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O direito fundamental ao processo com duração razoável no âmbito Penal

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30/10/2013 às 16:17
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2. CRITÉRIOS PARA AFERIR A RAZOABILIDADE DO TEMPO

2.1 A doutrina do prazo fixo

Em torno da interpretação desse direito do imputado, duas correntes doutrinárias divergem quanto ao modo de determinação do prazo razoável para a duração do processo. Uma delas é a chamada doutrina do prazo fixo, que congrega aqueles que defendem a necessidade de o legislador estabelecer prazos fixos para a duração máxima do processo, rejeitando a tese de que a verificação da duração indevida deve ficar a cargo de juiz diante do caso concreto.

Segundo os adeptos dessa corrente, o fundamento dogmático para a fixação do tempo máximo de duração do processo decorreria da própria  natureza do Estado Democrático de Direito e do co-respectivo princípio da legalidade.

Lopes Jr. (2005, p.113), após destacar que o processo penal consubstancia-se num conjunto de coações estatais, assinala que esta coação estatal deve estar precisamente estabelecida em lei, concluindo por afirmar que: “É a garantia básica da nulla coatio sine lege, princípio basilar de um Estado Democrático de Direito, que incorpora a necessidade de que a coação seja expressamente prevista em lei, previamente e com contornos claramente definidos nisso está compreendido, obviamente, o aspecto temporal.”

Daniel R. Pastor, um dos principais adeptos da corrente do prazo fixo, tece severas criticas à doutrina do não-prazo e apresenta várias justificativas para o caráter legal do prazo razoável.

Na opinião desse autor, a doutrina dominante (doutrina do não-prazo) é altamente questionável do ponto de vista científico e isto se deve a que  a solução proposta não fornece critérios seguros, senão que deixa muito aberta a determinação judicial da questão e tampouco oferece, em matéria de consequências, uma saída aceitável, dado que para o direito processual moderno não é suficiente com que a violação de um direito básico seja apenas compensada (PASTOR, 2005, p.204-205).

Seguindo na sua crítica, assevera Pastor (2005, p.221-222):

 Sugún Carrara, ‘sería burlarse del pueblo el dictar preceptos de procedimiento  dejando  su observância a gusto del  juez (...) Si el legislador dicta um procedimiento que pueda ser violado al arbítrio de los jueces, no hace uma ley, sino que limita a dar un consejo’. Esta frase nos advierte ya de la mayor objección que puede ser formulada contra la interpretación dominante: ni la determinación de la duración razonable del proceso ni la de las consecuencias por su infración puede quedar libradas abiertamente a la voluntad de los tribunales, como lo pretende tal interpretación dominante. Muy por lo contrario, la primera conclusión que se puede extraer dogmaticamente de la  garantia de todo imputado a ser juzgado con celeridade es la necesidad de que los ordenamientos jurídicos secundários (regulamentários de los derechos fundamentales ) establezcan con precisión el prazo máximo de duración del processo penal y las consecuencias jurídicas que resultarán de su incumplimiento.

Para justificar a necessidade de intervenção do legislador para a fixação de prazos máximos de duração de processo, Daniel R. Pastor apresenta cinco argumentos: o argumento do mandato expresso da ordem jurídica internacional, o argumento do princípio nulla coactio sine lege, o argumento do princípio da legalidade material e o argumento da divisão de poderes.

Relativamente ao primeiro argumento, ensina Pastor (2005, p.222) que os tratados internacionais que estabelecem direitos fundamentais devem ser vistos como modelos para a regulação do direito interno dos Estados-Partes,

pues el derecho internacional de los derechos fundamentales ha dejado de lado la prática tradicional de delegar en la voluntad soberana de los Estados el reconhecimento, através del derecho constitucional, de los derechos convenciobales, para estabelecer su respeto obligatorio y restrictivo de los márgenes de decisión de los Estados.

Segundo Pastor, os catálogos de direitos fundamentais somente podem conter princípios cujo desenvolvimento específico (reformulação adequada) está a cargo da legislação, daí porque não se pode esperar que um tratado internacional de direitos humanos (ou a Constituição do Estado) vá mais além do reconhecimento abstrato e geral de um direito determinado e o regule em todos os detalhes (PASTOR, 2005, p. 222).

E em conclusão, disserta Pastor (2005. P. 223):

Por tanto, los inventários de derechos fundamentales, sean internacionales o nacionales, deben ser entendidos, em cuanto a la regulación del prazo razonable, como órdenes para la adecuación de la legislación y la prática con el fin de lograr una efectiva proteción de los derechos em cuestión. En torno a ello no hay discrecionalidad para que el Estado decida la forma de satisfacer esta exigência, ya que si bien ello puede ser adecuado em general, no resulta así cuando se trata, precisamente, de limitar la postestad de los jueces, pues permitirle a ellos, y no al legislador, estabelecer los limites (también temporales) de sus poderes sería tan ingênuo como perdile al lobo, y no al pastor, que cuide los ovejas.

Quanto ao segundo argumento, afirma Pastor (2005, p.225) que o princípio do Estado Constitucional de Direito reclama que toda atividade estatal esteja regulada (autorizada, porém por isso também limitada) por lei. Para ele, o exercício do Poder Estatal, o qual inclui muito especialmente as decisões judiciais, sempre deve ter um fundamento legal que representa simultaneamente o respeito à preeminência do direito e ao princípio democrático. E acrescenta:

La regla de derecho, como instrumento limitador del poder del Estado, es ante tudo un imperativo para lograr el mayor compo de libertad para las personas (seguridad), en tanto que les garantiza que sólo deberán omitir (o ejecutar) aquellas acciones que están prohibidas (o mandadas). La otra cara de la medalla de este princípio es la prohibidas para el Estado de realizar aquellas atividades que no le están expresamente autorizadas. En este sentido, una de esas actividaddes, sin duda la de mayor peligro para los derechos individuales, es el ejercicio del Poder Panal que monopólicamente ostenta el Estado, el cual no puede ser llevado a cabo sin previa autorización legal e dentro de los limites de esa autorización (PASTOR, 2005, p.226).

Assim, partindo da ideia de que no regime processual penal de um Estado de Direito a lei é a única fonte de suas normas, conclui Pastor (2005, p. 228) que “el plazo razonable debe ser fijado por la ley y no por los tribunales , ya que para el orden jurídica-político de un Estado Constitucional de Derecho resulta inaceptable el derecho judicial e incluso penalmente desaprobado en el caso de decisones contra legem (delito de prevaricación)”.

No que se refere ao terceiro argumento, acentua Pastor (2005, p.228) que a coação punitiva estatal, enquanto que intervenção e menoscabo de direitos e liberdades fundamentais reconhecidos pela ordem jurídica, se exerce, principalmente, através da pena, porém também o processo penal é, por definição, coação estatal. Para ele, esta coação, que existe somente por mandato legal, não se restringe à prisão preventiva ou a outros atos de idêntica energia de afetação de direitos, mas, pelo contrário, ela está presente em todos os atos do procedimento, com o que toda lei processual penal deve ficar submetida à vigência do princípio nulla coactio e suas repercussões jurídicas (PASTOR, 2005, p.228-229).

Em forma de conclusão, e após advogar a necessidade de que os limites do Poder Penal do Estado estejam perfeitamente demarcados na lei, afirma Pastor (2005, p. 231) que “Es por ello que la vigência efectiva del princípio constitucional del nulla coactio  sine lege requiere que la duración máxima posible de la intervención del Estado en los derechos individuales através del proceso penal (el plazo razonable) esté regulada por la ley previamente y con toda precisón”.

O quarto argumento de Pastor diz respeito ao princípio da legalidade material e parte do princípio de que o processo penal, nos dias de hoje, constitui, não somente sob o ponto de vista jurídico, senão também psicológico, sociológico e até ontológico, uma espécie de pena e, como tal, deve estar predeterminada com precisão na lei.

Nesse sentido, aduz Pastor (2005, p. 231):

Las reflexões integrales más modernas que se han ocupado del funcionamento del sistema penal y de precisar sus fundamentos axiológicos han demonstrado con lucidez que la persecución penal estatal representa ya, con prisión provisional o sin ella, una ‘pena’ por la sospecha: la ‘pena de processo’. En efecto, sobre todo en los procesos prolongados la persecución implica, desde el comienzo, el sometimiento del imputado a condiciones de ‘semi-penalización’ que se manifestan em ciertos padecimientos que encuadran el llamado caráter idético a la pena que se atribuye ya al processo: angustia, gastos, estigmatización, perdida de tiempo y de trabajo, humillación, descrédito etc. La falta de una determinación aproxidamente precisa de la duración del proceso coloca al enjuiciado en la llamada ‘situación de doble incertidumbre: no sabe cómo terminará su proceso y tampouco sabe cuándo.          

Portanto, na visão Pastor, a duração do processo, enquanto “pena”, deve ser determinada pela lei como qualquer outra pena (princípio nulla poena sine lege).

O quinto e ultimo argumento de Pastor, refere-se ao princípio da divisão de poderes e parte do pressuposto de que, em matéria de prazo razoável, a delegação aos juízes da determinação de sua extensão e consequência, viola frontalmente esse princípio. Aqui, segundo Pastor (2005, p. 233), está em jogo o princípio democrático mesmo, “perjudicado irremediablemente en tanto se permita que una decisión transcendente sobre la afectación de los derechos más importantes de los indivíduos, cual es el limite temporal de la persecución penal, sea tomada por autoridades estatales que no representan tan intensamente como el Parlamento al conjunto de los ciudadanos”.

Assim, na opinião de Pastor (2005, p.233), somente o Parlamento teria legitimidade democrática para impor limites aos direitos básicos do indivíduo, pois neste foro se assegura que essas limitações serão discutidas e decididas através de um processo mais transparente que a deliberação judicial, com a participação da oposição e também com amplas possibilidades de intervenção dos afetados.

Por isso, conclui Pastor (2005, p. 233-234),

se deve afirmar que también el principio de la división de poderes, cuya aparición histórica con el triunfo de la ilustración tuvo una importancia decisiva en la  configuración del proceso penal actual, impone que la regulamentación del prazo rezonalble sea llevada a cabo por vía legislativa para que de ese modo rija eficazmente una verdadera reserva de la ley, de modo tal ‘que la intervención del Estado en la esfera de liberdad del imputado sólo pueda ser llevada a cabo de acuerdo a la decisión de las leyes, las que deben estabelecer los presupuestos, contenidos y limites de aquélla del modo más preciso posible, para que, de esa forma, las medidas estatales sean previsibles para los ciudadanos.

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2.2. A doutrina do não-prazo.  

A doutrina do não-prazo , como é intuitivo, perfilha o entendimento de que não é necessária a fixação de prazos rígidos pelo legislador, afirmando que a razoabilidade da duração do processo deve ser aferida diante do caso concreto, tendo em conta critérios objetivos. É a doutrina dominante, sendo abraçada tanto pelos organismos do direito internacional dos Direitos Humanos (Tribunal Europeu de Direitos Humanos e Corte Americana Interamericana de Direitos Humanos) quanto pelas principais cortes constitucionais europeias.

Elucidando os pontos fundamentais dessa corrente, disserta Pastor (2005, p. 216, grifo do autor):

Dicha posición interpreta, ante tudo, que el plazo razonable no es um plazo (“douctrina del no plazo”) en el sentido procesal penal, es decir, no considera a dicha expresión como condición de tiempo, prevista em abstracto por la ley, dentro de la cual – y sólo dentro de la cual – debe ser realizado un acto procesal o un conjunto de ellos, sino como una indicación para que, una vez concluído el proceso, los jueces evalúen la duración que tuvo el caso para estimar, según una serie de critérios, si esa duración fue o no razonable y, en caso de que no lo haya sido, compensaria de alguna manera. Según la opinión dominante el plazo razonable no se mide en días, semanas, meses o años, sino que se trata de un concepto jurídico indeterminado que debe ser evaluado por los jueces caso a caso – para saber si la duración fue razonable o no lo fue, teniendo en cuenta la duración efectiva del proceso, la complejidad del asunto y la prueba, la gravidad del hecto imputado, la actitud del inculpado, la conducta de las autoridades encargadas de realizar el procedimento y otras circunstacias relevantes.

Partindo das ideias acimas expostas, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, via de regra, ao analisar um caso de alegada violação à duração razoável do processo o faz através de três passos: 1º Analisa a efetiva duração do processo fixando o período a ser considerado; 2º Considera os critérios objetivos para a aferição da razoabilidade do prazo; 3º Pronuncia-se sobre a violação do direito e sobre o pedido formulado (NICOLITT, 2006, p. 76).

No primeiro passo, procura-se aquilatar a efetiva duração do processo, partindo da fixação dos termos final e inicial da duração do processo. Se, à primeira vista, salta aos olhos uma certa demora na prestação jurisdicional, passa-se ao segundo passo, em que se avalia se este tempo aprioristicamente longo é razoável ou não, tomando por base os critérios objetivos ( NICOLITT, 2006, p.76).

A doutrina costuma classificar esses critérios em preceptivos e facultativos. Os primeiros, que sempre serão considerados nas decisões, são pacificamente indicados como: a complexidade da causa; o comportamento das partes e a atuação das autoridades judiciais. No que se refere aos facultativos, são indicados: a importância do litígio para os recorrentes e o contexto no qual se desenvolveu o processo (NICOLITT, 2006, p. 76-77).

É importante ressaltar que tais critérios devem ser visto e ponderados de forma conjunta, valorando-se relativamente a importância de cada um deles, sem prejuízo de se perceber em tal ponderação a identificação de um só que influenciaria de forma definitiva na análise (NICOLITT, 2006, p.77).

Na aferição da complexidade da causa, o juiz deve avaliar três dimensões dela: a complexidade dos fatos (complexidade fática); a complexidade do direito (complexidade jurídica) e a complexidade do processo (complexidade instrumental) (NICOLITT, 2006, p.78).

Relativamente à conduta dos litigantes, vale registrar que, se por um lado o Tribunal Europeu de Direitos Humanos tem considerado esse aspecto para aferir a razoabilidade do tempo, por outro, tem buscado com muito afinco demonstrar que a referida consideração não pode afetar o direito de defesa das partes, consignando, inclusive, que o acusado não tem a obrigação de cooperar ativamente para acelerar o processo (NICOLITT, 2006, p.80).

A atuação das autoridades judiciais tem sido o fator preponderante para se concluir pela existência ou não de violação do direito à duração razoável do processo por parte do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. A responsabilidade do Estado tem sido fixada exatamente a partir deste ponto, sendo a referida corte impiedosa quando identifica nexo causal entre dilação e a atuação da autoridade (NICOLITT, 2006, p.84).

Os retardos imputados ao Estado podem ser classificados em dilações organizativas e dilações funcionais. As primeiras decorrem de fatores estruturais, da sobrecarga de trabalho ou mesmo conjunturais. As segundas estão relacionadas à deficiente condução do processo por parte dos Juízes e Tribunais (NICOLITT, 2006, p.84).

Contudo, deve-se advertir que, independentemente da natureza da dilação (organizativa ou funcional), uma vez verificada a falta na atuação da autoridade judiciária, impõe-se reconhecer a violação a esse direito básico do imputado.

Cabe mencionar, ainda, que, ao lado dos critérios preceptivos, os tribunais europeus, por vezes, na análise dos casos concretos, lançam mão dos chamados critérios facultativos, sobressaindo-se, entre estes a importância do litígio para o demandados e o contexto no qual se desenvolveu o processo (NICOLITT, 2006, p.85).

É importante acentuar ainda que o reconhecimento desses critérios traz como consequência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como a simples inobservância de prazos processuais préfixados, conforme já ressaltado neste trabalho.

Após essas considerações a respeito das doutrinas que se dedicam à interpretação do direito de ser julgado em prazo razoável, cabe-nos agora explanar o entendimento que perfilhamos no presente trabalho.

Em que pese o fato de abalizadas vozes sustentarem a fixação de prazo para a duração razoável do processo e os argumentos levantados serem de grande valor, entendemos a duração razoável do processo melhor se aquilata diante do caso concreto, momento em que o direito deixa seu estado de abstração e passa a conviver com a realidade viva.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o próprio termo “razoável” está ligado à aferição de situações concretas, dado que a razoabilidade é princípio de características hermenêuticas e historicamente refere-se ao controle jurisdicional das atividades do Estado (NICOLITT, 2006, p.25).

 Assim, o exame da razoabilidade dá-se diante do caso concreto e não em abstrato, tendo em conta as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos na decisão.

A doutrina do prazo fixo vale-se basicamente dos seguintes argumentos para sustentar a necessidade de que a duração razoável do processo seja estabelecida em lei: 1) é uma exigência do Estado Democrático de Direito; 2) a não fixação deixa uma margem grande de arbitrariedade ao Juiz; 3) a fixação de prazo é consequência do principio da legalidade.

Far-se-á aqui algumas considerações a respeito desses argumentos, com a finalidade de demonstrar que eles não têm a consistência que seus defensores querem lhes atribuir.

No que se refere ao primeiro argumento, convém observar que mesmo no Estado Democrático de Direito certas decisões ligadas aos direitos fundamentais são entregues ao Juiz e não ao legislador. E isto é assim porque, enquanto o Legislador tem legitimidade por eleição direta e rege-se por critérios de maioria, o Juiz encontra a sua fonte de legitimação na própria Constituição Democrática, a qual lhe confere o dever de tutelar e proteger a minoria, legitimando-se assim pelo saber que deve expressar na motivação (NICOLITT, 2006, p.26). Aliás, é bom que se diga, a história de afirmação do Poder Judiciário se confunde com a própria história do constitucionalismo e, consequentemente, com a efetividade dos direitos fundamentais.

Ferrajoli (2002, p. 437), apontando o nexo entre verdade e validade como o primeiro fundamento teórico da divisão de Poderes e da independência do Poder Judiciário no moderno Estado representativo de direito, adverte que o princípio da autoridade, mesmo se a autoridade   for “democrática” e exprimir a maioria ou até mesmo a unanimidade dos cidadãos, não pode jamais ser um critério de verdade.

Acrescenta ainda Ferrajoli (2002, p.137-438, grifo do autor):

Mas há uma segunda razão – não menos importante e mais diretamente ligada à teoria política do Estado de direito – que está na base da divisão dos poderes e da natureza estritamente legal da legitimação da jurisdição. Ela consiste no fato de que o exercício do Poder Judiciário, seja nas suas funções judicante ou de postulação1, incide sobre as liberdades do cidadão enquanto indivíduo. E para o indivíduo singular o fato de que tal poder seja exercitado pela maioria não representa por si só nenhuma garantia: “quando sinto a mão do poder que me aperta o pescoço”, escreveu Tocqueville, “pouco me importa saber quem me oprime; e não estou muito disposto a baixar a cabeça em submissão só pelo fato de que tal poder me oprime por milhões de braços”.

Nesse sentido, razão assiste a Nicolitt (2006, p.27-28) quando indaga:

Porque o legislador estaria mais habilitado que o Juiz para decidir sobre a duração razoável do processo? Que nossa cultura é autoritária e os juízes enquanto participantes de uma sociedade também o são e por vezes se afastam  de sua missão de guardiões das garantias fundamentais atuando como violadores destas ninguém tem dúvida. Todavia, o legislativo não será tão ou mais autoritário como não raras vezes o Judiciário o é? Constitucionalmente não é o juiz que tem a função de guardião dos direitos fundamentais (embora ocorra por vezes se olvida disto)?

Ainda sobre esse ponto, diz Nicolitt (2006, p. 28): “O argumento do Estado de Direito acaba por remeter à seguinte questão: quem está melhor habilitado para definir a razoabilidade da duração do processo? Ou ainda, quem é mais confiável para decidir sobre isto, o legislador ou o Juiz?” Acrescenta ainda que a tônica da legislação de emergência no Brasil tem sido a preocupação com a celeridade em detrimento das garantias do acusado.

Assim, não é o fato de se atribuir ao legislador a tarefa de fixar prazo para a duração razoável do processo que vai proteger o indivíduo contra arbitrariedades, pois o Parlamento, por expressar a força da maioria, não raras vezes também as comete.

Quanto ao argumento da submissão ao princípio da legalidade, verifica-se que o legislador, diante da impossibilidade de regular todas as situações emergentes – sobretudo nas sociedades atuais que são dominadas pela complexidade – por vezes deixa margem para decisões, seja pelo administrador, sela pelo juiz, na análise do caso concreto. Isto é perfeitamente compatível com o princípio da legalidade, tanto que o legislador, embora tenha tipificado condutas e estabelecido penas, deixou ao judiciário a sua fixação no caso concreto, bem assim a definição do regime de cumprimento (NICOLITT, 2006, p.28).

Como ressalta Nicolitt (2006, p.29), o próprio princípio da legalidade, à margem da razoabilidade, pode gerar algumas perplexidades quando se pensa, por exemplo, na fixação de limite mínimo de pena que é de duvidosa constitucionalidade por incompatibilidade com a individualização da pena. E, no Brasil, não são raros esses exemplos.

Plácido Fernandez-Viagas Bartolome, citado por André Luiz Nicolitt (2006, p. 31), referindo à fixação de prazo pelo legislador, assevera:

Sin embargo, sería absurdo estabelecer plazos fijos según los tipos de procedimiento, la solución aparentemente más obvia. Un plazo concreto podría resultar antitético con la finalidad misma de resolver en justicia con la prudencia y reflexión necesarias que requiere todo estudio.

É evidente, portanto, que certas situações, como é o caso da duração do processo, devem ser aferidas pelo Juiz diante do caso concreto, por absoluta impossibilidade de o legislador fazê-lo com êxito.

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Sobre o autor
Jose Domingos Rodrigues Lopes

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Procurador Federal (PGF/AGU) atuante no STJ e STF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Jose Domingos Rodrigues. O direito fundamental ao processo com duração razoável no âmbito Penal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3773, 30 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25633. Acesso em: 27 dez. 2024.

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