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O Direito Internacional Humanitário: a procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária

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21/11/2013 às 06:12
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3.Pessoas protegidas em caso de conflito armado ou outros desastres[20]

O papel do Direito Humanitário deve ser inserido no contexto da reconstrução de sociedades que foram destruídas, seja por um conflito armado ou por algum desastre natural. Sendo que, deve-se levar em consideração que o Humanitarismo foi inicialmente concebido dentro da “teoria da guerra”. Sobretudo após a Guerra Fria, passou a ser inserida em projetos de reconstrução, adentrando nas agendas políticas dos governos.

O conceito mais amplo e atualizado, empregado por diversos autores, é o que concebe esse direito como um conjunto de normas internacionais, convencionais ou consuetudinárias, vale dizer, fruto de um hábito não normalizado, que regulam o comportamento dos beligerantes, partes em um embate armado, quer seja uma disputa internacional ou interna, com o propósito de salvaguardar os direitos das pessoas que não participaram das hostilidades e mitigar, na medida do possível, seus sofrimentos, restringindo os meios e métodos de guerra. Dir-se-á que se trata de um conjunto de normas centradas na proteção e dignidade do ser humano, frente a uma luta armada. Normas estas inspiradas em um sentimento humano de rechaço a atos brutos e cruéis e de solidariedade a pessoas que sofram com os conflitos armados.[21]

Assim, as razões pelas quais as Organizações não governamentais e as Organizações locais ganharam espaço depois da resolução 43/431 da Assembleia Geral foi pela possibilidade de dar mais rapidez e eficácia ao atendimento às vítimas.

Limitando, porém, às limitações de conflito armado (internacional e não internacional), pois que nascido de um campo de batalha – a Batalha de Solferino –, o Direito Internacional Humanitário não oferece respostas suficientes àquelas situações que não chegam a ser qualificadas como conflitos armados – nomeadamente os distúrbios internos e situações de violência generalizada. A mudança da natureza dos conflitos armados desde o fim da Guerra Fria, as guerras da descolonização, os novos conflitos étnico-culturais, e até mesmo o avanço tecnológico dos armamentos de guerra, desafiam o conceito clássico de Direito Internacional Humanitário, construído na ideia da guerra tradicional.[22]

De acordo com o código de conduta de socorro em caso de desastres para o Movimento do Crescente Vermelho e as Organizações não governamentais, as Organizações não governamentais são: “todas as organizações, tanto nacionais quanto internacionais, construídas separadamente do governo do país que tenham sido fundadas.”

Já as Organizações não governamentais Humanitárias podem ser conceituadas como sendo “as de caráter humanitário e seus componentes do movimento internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho que são: o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e as Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.”

E os desastres são: “acontecimentos externos que provocam mortes humanas, além de grande sofrimento, angústia e grande prejuízo material.”

Com relação ao controle feito pelas Organizações não governamentais Humanitárias, o Comitê Humanitário Internacional que deve fazer este controle.

Entretanto, deve-se deixar claro que a finalidade dessa ação empreendedora é estritamente humanitária e deve respeitar os princípios do Direito Internacional Humanitário[23]. Tais princípios são: neutralidade, distinção, responsabilidade, igualdade entre os beligerantes ou da não discriminação e inalienabilidade.[24]


4.O caso apresentado como exemplo da importância da assistência humanitária

A Federação Internacional das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho[25] foram fundadas em 1919 por iniciativa de Henry Davison (presidente do Comitê de Guerra da Cruz Vermelha Americana). Trata-se de uma Organização não governamental Internacional[26] cuja missão genérica é de facilitar e fazer progredir a ação humanitária das Sociedades Nacionais, nomeadamente em favor das populações mais vulneráveis.

A implementação do Direito Internacional Humanitário é um objetivo essencial do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e as Sociedades Nacionais encontram-se particularmente bem situadas para promover esta questão no interior dos seus próprios países. Os Estatutos do Movimento reconhecem o papel que elas desempenham, cooperando com os respectivos governos no sentido de garantir o cumprimento do Direito Internacional Humanitário e de proteger os emblemas da cruz vermelha e do crescente vermelho. Os contactos das Sociedades Nacionais com as autoridades nacionais e com outras entidades interessadas e ainda, em muitos casos, a sua própria competência em Direito nacional e internacional, proporcionam-lhes um papel chave a desempenhar nesta área. Dispõem igualmente da possibilidade de utilizar, ou fornecer, conselhos e apoio no seio do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Encoraja-se as Sociedades Nacionais a utilizarem estes recursos o mais largamente possível para promover a implementação do Direito Humanitário a nível nacional.[27]

Através de um acordo celebrado a 20 de Outubro de 1989 entre o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e a Federação, as competências de ambas as instituições foram definidas da seguinte forma: a Federação coordena as ações internacionais de socorro às vítimas de catástrofes naturais aos refugiados e às pessoas deslocadas fora das zonas de conflitos. Por seu lado o Comitê assegura a direção geral da ação internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho dentro das zonas de conflito.[28]

Apesar disso, dada a sua crescente intervenção nos palcos internacionais (facto que, de resto, se vem exaltando através de um, quiçá, exagerado luzimento mediático...) – o que propicia um cada vez mais estreito relacionamento com os restantes sujeitos de Direito Internacional –, não mais se pode contestar serem, actualmente as ONG titulares de uma gama de capacidades jurídicas, direitos e obrigações que, não cabe dúvida, comprovam a existência de uma personalidade jurídica internacional, posto que derivada, limitada e funcional.[29]

Como exemplo desta ajuda humanitária das Organizações não governamentais Internacionais do Comitê Internacional da Cruz Vermelha o terremoto que ocorreu em 12 de janeiro de 2010 no Haiti que matou centenas de milhares de pessoas e deixou 1,5 milhões de pessoas desabrigadas. Deve-se ressaltar que a delegação regional do Haiti cobre o Haiti e a República Dominicana e dedica seus esforços para ajudar as pessoas, vítimas deste desastre.


Parte III: A procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária

A assistência humanitária foi sendo inscrita em Convenções Internacionais ao longo dos anos com o intuito de garantir direitos mínimos à vida e à integridade física do ser humano.[30] Entretanto, como na realidade os Estados não aceitaram a sua internacionalização, o que não deu ensejo à sua eficácia plena, o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral tiveram que implementar a assistência humanitária através de resoluções.

Longe da “pureza apolítica” originária, as actividades de assistência humanitária são gradualmente impregnadas pelo político (as próprias resoluções do Conselho de Segurança da ONU neste sentido são inegáveis decisões políticas, às quais o Direito Internacional Público empresta-lhes legitimidade jurídica; o “novo” humanitarismo com vertente amada (intervenção militares humanitárias); o apoio financeiro público às organizações humanitárias não-governamentais; o budget de origem governamental do ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). Nesta esteira de pensamento, com um humanitarismo “ingênuo” (fincado nos princípios da neutralidade, imparcialidade e humanidade), como fazer face aos novos problemas de nossos tempos, nomeadamente aos “senhores da guerra”, que não pensam duas vezes ao cometer atrocidades e violações maciças e sistemáticas de direitos humanos sem um programa político sólido, eficaz, e juridicamente legítimo para a assistência humanitária? [31]

Neste mesmo sentido, entende-se que a segurança humana atualmente não passa tão somente pela boa vontade em ajudar, mas sim, em um humanitarismo inserido em um projeto de construção de sociedades estáveis e de desenvolvimento sustentável.


5. Repensar o humanitarismo

O sentimento de compaixão ao sofrimento humano é um sentimento universal que é encontrado em todas as civilizações. Inicialmente contornado apenas por esse “sentimento primitivo” do homem comum, mais tarde ganhou racionalidade e maturidade e passou, assim, para o campo jurídico, ganhando autonomia.

  A expressão “humanidade”encerra diversos conteúdos. Por um lado, o sentimento geral empresta-lhe um carácter de filantropia, de caridade, de racionalismo, de rejeição ao sofrimento gratuito e de altruísmo. Por outro lado, alude a um acervo de regras que traduzem uma determinada ordem moral. Por outro lado ainda, a expressão tendo a ser reconhecida como “fonte” do Direito Internacional, com base na interpretação da Declaração de São Petesburgo de 1868.[32]

Tal sentimento deve ser inserido no contexto de reconstrução de sociedades estáveis e de desenvolvimento sustentável.

A questão da segurança humana no mundo actual não passa apenas pelo humanitarismo emergencial e pela mera “boa vontade”. Não se trata apenas de “fazer algo”. Para muito além disso, requer um humanitarismo inserido num projecto de construção de sociedades estáveis e de desenvolvimento sustentável.[33]

Esta resposta deve ser inserida em projetos devidamente pensados e estruturados de desenvolvimento para a paz, ou seja, deve ser seguida de medidas políticas e legislativas eficazes.


6. Considerações finais

Concluindo, o sonho de Dunant era a criação de um tratado internacional vinculativo de caráter universal que tivesse força de lei às suas propostas para garantir a proteção dos feridos de guerra.

Entretanto, nos conflitos armados atuais, o desafio de defender os valores humanitários não se deve à falta de normas, mas sim a falta de respeito às mesmas.

Existe atualmente uma grande quantidade de desafios para o Direito Internacional Humanitário que precisam ser resolvidos pela comunidade internacional em áreas como terrorismo, detenções, conduta de hostilidades, ocupação e sanções.

Apesar do lapso temporal, Ciro que foi rei da Pérsia entre 559 e 530 a. C., e Dunant, no século XIX tinham o mesmo sonho haja vista que Ciro, no século VI a. C. havia colocado na entrada da cidade da Babilônia um cilindro (conhecido por cilindro de Ciro) que diz:

Eu sou Ciro, Rei da Babilônia, Rei da Suméria, Rei da Acádia, Rei de quatro países (…). O meu grandioso exército entrou pacificamente em Babilônia e não deixei que nenhum mal chegasse à terra da Babilônia e ao seu povo. Os modos respeitosos dos babilônios ensinaram-me (…) e eu ordenei que todos devem ser livres de adorar o seu deus sem prejuízo algum. Ordenei que nenhum lar fosse destruído e que nenhuma propriedade fosse tomada.[34]

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Posto isto, considero que o sonho da paz é inerente ao ser humano, antigo e necessita de pessoas de boa vontade e de planejamento para ser concretizado.


7. Referências

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________________________________As Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a implementação do direito internacional humanitário - Diretivas de atuação. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012

_____________________________________O CICV no Haiti. Disponível em: http://www.icrc.org/por/where-we-work/americas/haiti/overview-haiti.htm. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

5 Código de Conduta Relativo ao Auxílio em Casos de Desastre para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e das Organizações Não-Governamentais (NGOs) Disponível em: http://www.ifrc.org/Global/Publications/disasters/code-of-conduct/code-portuguese.pdf. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

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Sobre a autora
Catarina Woyames

Mestranda em Direito Internacional Público e Europeu da Faculdade de Direito de Coimbra.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WOYAMES, Catarina. O Direito Internacional Humanitário: a procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3795, 21 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25894. Acesso em: 2 mai. 2024.

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