Sumário: 1 - Introdução; 2 - A morosidade da Justiça Brasileira; 3 - Automação dos cartórios judiciais; 4 - Descentralização de atribuições do juiz; 5 - Sentença produzida por sistema inteligente; 6 - Resumo; 7 - Bibliografia.
Palavras Chaves:
Informática, Inteligência Artificial (IA), Automação de Cartórios Judiciais, Racionalização do Serviço Forense, Sentença Judicial, Administração da Justiça.1 – INTRODUÇÃO
Há pouco tempo, diga-se de passagem, de forma tardia, o Judiciário brasileiro deu uma amostra de progresso ao implantar sistemas para a execução dos serviços cartorários.
O Judiciário dispõe, na atualidade, de banco de dados onde o cliente pode obter informações, inclusive via Internet, sobre o andamento (fases) de processos, sobre o conteúdo (integral ou ementado) de decisões judiciais, bem como assuntos administrativos de interesse da Justiça. Contudo, esse progresso não acelera por inteiro o serviço relacionado à prestação jurisdicional. Está faltando o principal, um sistema inteligente para os serviços do cartório e do juiz, notadamente no primeiro grau de jurisdição, pois sistema que acessa banco de dados é uma coisa, e sistema inteligente é outra.
Quando falamos de sistema inteligente, nos referimos aqueles que empregam técnicas de inteligência artificial, isto é, sistema que habilita a máquina a fazer coisas que requerem inteligência. A inteligência artificial, por sua vez, utiliza várias técnicas para tornar a máquina inteligente, como por exemplo Raciocínio Baseado em Casos, Agentes Inteligentes, Sistemas Especialistas, etc., para falarmos das técnicas mais conhecidas. Assim, quando aberto o processo judicial, o mesmo passaria a ser gerenciado por um sistema inteligente, com dispensa de certos trabalhos manuais e intelectuais dos serventuários e do juiz.
O Desembargador Hermenegildo Fernandes Gonçalves, ao tempo em que presidia o TJDF, no jornal Forum da Associação dos Magistrados Catarinenses, novembro de 1999, escreveu: "Eu penso que os juízes não devem ficar reclamando que o número de juízes é pequeno, que o número de processos é muito grande. Nós podemos fazer alguma coisa, temos que arregaçar as mangas e tomar as providências".
Também o jurista Humberto Theodoro Júnior, na revista Animus da mesma Associação, dezembro de 1999, declarou: "Não será, portanto, pela falta de institutos processuais modernos que a tutela jurisdicional, entre nós, se mostrará lenta e, muitas vezes, ineficiente. Nossos problemas atuais, quanto aos serviços judiciários, situam-se no setor da organização e administração da burocracia forense, como é notório".
Igualmente o nobre sábio das letras jurídicas, Regis Fernandes de Oliveira (Desembargador aposentado, Vice-Prefeito de São Paulo e Ex-presidente da APAMAGIS, da AMB e FLAM), ao fazer a síntese sobre "O judiciário e o terceiro milênio", asseverou: "... Todos os cartórios devem ser informatizados, permitindo-se a ligação dos computadores aos escritórios dos advogados, que buscarão informações imediatas. Citações e intimações poderão ser feitas por e-mail. Recursos modernos devem ser utilizados e aprimorados" (Tribuna da Magistratura - Órgão oficial da Associação Paulista de Magistrados, novembro e dezembro de 1999, página 6).
Destarte, discutimos alternativas para a informatização do judiciário, onde tecemos críticas e mostramos soluções através de sistemas inteligentes.
O povo reclama e os próprios administradores do Poder Judiciário reconhecem o excessivo número de processos dependentes de julgamento, o que vai se avolumando no decorrer do tempo, sob a alegação da falta de pessoal e material, frente ao aumento das demandas judiciais, em que até se imagina que alguns membros dos demais Poderes não pretendem disponibilizar mais recursos orçamentários por querer o Judiciário enfraquecido, deambulando a passos de tartaruga.
Seja como for, entretanto, estamos cientes de que os cartórios judiciais não aplicam técnicas modernas administrativas para promover o devido apôio logístico à realização da atividade final – prestação jurisdicional/decisões/sentenças. O tipo de trabalho pouco se desenvolveu além das máquinas de escrever. Usam-se microcomputadores, em princípio, simplesmente como máquinas de escrever sofisticadas. Vê-se ainda o processo com a mesma característica apresentada no século findo. Muitos papéis, marcas de carimbos, declarações, certidões e vestígios do manuseio repetido e até desnecessário. Quando ocorre a substituição de direção, o novo magistrado tem o hábito de revisar todo o processado, desde o início, à procura de eventual nulidade ou falta da execução de algum procedimento imprescindível. O processo judicial deve ter movimentação rápida na sua fase postulatória, exatamente porque os prazos são peremptórios, 15 dias para contestar (art. 297 do CPC) e 10 dias para a réplica (art. 327 do CPC). No caso de perícia, o prazo razoável de praxe forense é de 20 dias (art. 433 do CPC). A data da audiência de instrução e julgamento pode ser marcada desde logo, e o tempo para a sua realização em média não ultrapassa a 3 (três) horas. Julgamento no ato ou em gabinete. O leitor pode fazer a conta do provável tempo gasto para o desenvolvimento dessas fases processuais. Por certo não ultrapassa, quando muito, a seis meses. É claro que tudo isso se vincula aos efeitos da quantidade de processos pendentes. Entre tantos casos, temos ciência de uma ação de despejo por falta de pagamento do aluguel de imóvel comercial de pequeno bar, em que o inquilino não purgou a mora, não argüiu qualquer incidente e nem tampouco foi proferido decisão interlocutória capaz de comportar o manuseio de agravo, mas mesmo assim só acabou sendo julgada cinco anos (5) após a data do aforamento, no primeiro grau de jurisdição. Apresentamos este projeto de sistema informatizado como subsídio para promover a celeridade do serviço forense, independentemente da quantidade de juízes e de auxiliares no momento, guardadas, contudo, certas proporções estruturais, certos de que os administradores do Poder Judiciário também estão se preocupando com esses fatores.
O juiz continua proferindo a sentença com as mesmas formalidades praticadas em outros tempos, antes datilografando e agora digitando. No reforço de suas convicções, geralmente apresenta farto e as vezes até exagerado material de doutrina e jurisprudência [a respeito ponderou o Ministro Carlos Velloso, do STF: "... Aliás, o julgamento tem um sentido prático. Quando vejo sentenças extensamente fundamentadas, com citação de doutrina, votos imensos com doutrina e mais doutrina, eu fico com pena do magistrado que assim procedeu. O que se quer dele é a solução do problema em termos práticos..."], e usando para tanto um editor de texto instalado no microcomputador e alguns formulários previamente padronizados a fim de concretizar o ato derradeiro da prestação jurisdicional.
Em certos casos pouco acredita nos seus auxiliares. Prefere fiscalizar todos os atos processuais, o que inevitavelmente provoca a elevação do número estatístico dos processos sob a sua responsabilidade. E com tanto rigor procedimental adotado, ainda ocorrem casos de decretação de nulidade processual, por certo, fruto do natural erro humano, o que se pode evitar com o uso de sistemas informatizados inteligentes, que conseguem prever todas as rotinas de trabalho, a ponto de quando não cumprida uma, o operador ser alertado para que a cumpra (Agentes), sob pena do sistema ficar impedido de prosseguir.
Por isso propomos apresentar algumas idéias para reflexão. Com o uso da informática, talvez seja possível o Judiciário vencer as atuais deficiências relacionadas com pessoal, material e o vertiginoso aumento das ações judiciais.
Este artigo não está direcionado aos bacharéis de informática, e sim aos operadores do Direito. Não pretendemos agradar falsamente as autoridades-alvos (a quem dirigimos em especial este trabalho). Apresentamos idéias que eventualmente, cedo ou mais tarde, haverão de ser melhor examinadas, senão adotadas, pelo menos em parte.
2 – A MOROSIDADE DA JUSTIÇA BRASILEIRA
Escrevemos o presente artigo ao sentirmos que a demora na prestação jurisdicional decorre geralmente:
a) da falta de legislação processual compatível com o assustador aumento (nas últimas décadas) de demandas ou conflitos relacionados com negócios econômicos, fisco, previdência social, meio ambiente, família, infância, juventude, pobreza e criminalidade;
b) da falta de implantação dos sistemas informatizados com tecnologia avançada para a automação dos cartórios judiciais, (não basta simplesmente um cadastro de processos e de decisões, a exemplo de como ocorre num controle informatizado do crediário de loja comercial);
c) da falta de um órgão permanente de planejamento científico nos tribunais brasileiros.
É possível verificar, principalmente na jurisdição de Comarcas de entrâncias inicial e intermediária do juiz ter competência, por exemplo, para julgar ao mesmo tempo, causas em geral e as específicas envolvendo matérias de Direito Tributário e Previdenciário. Mas, sabemos quão difícil tornam-se essas matérias, face as constantes mutações diárias, decorrentes de Medidas Provisórias, de Leis, de Decretos, de Resoluções, Portarias e Regulamentos outros administrativos. A melhor opção administrativa que se mostra eficaz é a implantação de Vara Privativa na sede de determinada região geoeconômica, com competência para o julgamento de ações relacionadas com a previdência social e tributação federais, estaduais e municipais, compreendendo certo número de municípios, respeitada a competência da Justiça Federal de primeiro grau. Alguém poderia se opor a essa possível vantagem, ao argumento de que a larga distância territorial entre a sede da Vara (Unidade Judiciária) e o domicílio do contribuinte ou segurado, importaria em graves inconvenientes para a locomoção de advogados e testemunhas. Quanto ao advogado, sabemos que na atualidade já existe o "protocolo unificado", de forma que o causídico pode encaminhar os seus pleitos através da secretaria de qualquer Comarca, ou quando não, pela entrega direta no correio local, ou ainda pelo moderno uso da Internet (E-mail). Quanto a testemunha, sabemos da desnecessidade de ouvida nesses tipos de causas, cuja prova é exclusivamente documental. Como resultado disso tudo, as causas previdenciárias e tributárias de uma grande região seriam julgadas em reduzido tempo, de um lado porque a distância territorial não mais tem influência negativa no processo de comunicação, mesmo para o cumprimento de carta precatória, e de outro porque a responsabilidade do julgamento estaria a cargo de magistrado realmente especializado na matéria, ainda, por certo, possuidor de adequado instrumental, incluído acervo literário para importante mister.
Certas tarefas cartorárias, muitas das vezes, concorrem para a morosidade do serviço. Quanta perda de tempo, por exemplo, quando o escrivão compõe o rol de intimações dos patronos das partes, para fins de publicação da relação na imprensa oficial! Um sistema informatizado inteligente estaria predisposto, por exemplo, para ao fim de cada decêndio, gerar automaticamente a relação de todos os casos que dependam de intimação das partes, de forma que restaria somente ao serventuário encaminhá-la ao destino. À medida em que é feita a digitação de um ato que dependa de intimação da parte, o sistema automaticamente faz o registro numa caixa de saída, a exemplo do unsent messages do gerenciador de e-mail, para posteriormente no prazo adotado, expedir a relação e imprimir em formulário especial exigido pela imprensa oficial.
Enquanto não houver uma reforma dos serviços técnicos, o Poder Judiciário terá que, forçosamente, aumentar o número de magistrados e de serventuários de maneira contínua, o que por certo irá comprometer o seu orçamento e credibilidade. É que os jurisdicionados não têm como aceitar a existência de um órgão público funcionando com excessivo número de funcionários e reduzida produtividade no tempo.
Para o ponto de partida, indicamos a criação de um órgão permanente de planejamento no Judiciário, em que magistrado especializado em Direito Processual e também versado em informática, fique com dedicação exclusiva (temporariamente dispensado de judicar), em parceria com bacharéis de informática, voltado unicamente à criação, desenvolvimento e manutenção de sistemas para a operação do serviço dos cartórios judiciais e do gabinete do juiz. Esse órgão, além de elaborar sistemas inteligentes, baseados em técnicas de Inteligência Artificial, deveria, de pronto, estudar a transformação do atual processo físico (aquele que é um conjunto de papéis presos entre si por colchete ou barbante e repletos de marcas de carimbos, certidões e declarações que já deveriam ser condenados ao desuso) em processo eletrônico, de modo que todas as peças constituiriam-se de arquivos (textos e cópias de documentos), pois a informática dispõe de recursos como: scanner, e-mail, modem, etc.
3 – AUTOMAÇÃO DOS CARTÓRIOS JUDICIAIS
Para entender como agilizar os processos através de um sistema inteligente, tomemos uma ação de execução por quantia certa contra devedor solvente. No setor de distribuição, os dados da petição inicial seriam cadastrados com obrigatória revisão pelo distribuidor (possivelmente graduado em Direito), para evitar o cometimento de eventuais equívocos e omissões. Em cartório e com base no cadastro já efetuado naquele setor, a petição inicial e os documentos formariam o processo físico (não eletrônico) de execução forçada (art. 646 do CPC). O sistema, desde que acionado no cartório, abriria uma tela, perguntando ao operador qual a modalidade pretendida para a citação (art. 221 do CPC). Caso respondida a opção "por oficial de justiça", automaticamente e com aproveitamento dos dados então existentes no sistema, geraria o respectivo mandado, cuja peça processual apareceria na impressora da sala dos oficiais de justiça, com menção do nome do serventuário. A escolha do oficial de justiça se daria baseada nos mesmos critérios que o escrivão (Especialista) usualmente faz, isto é, analisaria as agendas, quantidade de diligências, está ou não de férias, etc. Devolvido o mandado ao cartório, o sistema, após acionado, perguntaria se havia ou não garantia de juízo formalizada adequadamente segundo as recomendações do sistema. Respondido afirmativamente, este daria a informação de que o processo passaria a aguardar o término do prazo de dez dias (art. 738 do CPC), assim que apontado pelo operador o dies a quo, com base na data da juntada do mandado cumprido aos autos. Em função do recebimento e cadastro dos embargos do devedor (se fosse o caso) no referido setor de distribuição, o sistema automaticamente geraria, quando acionado no computador do cartório, o ato de intimação do patrono da parte credora para fins de impugnação (art. 740 do CPC). Com ou sem impugnação, os autos apensos entre si - execução e embargos -, sob o comando do sistema, iriam, imediatamente, ao gabinete do juiz. Não efetuado o julgamento antecipado da lide, os autos retornariam ao cartório com despacho e, dependendo da determinação do diretor do processo, o sistema, desde que alimentado com dados suficientes, marcaria automaticamente a data para a audiência de instrução e julgamento. Todos os atos preparatórios para a audiência seriam gerados pelo sistema, com base nos dados cadastrais, onde já se encontram o nome e qualificação das pessoas a serem ouvidas. Encerrada a audiência, no mesmo instante ou após, o juiz, em gabinete, julgaria a ação de embargos, utilizando o modelo de sentença previamente previsto para o caso no sistema que sempre aproveitaria os dados então existentes (sem repetir digitação), principalmente para a composição do relatório.
Pelo visto, da entrada dos autos no fórum, muitos dos passos foram informatizados, dispensando certos trabalhos manuais e intelectuais dos serventuários e do juiz. Com efeito, seria mínima a probabilidade da prática de equívocos e omissões no processamento dos atos da prestação jurisdicional e que, por certo, fluiriam com a celeridade própria da informática. Por outro lado, diariamente seria gerado um relatório na impressora com os compromissos agendados (também com aponte de término dos prazos nos processos pendentes ou em movimento), para distribuição aos operadores do cartório, de modo a evitar a paralisação de processo na prateleira por longo tempo, sem nenhuma movimentação. É a máquina comandando o humano durante o seu possível esquecimento, erro ou desleixo funcional.
Como é possível observar no exemplo dado, o juiz só atua no processo de embargos na fase decisiva, porque ele e mais ninguém pode julgá-los.
Pelo uso da tecnologia correta, é possível elaborar sistemas para todo e qualquer procedimento judicial (vide "Procedimento Ordinário", "Procedimento Sumário", procedimentos do "Processo de Execução", procedimentos do "Processo Cautelar", "Procedimentos Especiais", "Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária" e procedimentos especiais previstos na legislação processual extravagante), de forma que os operadores (executores do trabalho forense) não precisem, no exato momento da realização do serviço, se socorrer de códigos, de leis e de normas (resoluções, provimentos, circulares e manuais) processuais para o desenvolvimento das tarefas que compreendem os atos do fluxo procedimental, porque tudo já estaria armazenado no sistema informatizado, idealizado pelos técnicos planejadores das áreas do Direito Processual e da Informática. Pode-se afirmar que os serventuários e os magistrados, em princípio, não têm condições e nem obrigatoriedade de decorar todos os procedimentos judiciais (envolvendo prazos, rotinas, fases, legislação e seus artigos), principalmente em face da complexidade das normas processuais brasileiras. A informática existe exatamente para isto: auxiliar o executor da tarefa, para que esta seja realizada com rapidez, eficiência, menor custo, boa qualidade e ainda substituir o trabalho humano nas tarefas que envolvam determinado grau de "inteligência". Num sistema que utilize Inteligência Artificial, jamais ocorreria o fato do serventuário pensar: "diante desta petição de ação de busca e apreensão de coisa alienada fiduciariamente, qual o prazo que devo fazer constar do mandado citatório? 5, 10 ou 15 dias?" Ora, um sistema inteligente cartorário faria com que fosse gerado automaticamente o mandado citatório, mencionando o prazo legal de 3 (três) dias para a contestação (art. 3° , § 1° , do DL 911/69).