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Grupo de sociedades e consórcios

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01/01/2002 às 01:00
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SUMÁRIO: I – INTRODUÇÃO; 1 – IMPORTÂNCIA DO TEMA; 2 - FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DOS GRUPOS ECONÔMICOS; II – GRUPO DE SOCIEDADES; 1 – CONCEITO ; 1.1 – CONCEITO DE GRUPO DE SOCIEDADES NO DIREITO GERMÂNICO; 1.2 – CONCEITO DE GRUPO DE SOCIEDADES NO DIREITO BRASILEIRO ; 2 – DISCIPLINA LEGAL; 2.1 – DISCIPLINA LEGAL DOS GRUPOS DE SOCIEDADES DO DIREITO GERMÂNICO; 2.2 - DISCIPLINA LEGAL DOS GRUPOS DE SOCIEDADES DO DIREITO FRANCÊS; 2.3 – DISCIPLINA LEGAL DOS GRUPOS DE SOCIEDADES DO DIREITO BRASILEIRO; 3 – NATUREZA JURÍDICA; 3.1 – ASPECTOS INICIAIS; 3.2 – ASPECTOS HISTÓRICOS; 3.3 – NATUREZA JURÍDICA; 3.4 – PROBLEMÁTICA ; 3.5 – TENDÊNCIAS ATUAIS; 4 – CLASSIFICAÇÃO ; 4.1 – GRUPOS DE FATO; 4.2 – GRUPOS DE DIREITO; 4.3 – CONSÓRCIOS; 5 – CONSTITUIÇÃO E REGISTRO DOS GRUPOS DE SOCIEDADES ; 5.1 – FORMAÇÃO DE CONSÓRCIO ; 6 – PERSONALIDADE JURÍDICA DO GRUPO DE SOCIEDADES ; 6.1 – CASUÍSTICA; 7 – DIREITO DOS GRUPOS DE SOCIEDADES; III – CONCLUSÃO ; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


I - INTRODUÇÃO

1 – IMPORTÂNCIA DO TEMA

Na conjuntura econômica atual aliada à globalização, os grupos de sociedade e consórcio são táticas extremamente estratégicas e revolucionárias na organização das empresas modernas. Caracterizados pela reunião de empresas através de um processo de concentração e sob uma direção comum mas sem fusão de patrimônios e nem a perda da personalidade jurídica de cada empresa integrante, os grupos de sociedade visam à concretização de empreendimentos comuns. Já o consórcio é formado através de um processo de cooperação e se caracteriza por sua efemeridade, ou seja, a reunião de empresas tem um período de duração pré-estabelecido.

Sem dúvida, a economia capitalista caracterizada pela constante e acirrada concorrência é decisiva para o crescimento ou a extinção das sociedades, razão pela qual as empresas têm priorizado a busca de meios capazes de assegurar sua influência no mercado, o aumento de sua produção e também o desenvolvimento de suas atividades em nível nacional e também internacional. Nesse contexto, nenhuma técnica comercial presta-se tão eficientemente a esta função como os grupos de sociedade e o consórcio. Utilizando-se das palavras de Ton Hadden: "os comercialistas continuam a escrever e a raciocinar como se a sociedade individual e independente fosse a regra. Na realidade, esta sociedade deixou de constituir a mais importante forma de organização econômica desde as décadas de 20 e 30. O mundo comercial é hoje dominado, quer nacional, quer internacionalmente, por complexos grupos de sociedades."

Em face do grande número de grupos de sociedades e de sua relevância no mercado mundial, mister se faz a edição e aplicação de regras que os organizem e estabeleçam limites para as várias situações que podem surgir na realização de negócios que envolvam tais grupos. Somente à título de exemplo, teria o grupo de sociedades personalidade própria ? "Devem os credores demandarem contra o grupo, contra a sociedade de comando ou contra as sociedades grupadas ?"(1). É claro, o Direito jamais poderia calar-se diante de fatos tão intimamente ligados à economia e à vida social dos povos, pois estaria abandonando um de seus principais objetivos : regular condutas promovendo o bem comum. Diante disso, o que se verá no presente trabalho, será uma compreensão jurídica do grupo de sociedades, explicitando seu conceito, natureza, características, classificação, constituição, personalidade e participação dos acionistas, dando especial atenção aos consórcios, como uma das formas de agrupamento de sociedades.


2 - FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DOS GRUPOS ECONÔMICOS

A formação e a evolução econômica da empresa, sob a forma societária, tomaram incremento após o surgimento do sistema capitalista de produção, provocado pela Revolução Industrial no século XVIII. No início do século passado, surgiram as primeiras concentrações capitalistas, sob o estilo individualista. "A evolução do capitalismo foi, entretanto, surpreendente. As empresas, sobretudo após a Primeira Grande Guerra, neste século, pelo seu dimensionamento, superaram a formação individualista do "capitão de indústria", para adotar sistemas de coligações de empresas. Passaram as empresas a se unir, sob a direção de órgãos coletivos e colegiados, os quais nem sempre são constituídos pelos detentores da propriedade dos capitais." [2]

Com efeito, numa economia capitalista, caracterizada pela livre, acirrada e, por vezes, desleal concorrência, não apenas a empresa precisa constantemente desenvolver-se (expansão interna) como, por igual, concentrar-se (expansão externa), com o escopo de aumentar a produção e conquistar consumidores, sobretudo em diferentes países e, até mesmo, em diversos continentes. Para tanto, os grupos societários (trustes, cartéis, Konzerns, etc.), cada vez mais dimensionados, passaram a constituir a inexorável técnica do capitalismo ascendente e vitorioso nos países de economia desenvolvida, transcendendo aos lindes territoriais da nações. O fenômeno mais se acentuou e tornou-se universalmente conhecido, após a Segunda Grande Guerra, de 1939.

Com isso é possível afirmar que o mundo moderno, sobretudo após a última grande guerra (1939 – 1945), sofreu profundas transformações sociais e econômicas. No campo do Direito Comercial ocorreu uma verdadeira revolução, com o desenvolvimento das idéias e técnicas dos grandes grupos societários, consequência da concentração econômica das empresas. Houve, em face da economia de escala, a necessidade de as empresas se aglutinarem, a fim de atenderem às necessidades do desenvolvimento tecnológico dos processos de produção e de pesquisa, bem como do domínio ou da supremacia dos mercados de produção e de consumo. Já se observou que as chamadas "empresas multinacionais", impressionantes pelo seu poder e estrutura, nada são além de grupos de sociedades, sob forma de holdings ou Konzern.

Como escreve o Prof. Fábio Conder Comparato "não há negar, entretanto, que os grupos econômicos foram criados, exatamente, para racionalizar a exploração empresarial, harmonizando, e mesmo unificando, as atividades das várias empresas que os compõem. É graças a essa racionalização administrativa que o lucro marginal é elevado, com a baixa do custo unitário da produção. Eles proporcionam a criação de economias internas de escala, já assinaladas pelos economistas desde o início do século... A empresa isolada é, atualmente, uma realidade condenada, em todos os setores, máxime naqueles em que o processo está intimamente ligado à pesquisa tecnológica." (3)

Observando esse mesmo fenômeno na Espanha, o jurista Aurélio Menéndez comenta que "na atualidade parece claro que, nos países com um certo nível de desenvolvimento, a mesma importância e capacidade de autofinanciamento das grandes empresas está provocando um fenômeno curioso e já suficientemente conhecido : refiro-me ao fato de que a constituição de grandes sociedades anônimas novas se tenha convertido em acontecimento raro, porque, em definitivo, as iniciativas econômicas que vão surgindo se canalizam essencialmente através das filiais de grandes sociedades preexistentes, sociedades-mãe que o são no sentido de alimentar financeiramente a vida dessas filiais. E mais, desde algumas décadas o processo de ampliação se acelera através das chamadas federações de sociedades ou grupos, agregadas, às vezes, no seio das sociedades novas." (4)

Em face desse fenômeno econômico de concentração de empresas e de sua relevância no mercado mundial, mister se faz a edição e aplicação de regras que os organizem e estabeleçam limites para as várias situações que poderiam surgir na realização de negócios que envolvam esses grupos econômicos. Vale lembrar que, a questão posta em foco é referente aos grupos econômicos, ou seja, aos grupos de sociedades, cuja integração é relativa, não se confundindo com a fusão ou incorporação, que resultam da integração absoluta das sociedades e por isso não mais importam em grupos societários.


II – GRUPO DE SOCIEDADES

1 - CONCEITO

1.1 - Conceito de grupo de sociedades no Direito germânico

No direito germânico o instituto (grupos econômicos ou grupos de sociedades) é conhecido por Korzern, palavra de origem inglesa (concern) que significa relações, mas também negócio e organização comercial. Segundo Von Gierke constitui o Konzern um agrupamento de empresas, juridicamente independentes e economicamente sujeitas a direção única. De certa forma corresponde à holding do direito norte-americano, que constitui também sociedade que administra os negócios ou controla as sociedades a ela sujeitas.

Na Lei de 1965, da Alemanha, o artigo 18 define o Konzern : "Se uma empresa dominante e uma ou várias empresas dependentes se encontram reunidas sob a direção única da empresa dominante, elas constituem um Konzern. Cada uma delas é empresa consorciada. Se empresas juridicamente independentes se encontram reunidas sob uma direção única, sem que uma dependa da outra, também constituem um Konzern. Cada uma delas é empresa consorciada." Assim se tem entendido que o legislador germânico, para os efeitos dos interesses dos credores sociais, considerou as duas situações : a do grupo econômico regularmente constituído por um contrato de empresa (grupo de direito) e a do grupo econômico de fato.

1.2 - Conceito de grupo de sociedades no Direito brasileiro

De forma genérica, e assim o faz Fábio Ulhoa Coelho, conceitua-se grupo de sociedade como "a associação de esforços empresariais entre sociedades, para a realização de atividades comuns."(5) Também, numa acepção ampla, José Antunes define o grupo de sociedades como "um termo de referência para aquele setor da realidade societária moderna que encontra no fenômeno do controle intersocietário e das relações de coligação entre sociedades o seu centro de gravidade."(6) Por outro lado, o mesmo autor, em sentido estrito, conceitua esta forma de concentração de empresas como "todo conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direção econômica unitária e comum."(7)

Com efeito, o grupo de sociedades pode resultar em três diferentes situações : grupos de fato, grupos de direito e os consórcios.

Os grupos de fato se estabelecem entre sociedades coligadas ou entre a controladora e a controlada. Coligadas são aquelas em que uma participa de 10% ou mais do capital social da outra, sem controlá-la. Já controladora é aquela que detém o poder de controle de outra companhia. Em regra, a lei veda a participação recíproca entre a sociedade anônima e suas coligadas ou controladas, abrindo exceção somente para as hipóteses em que a companhia pode adquirir as próprias ações (LSA, artigos 244 e 30, § 1º, b). Em relação à esses grupos, preocupou-se o legislador, basicamente, em garantir maior transparência nas relações entre as coligadas e entre as controladas e sua controladora, através de regras próprias sobre as demonstrações financeiras (LSA, artigos 247 a 250).

O grupo de direito é o conjunto de sociedades cujo controle é titularizado por uma brasileira (a comandante) e que, mediante convenção acerca de combinação de esforços ou participação em atividades ou empreendimentos comuns, formalizam esta relação empresarial. Nas palavras de Waldirio Bulgarelli, "são grupos que se constituem formalmente por uma convenção expressa."(8) Os grupos de direito devem possuir designação, da qual constará palavra identificadora de sua existência ("grupo" ou "grupo de sociedades", conforme dispõe o artigo 267 da LSA), e devem estar devidamente registrados na Junta Comercial.

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Por fim, o consórcio que forma-se quando duas sociedades quiserem combinar esforços e recursos para o desenvolvimento de empreendimento comum. Ensina Waldirio Bulgarelli que "trata-se de união de empresas para determinados fins, conservando cada uma a sua personalidade jurídica (tema a ser estudado adiante) e autonomia patrimonial. Está-se aqui, portanto, perante os chamados grupos de coordenação, em que não se verifica o controle por parte de nenhuma das participantes sobre as demais, havendo assim um ajustamento das posições para um objetivo comum."(9)


2 - DISCIPLINA LEGAL

Aflorado o fenômeno de formação de grupos econômicos e, atingindo importâncias em escala global, tornou-se necessário a convocação de juristas, para formularem um ordenamento jurídico da concentração econômica. Natural, pois, que o direito moderno, nos Estados Unidos, fracionado na legislação e jurisprudência dos diversos estados, na Alemanha, França, Japão e outros países, passasse a considerar as novas relações jurídicas engendradas pelo agrupamento das empresas, como um direito novo, construindo originais concepções jurídicas e revendo antigos conceitos.

2.1 - Disciplina legal do grupo de sociedades no Direito Germânico

Coube aos juristas alemães estabelecer, pela primeira vez, no direito moderno, um sistema legal disciplinador dos grupos econômicos. A Lei alemã, de 1965, que regulou a sociedade anônima, abriu capítulo para essa disciplina. Essa lei, de profunda influência na Comunidade Econômica Européia, dedicou vários capítulos ao problema do agrupamento e concentração das empresas, dando-lhe uma disciplina jurídica capaz de não torná-las instrumento de oligarquias belicistas.

"Em síntese, o sistema germânico das "empresas ligadas" decorre dos contratos inter-empresas, regulados no Livro III, da "AKTG", ou das "sociedades integradas". Para serem eficazes, seus contratos devem ser levados ao registro do comércio, segundo recomenda o § 294. Os grupos que se formarem fora desse esquema, são grupos de fato."(10) Seu sistema interessa sobremaneira ao direito brasileiro, porque foi nas suas raízes que se inspiraram os autores do projeto de reforma, que resultou na atual Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976.

2.2 - Disciplina legal do grupo de sociedades no Direito francês

Na França, o problema da disciplina dos grupos societários surgiu co a mesma intensidade. Maciel Hamiaut, em sua obra La Reforme des Sociétés Commerciales, comenta : "A importância das filiais e das participações na vida econômica moderna não é mais acentuada. A criação de filiais ou a captura de participações permitem realizar uma concentração vertical ou horizontal sem recorrer ao procedimento dispendioso e pesado da fusão... Se a sua utilização não é contestável, as filiais e as participações podem, entretanto, dar lugar à abusos contra os quais convém proteger os acionistas e os credores." (11)

Com efeito, a fim de previnir abusos contra acionistas e credores, o artigo 357 da lei francesa dispõe que "o conselho de administração, o diretor ou o gerente de toda sociedade que tem filiais ou participações, anexa ao balanço da sociedade um quadro cujo modelo é fixado por decreto, para mostrar a situação dessas filiais e participações."

Convém lembrar que a designação "filiais" (filiales), no Direito françês, tem sentido diferente da que lhe damos no Direito brasileiro, pois naquele se define "como a sociedade na qual uma outra sociedade possui mais da metade do capital" (artigo 354).

2.3 - Disciplina legal do grupo de sociedades no Direito brasileiro

A Lei 6.404/76, trata, na área da concentração de empresas, dos grupos de sociedades (artigo 265) e ainda das sociedades coligadas (artigo 243), das participações recíprocas (artigo 244), dos consórcios (artigo 278) e da subsidiária integral (artigo 251).

O Prof. Modesto Carvalhosa, classifica as operações concentracionais do direito brasileiro, em dois grandes grupos : primeiro, operações que levam a perda da autonomia individual das sociedades (fusão e incorporação), chegando a uma integração absoluta; segundo, operações de associação de empresas autônomas, pretendendo-se uma integração relativa, podendo ser mais flexível, como a mera participação de uma sociedade em outra, ou então mais radical com a criação de grandes grupos societários, ou ainda temporária, como no caso do consórcio. Aqui, no presente trabalho, interessa-nos somente o segundo grupo, ou seja, grupos de sociedades (de fato e de direiro) e os consórcios.

Em relação à disciplina legal a que se submetem os grupos de sociedades e consórcios, afirma o célebre Rubens Requião : "O tratamento dado aos grupos, não obstante, ressente-se de precisão e clareza, e deve-se, sem dúvida, ao pioneirismo, pois como se sabe a sistemática grupal só foi disciplinada na Lei alemã de 1965. De qualquer forma, nossa lei correu o risco de disciplinar os grupos, não só os que se constituem de fato por meio das participações, como também os que formalizam por meio de uma convenção expressa."(12) Em face de disciplinar grupos societários devidamente formalizados, é que se diz que a legislação brasileira dos grupos adotou o modelo contratual. O artigo 265 da Lei 6.404/76, dispõe que a sociedade controladora esuas controladas podem constituir grupo de sociedade, mediante convenção. "Exige, desse modo, a lei brasileira, além das notas caracterizadoras do fenômeno econômico, a convenção grupal, para conectar as consequências jurídicas ao assim chamado grupo de direito. Não descuida nossa lei, entretanto, dos grupos de fato, vale dizer, da existência fática de um conjunto de sociedades articuladas sob uma direção unitária."(13) Trata, ainda, esse mesmo diploma legal, das características e natureza dos grupos econômicos (265 e 266), suas designações (267), autorização para funcionar (268), constituição, registro, publicidade (269 e 271), aprovação pelos sócios da sociedade que integrará o grupo (270), dos administradores do grupo e das sociedades filiadas (272 e 273) e sua remuneração (274), das demonstrações financeiras (275), dos prejuízos resultantes de atos contrários à convenção (276), do Conselho Fiscal das filiadas (277) e, por fim, dos consórcios (278 e 279).

Resta saber, contudo, se buscou, efetivamente, o legislador brasileiro um equilíbrio entre os interesses do grupo propriamente, de um lado, e dos acionistas minoritários e credores, de outro. Vozes das mais autorizadas, dentre elas Modesto Carvalhosa, acreditam que não houve equilíbrio e que a Lei 6.404/76, "teria como objetivo precípuo o fortalecimento da grande empresa mediante a formação de conglomerados globais, financeiros-industriais-comerciais, inspirados nos sistemas alemão e japonês do Konzern e do zaibatsu..."(14) De fato, os próprios autores do projeto da atual lei reconheceram que a matéria reclama normas específicas que redefinam, no interior desses agrupamentos, os direitos das minorias, as responsabilidades dos administradores e a garantia dos credores. E, honestamente, advertem que a apresentação legal das soluções é feita em forma de tentativa a ser corrigida pelas necessidades que a prática vier a evidenciar.


3 - NATUREZA JURÍDICA DO GRUPO DE SOCIEDADES E CONSÓRCIO

3.1 – Aspectos iniciais

Tal como enfatizado anteriormente, as exigências impostas pelo desenvolvimento econômico, sobretudo após a última grande guerra, fez com que as empresas sentissem a necessidade de se reunirem. Com efeito, poucas são, de fato, as empresas capazes de se apresentarem com seus próprios recursos técnicos ou financeiros para executarem determinados fins. Daí a faculdade reconhecida às empresas de se reunirem. Estes agrupamentos podem assumir diferentes formas, destacando-se os grupos de sociedades e consórcios.

Podemos dizer que os grupos de sociedade e consórcio encontram-se no centro de inúmeros debates envolvendo as sociedades comerciais. Boa parte destes debates deve-se à natureza jurídica destes agrupamentos, que será objeto de estudo a seguir.

3.2 - Aspectos históricos

A análise da natureza jurídica dos grupos de sociedade e consórcio não é meramente acadêmica, tendo importantes efeitos práticos na determinação das consequências jurídicas e do regime jurídico aplicável. Somente com a lei das sociedades anônimas, que data de 1976, deu-se os primeiros contornos com relação ao agrupamento de empresas. Porém, não existe em nosso direito positivo uma disciplina legal que assentem os novos institutos em precisos preceitos normativos. Arnold Wald acentua que a atual situação de quase total ausência de legislação e doutrina com relação ao tema deve-se ao desenvolvimento recente das grandes empresas nacionais e à fraqueza do capitalismo empresarial do país. Konder Comparato acentua que o legislador incorreria em omissão culposa se deixasse de enfrentar desde logo a realidade dos grupos econômicos. Porém, há de se entender que os primeiros conflitos sobre o assunto ainda estão se processando, que não chegaram aos tribunais. Assim, por sua vez, o legislador não teve ainda a experiência necessária para uma nova regulamentação mais ampla do assunto.

3.3 – Natureza jurídica

Ao analisarmos os artigos 265 a 279 da lei 6404/76, documento que regula tais institutos em nosso ordenamento, optamos, para efeito de natureza jurídica, analisar os grupos de sociedade e consórcio conjuntamente, visto que apresentam inúmeras semelhanças no que toca à natureza jurídica.

Se duas ou mais empresas se associassem procurando constituir uma nova sociedade, occorreria a hipótese de fusão de sociedades. Aí reside um dos elementos distintivos dos grupos de sociedade e consórcio. Houvesse fusão de sociedades, o agrupamento desaparecia no mesmo instante para dar formação a uma sociedade única. Da mesma forma, os grupos de sociedade e consórcio não se confundem com as sociedades em conta de participação. Nestas existem sócios ostensivos e ocultos, enquanto que naquelas não existe a figura do sócio oculto.

Os grupos de sociedades e os consórcios não se constituem novas sociedades; elas apenas se agregam num plano horizontal, mantendo cada uma sua peculiar etrutura jurídica, mantendo-se suas personalidades jurídicas intangíveis. Também mantém, estes agrupamentos, patrimônios distintos. Pode-se dizer tranquilamente que a caracterização destes agrupamentos passaria pelo seguinte trinômio: manutenção das personalidades jurídicas das empresas agrupadas, manutenção de seus patrimônios e direção unitária de interesses. A nosso ver, a simples constatação da existência de um grupo de sociedades articuladas sob uma direção unitária já basta para a aplicação das consequências jurídicas, independentemente de convenção ou contrato, para coibir abuso do poder econômico.

3.4 – Problemática concernente à natureza jurídica do grupo de sociedades e consórcios

O objetivo fundamental e de extrema urgência de toda e qualquer legislação sobre a matéria é a proteção de credores, acionistas e terceiros que se relacionem com tais agrupamentos.

O centro de toda esta problemática está no fato de que, as relações jurídicas destes agrupamentos societários para com terceiros, não podem ser examinadas e resolvidas sob o prisma simplista do interesse isolado de cada uma dessas empresas. Elas agem economicamente como um todo, como um grupo, e assim devem ser consideradas. A atuação destes grupos consiste num dos problemas mais agudos da atualidade jurídica mundial. A tônica do novo Direito que surge, disciplinando os grupos econômicos, procura impredir que estes se tornem instrumento de opressão e tirania. Em suma: A manutenção da personalidade jurídica e patrimonial aliada à unidade de gestão sobre uma pluralidade de sociedades formalmente independentes pode trazer ofensas a direitos de acionistas minoritários, terceiros, à economia popular e à coletividade.

Segundo Fábio Konder Comparato, "os grupos de sociedade e consórcio, mesmo não tendo personalidades jurídicas próprias, constituem verdadeiramente uma sociedade, visto que apresentam os três elementos fundamentais de toda a relação societária, a saber: contribuição individual com esforços e recursos, a atividade para lograr fins comuns e a participação em lucros ou prejuízos"; e acentua: ‘’ É necessária a criação de mecanismos jurídicos que abarquem estas sociedades de segundo grau sem personalidade jurídica’’.

Criou-se, assim, uma sociedade de sociedades. Mas ela não gera, apesar disso, uma pessoa jurídica de segundo grau. Esta é, no nosso entendimento, o ponto crucial que o Direito deve enfrentar: Os grupos de consórcio possuem, de fato, personalidade jurídica ou não?

3.5 – Tendências atuais

Caso o agrupamento possua efetivamente personalidade jurídica e, em consequência, capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações, devem os credores do grupo promover ação judicial contra o grupo, ou devem demandar contra o grupo, contra a sociedade de comando e contra as sociedades grupadas, como devedores solidários? Entendemos que, em caso de inadimplemento da obrigação, poderiam ser penhorados bens de qualquer sociedade componente do grupo, como forma de garantia para os credores e, atendendo ao princípio que esta autonomia e confusão patrimonial existem para o benefício de todo o grupo.

Entendendo os clamores da realidade, em face das artificiosas evasivas no cumprimento das obrigações, a tendência atual é a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades que compõe o grupo, bem como a negação de suas autonomias jurídica e patrimonial. Passam elas a ser consideradas não como empresas isoladas e independentes, mas como parte de um grupo, como realmente o são.

Está claro que a autonomia patrimonial destes agrupamentos pode dar margem para a exclusão de responsabilidades ou para a consagração de sutis fraudes. Entretanto, é louvável o disposto no artigo segundo, parágrafo segundo da Consolidação das Leis do Trabalho, que enfrentou esta questão da autonomia declarando simplesmente solidárias entre si as empresas agrupadas pelas obrigações sociais a que cada uma delas unitariamente se obrigara: ‘’Sempre que uma ou mai empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos de relação de emprego, solidariamente responsáveis, a empresa principal e cada uma das subordinadas’’.

O dispositivo supracitado, realmente, demonstra seu avanço e é merecedor de elogios, devendo os legisladores tomarem-no como base para a regulamentação da matéria.

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Sobre o autor
Fabrício Muniz Sabage

acadêmico de Direito das Faculdades de Curitiba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SABAGE, Fabrício Muniz. Grupo de sociedades e consórcios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2518. Acesso em: 19 abr. 2024.

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