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A (in)aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na empresa individual de responsabilidade limitada (Lei nº 12.441/2011)

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29/08/2013 às 23:16
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3 DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (LEI 12.441/2011) – EIRELI

3.1 HISTÓRICO DA EIRELI

Há tempos já se vêm discutindo no Brasil quanto à instituição da empresa individual de responsabilidade limitada, para que fosse possível haver distinção entre o patrimônio da pessoa jurídica e de seu responsável, entretanto, havia forte resistência pela concretização desse pensamento, o qual constataremos abaixo (PARECER DO SENADO FEDERAL Nº 380).

Em 1947, foi apresentado Projeto nº 201, de autoria do Deputado Fausto de Freitas e Castro, que pretendia implementar a limitação da responsabilidade pela empresa individual, porém, pareceres contrários das Comissões de Constituição e Justiça e de Indústria, do Congresso Nacional, alegando que promover a limitação significaria possibilitar fraudes na prática mercantil, impedindo sua concretização no ordenamento jurídico brasileiro. (BRUSCATO, 2005).

Nas palavras de Wilges Ariana Bruscato (2005, p.64):

O Deputado em sua justificativa cita que há muito se fazia sentir a falta de uma lei que permitisse e regulamentasse a criação de empresas individuais de responsabilidade limitada, sendo notórios os benefícios da limitação da responsabilidade para as sociedades. E o que parecia mais agudo ao autor do projeto, era o fato de se obter às margens da lei, a limitação de sua responsabilidade.

Fausto de Freitas e Castro aduz ainda que:

Na realidade, as empresas individuais – de responsabilidade limitada – existem, embora de formação contrária à lei. O mal não advém do fato em si, mas dos abusos que se podem cometer por meio de tão fácil burla às exigências da lei. Muitas dessas sociedades aparentes têm vivido e prosperado, gozando de crédito nos bancos e de bom conceito na praça. Diante da realidade dos fatos, em face dos princípios que regem o instituto da limitação da responsabilidade, é preferível que o legislador discipline a matéria, evitando a ação dos aventureiros e de pessoas inescrupulosas (1947, apud BRUSCATO, 2005, p.64).

Mais adiante, em 2011, foi apresentado Projeto de Lei da Câmara nº 18, de autoria do Deputado Marcos Montes Cordeiro, com a finalidade de instituir no ordenamento jurídico brasileiro a empresa individual de responsabilidade limitada, de acordo com o Projeto de Lei nº 4.605 de 2009, na casa de origem (PARECER DO SENADO FEDERAL Nº 380).

“Na justificação do projeto, seu autor afirma que o seu objetivo é instituir a ‘sociedade unipessoal’, também conhecida como ‘empresa individual de responsabilidade limitada’, reproduzindo, na justificação, artigo publicado na Gazeta Mercantil, em 2003, de autoria de Guilherme Duque Estrada de Moraes” (PARECER DO SENADO FEDERAL Nº 380).

Cita-se ainda, que “desde o início da década de 80 discute-se no País a criação da ‘empresa individual de responsabilidade limitada’. A ideia foi examinada no Programa Nacional de Desburocratização, conduzido pelo Ministro Hélio Beltrão, de forma vinculada ao estatuto da microempresa, mas ela foi abandonada em virtude da prioridade dada à questão tributária” (PARECER DO SENADO FEDERAL Nº 380).

“A mesma fonte relembra anteprojeto próprio, e outras contribuições oferecidas ao Governo desde a década de 90, com o ‘propósito de permitir que o empresário, individualmente, pudesse explorar atividade econômica sem colocar em risco seus bens pessoais, tornando mais claros os limites da garantia oferecida a terceiros’” (PROJETO DE LEI Nº 4.605/09).

Como fundamento a sua existência no direito brasileiro, não são poucos os países que já instituíram a empresa individual de responsabilidade limitada, como por exemplo: “França, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca e, na América do Sul, Chile [...]” (PARECER DO SENADO FEDERAL Nº 380).

O novo modelo de empresa (EIRELI) consta como importante rebate às empresas constituídas em sociedade “faz-de-conta”, somente para limitar a responsabilidade do sócio, qual um destes era apenas o “laranja” do outro a fim de obter vantagens fiscais e jurídicas (PROJETO DE LEI Nº 4.605/09).

Ainda, qualifica-se como facilitador à constituição de uma empresa (pessoa jurídica), num processo menos burocrático, podendo ser detentor da totalidade das quotas que correspondem ao capital social da empresa, por sua vez acabando com as disputas entre sócios, afora ainda trazer contribuições para a geração de empregos e incentivando a formação de novos empreendedores, facilitando a atividade econômica (PROJETO DE LEI Nº 4.605/09).

Conhecendo algumas brechas no Projeto de Lei nº 4.605/09, foi apensado o Projeto de Lei nº 4.953/2009, expondo uma formulação mais adequada da empresa individual de responsabilidade limitada, suprindo as lacunas do projeto anterior (PARECER DO SENADO FEDERAL Nº 380).

Sintaticamente Antônio Pereira de Almeida (1988, apud BRUSCATO, 2005, p.260) diz que mesmo “[...] consagradas às sociedades de responsabilidade limitada e admitidos os patrimônios de afetação especial, não se vê mais razão para que, se duas pessoas podem limitar sua responsabilidade, uma sozinha não o possa fazer”.

Sendo assim, após longo trajeto legislativo e incessantes intervenções jurídicas, atendendo a necessidade da classe dos comerciantes, empresários, compondo um ordenamento jurídico mais moderno e adequado para acompanhar a evolução da sociedade brasileira que foi aprovado o projeto na Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, e com base nestas ponderações doutrinárias a Presidente da República Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.441 em 11 de julho de 2011.

“Esta Lei acrescenta inciso VI ao art. 44, acrescenta art. 980-A ao Livro II da Parte Especial e altera o parágrafo único do art. 1.033, todos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), de modo a instituir a empresa individual de responsabilidade limitada, nas condições que especifica” (artigo 1º da EIRELI), entrando em vigor 180 dias após a data de sua publicação (artigo 3º da EIRELI).

3.2 CONCEITO DA EIRELI

A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, de acordo com o enunciado 469 do Conselho de Justiça Federal, se distingue do caráter de sociedade, aprovando-se que “[...] a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado” (BRASIL, 2011). Lembrando, que esta nova empresa nem tão pouco se confunde ou substitui a personificação do empresário individual, estando regulamentada pelas Instruções Normativas do DNRC (nº 116/2011, nº 117/2011 e nº 118/2011).

Fábio Ulhoa Coelho, distinguindo o conceito de empresa e empresário, esclarece que “a empresa é a atividade, e não a pessoa que a explora; e o empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas a própria sociedade” (COELHO, 2008, p.63).

Nesse caminhar, considerando as palavras de Fábio Ulhoa Coelho, ressaltando a nomenclatura originada pela Lei nº 12.441/2011, tem-se o entendimento de que o objeto da EIRELI corresponderá ao exercício de atividades semelhantes àquelas realizadas pelo empresário, relacionadas no artigo 966 e seguintes do Código Civil (BRASIL, 2011; COELHO, 2008).

Porventura, o regime jurídico da EIRELI não tem um conceito definido, por ainda satisfazer singularmente o interesse social, sendo, portanto, passível de algumas críticas.

3.3 CARACTERÍSTICAS DA EIRELI

Inicialmente, antes de tecermos comentários acerca da titularidade da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, é importante transcrevermos abaixo o caput do artigo 980-A da Lei nº 12.441/2011:

Para comentarmos as características acerca da EIRELI transcrevemos abaixo o artigo 980-A originalmente acrescentado no Código Civil:

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.

§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

§ 4º (VETADO).

§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.

§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.

........................................................................................................."

"Art. 1.033. ..............................................................................

..........................................................................................................

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código." (NR)

Primeiramente quanto à constituição da EIRELI, será realizada por uma única pessoa, esta denominada como titular, responsável pela integralização total do capital social de sua respectiva empresa. Criticamente analisando o presente dispositivo, percebe-se a omissão quanto à determinação se ambos (pessoas físicas ou jurídicas) podem ser titulares da empresa individual de responsabilidade limitada (artigo 980-A, caput da EIRELI).

Como recentemente visto, o capital da empresa individual deverá ser antecipadamente integralizado, não inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, para que o empresário possa realizar a constituição da EIRELI na Junta Comercial (artigo 980-A, caput da EIRELI). No ato constitutivo, lembra-se que o nome empresarial deverá ser formado precisamente pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social (artigo 980-A, § 1º da EIRELI).

Por conta disso, o registro do ato constitutivo há que ser realizado na Junta Comercial da sede designada à empresa (artigo 967 do CC) obedecendo à Instrução Normativa do DNRC nº 117/2011, eis que convém lembrar o enunciado 471 do Conselho de Justiça Federal: “os atos constitutivos da EIRELI devem ser arquivados no registro competente, para fins de aquisição de personalidade jurídica. A falta de arquivamento ou de registro de alterações dos atos constitutivos configura irregularidade superveniente” (BRASIL, 2011).

Entretanto há de se lembrar das restrições para os que optam pela constituição da EIRELI, sendo que, é autorizado à pessoa natural constituir apenas uma única pessoa jurídica desse tipo (artigo 980-A, § 2º da EIRELI). Tanto que o DNRC, em sua Instrução Normativa nº 117/2011, especifica que compõe cláusula do ato constitutivo da EIRELI a “declaração de que o seu titular não participa de nenhuma outra empresa dessa modalidade” (IN-DNRC nº 117/2011).

 A EIRELI veio a acrescer à legislação brasileira oportunizando, sobremaneira, a limitação da responsabilidade patrimonial à empresa constituída por único empresário, qual aquele que quer atuar com liberdade no mercado, podendo assim compor empresa sem necessidade de se juntar a algum sócio (artigo 980-A da EIRELI; PROJETO DE LEI Nº 4.605/09).

Ainda, complementando, a IN-DNRC nº 118/2011 relaciona os procedimentos para se realizar a transformação (relativa ao nome empresarial e ao capital) dos atos da sociedade em: empresário ou empresa individual de responsabilidade limitada e vice-versa; deixando-se de lado as sociedades anônimas, sociedades simples e cooperativas (artigo 980-A da EIRELI; IN-DNRC nº 118/2011).

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Por fim, "aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas" (artigo 980-A, § 6º da EIRELI).

3.4 PRINCIPAIS MOTIVOS PARA CONSTITUIÇÃO DE UMA EIRELI

Pode-se dizer que a primeira motivação para se instituir uma EIRELI seria da liberdade do empresário em compor individualmente empresa com personalidade jurídica, a fim de realizar atividade empresária sem a existência de sócios (artigo 980-A da EIRELI).

Relembrando o que estudamos nos capítulos anteriores quanto à constituição de empresa, personalidade jurídica e responsabilidade dos empresários, chegamos a outra motivação relevante ao estabelecer uma EIRELI, qual seja a obtenção da chamada autonomia patrimonial e limitação da responsabilidade pelo seu titular, atrelada à integralização total do capital social (artigo 980-A da EIRELI).

Além destes, outro motivo relevante da constituição da EIRELI se daria em caso de dissolução de uma sociedade empresária, onde um dos sócios se retira ou é excluído da empresa, e restando um único sócio, este passa a ser “titular” da empresa e detentor da totalidade das quotas, podendo assim, requerer a transformação daquela em EIRELI (artigo 980-A da EIRELI; PROJETO DE LEI Nº 4.605/09).

De forma sintetizada, apresentou-se alguns pontos relevantes para se constituir uma EIRELI, haja vista sua recente inclusão no direito brasileiro. Podendo considerar, no entanto, que este instituto permite que um único empresário possa constituir empresa, admitindo-se a sua personalidade jurídica, oportunizando a distinção do patrimônio do empresário ao da empresa, sendo por fim, este, detentor da totalidade do capital social, tendo sua responsabilidade vinculada à integralização de suas quotas (artigo 980-A da EIRELI).

Mormente, como resultado da instituição em EIRELI instigaria a legalização e registro daqueles empresários individuais atuando informalmente, bem como a afastabilidade das sociedades limitadas constituídas com sócios “laranja” que subscreve-se apenas para dar validade aquela sociedade empresária (BORBA, 2004; COELHO, 2008).

Não bastando isso, a existência da distinção entre o patrimônio da pessoa jurídica e de seu titular, transmite uma impressão de maior segurança e resguardo legal aos empresários para instituir uma EIRELI, mas há de sopesar suas responsabilidades como titular.

3.5 A RESPONSABILIDADE NA EIRELI

Ao determinar que fossem aplicáveis as regras das sociedades limitadas à empresa individual de responsabilidade limitada, de acordo com o artigo 980-A, § 6º da EIRELI, nos remetemos ao artigo 1.052 do Código Civil (2002) que trata da responsabilidade de cada sócio, no caso da EIRELI – titular, in verbis: “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”.

Relevante esclarecer que havendo dívidas perante terceiros, o patrimônio pessoal do empresário não será utilizado, limitando assim a responsabilidade das obrigações decorrentes da atividade empresária na EIRELI ao capital integralizado (artigo 980-A da EIRELI; artigo 1.052 do CC).

Apesar dos baldrames supracitados, é salutar contrapor o teor do enunciado 470 do Conselho de Justiça Federal, que dispõe: “o patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica” (BRASIL, 2011).

Entretanto, como já vimos, é reiterada na legislação brasileira a possibilidade da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica regida pela limitação de responsabilidade quando constatado intenções maliciosas ou fraudulentas, de acordo com o artigo 50 do Código Civil (2002) e demais dispositivos legais.

Assim sendo, resta saber se é possível realizar a desconsideração da EIRELI para responsabilizar o seu titular, devendo responder com seu patrimônio pessoal, que até então, estava protegido pela autonomia patrimonial da empresa, fundada na integralização do capital social. Isto posto, repisa-se que fora especificado no § 6º do artigo 980-A da EIRELI que “obedeceria as regras da sociedade limitada”.

Ocasião que nos direcionamos ao item seguinte deste capítulo, que vem responder a este questionamento que faz alusão ao objetivo central deste trabalho, qual seja, se é aplicável ou não a teoria da desconsideração da personalidade jurídica na EIRELI.

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Sobre o autor
Gabriel Bertoluci

Bacharel em Direito; Cursando pós-graduação em Direito Público e Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERTOLUCI, Gabriel. A (in)aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na empresa individual de responsabilidade limitada (Lei nº 12.441/2011). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3711, 29 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25179. Acesso em: 28 abr. 2024.

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