230.

[10] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990. p. 110.

[11] DWORKIN, Ronald apud FARIAS. Edilson Pereira de. Colisão de Direitos. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000.

[12] Ibid., p. 27.

[13] ALEXY, Robert apud FARIAS. Edilson Pereira de. Colisão de Direitos. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000. p. 30.

[14] DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 69.

[15] CAVERO, José Martinez De Pisón apud NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo: Editora FTD, 1997.

[16] SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 183.

[17] SERRRANO, Vidal. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo: Editora FTD, 1997.

[18] FERRAZ JUNIOR, Tércio apud GODOY. Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001.

[19] SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 230.

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Sobre a autora
Danielle Regina Bartelli Vicentini

Advogada, formada em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICENTINI, Danielle Regina Bartelli. Aspectos jurídicos da biografia não autorizada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3686, 4 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25088. Acesso em: 7 mai. 2024.

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