7. EFEITOS QUANTO À EXTENSÃO DA DECLARAÇÃO NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Por fim, no que se refere especificamente ao controle abstrato, analisamos ainda a decisão no que tange à extensão da declaração de inconstitucionalidade do objeto impugnado. Sabemos que no controle concreto a decisão refere-se ao direito subjetivo invocado, logo, o dispositivo vai ater-se a julgar procedente ou improcedente o pedido para a entrega do bem da vida, tal como pedido pelo autor. No entanto, no que se refere ao controle abstrato, o pedido, como se sabe, é a declaração em abstrato da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei, sem envolver direito subjetivo. O dispositivo da decisão em controle abstrato volta-se para a própria lei em abstrato. Nesse plano, o STF, ao julgar uma ação em controle abstrato, pode ao final declarar a lei inconstitucional apenas em parte, ou no seu conjunto, ou ainda tão somente utilizar-se de métodos interpretativos. Enfim, é possível que uma mesma ação em controle abstrato possa ter diferentes meios de solução, conforme a técnica utilizada pelo Supremo no âmbito do controle de constitucionalidade. A isso chamamos de efeitos da decisão quanto à extensão da declaração do Supremo. De acordo com a técnica utilizada no dispositivo da decisão, poderemos ter diferentes efeitos quanto à extensão da declaração do Supremo. E, obviamente, esses diferentes métodos são utilizados quando o STF reconhece a incompatibilidade do objeto impugnado com a Constituição, porque quando se reconhece a compatibilidade, não há o que se alterar, o texto normativo é constitucional.
Existem basicamente três técnicas principais que o Supremo vem utilizando quando declara uma lei inconstitucional ou incompatível com a Constituição em sede de controle abstrato: (a) Declaração de Inconstitucionalidade com redução de texto, total ou parcial; (b) Declaração de Inconstitucionalidade sem redução de texto (Interpretação Conforme à Constituição); (c) Declaração de Inconstitucionalidade por Arrastamento ou Atração (Inconstitucionalidade Consequente). No que se refere à primeira delas, isto é, a declaração com redução de texto (total e parcial), o STF vai atuar como se fosse uma espécie de legislador negativo, expressão consagrada por Hans Kelsen, para o qual, quando o tribunal retira uma norma do ordenamento, esse ato tem a mesma generalidade e abstração daquele ato do poder legislativo que revoga uma lei. É como se, nesse caso, o Judiciário atuasse como um Legislador, só que negativamente. Daí falar-se em legislador negativo, como se estivesse revogando a lei que declara inconstitucional. Contudo, embora no direito brasileiro se fale no judiciário com uma atuação de legislador negativo nessa hipótese, já se sabe que, a rigor, não há revogação na declaração de inconstitucionalidade, porque não temos um ato constitutivo, operando efeitos apenas dali em diante (ex nunc), tratando-se, de fato, de um ato declaratório, desconstituindo os efeitos retroativamente (ex tunc). De toda sorte, fala-se em legislador negativo quando o Judiciário extirpa uma lei do ordenamento jurídico, com redução de texto, parcial ou total.
No que se refere à decaraçao de nulidade sem redução de texto, temos uma decisão que, apesar de ser reconhecida uma inconstitucionalidade, não é feita qualquer alteração no texto da norma. Nessa hipótese, há um texto com mais de um possível significado. Um deles compatível com a Constituição, o outro incompatível. Se a norma for interpretada da maneira que lhe confira o seu primeiro significado, ela será constitucional, contudo, se for interpretada a partir do seu segundo significado, o mesmo texto será agora inconstitucional. O texto em si não é inconstitucional, o que é inconstitucional é determinada interpretação que é dada ao texto. Ou seja, é a interpretação que é inconstitucional, e não o texto da lei. De fato, a norma é o produto da interpretação. Uma coisa é lei (texto), outra coisa é norma (interpretação da lei). Assim, podemos ter uma lei que, embora seja textualmente constitucional, dela se extraia uma norma inconstitucional, porque se trata de texto polissêmico ou plurissignificativo, que admite mais de uma interpretação possível, sendo uma delas inconstitucional. De toda sorte, ainda que existam interpretações inconstitucionais extraídas de um texto de lei, se esse texto comportar uma interpretação compatível com a Constituição, deverá ser mantido. Esta, então, é a tendência atual: somente na última hipótese o judiciário deve retirar a lei do ordenamento jurídico. Nesse caso, quando o texto de lei plurissignificativa tiver pelo menos uma interpretação que seja compatível com a Constituição, o STF poderá declarar a inconstitucionalidade sem reduçao de texto. Observe-se que o STF, nesse caso, não está alterando propriamente a lei, apenas excluindo uma interpretação incompatível com a Constituição que dela podia ser extraída.
Na verdade, a partir do constitucionalismo contemporâneo houve uma ampliação do métodos hermeneuticos constitucionais. A interpretação constitucional moderna surgiu como resposta a várias décadas de descaso com o texto constitucional. Nos últimos anos houve uma ascensão científica e política da Constituição, materializada na elaboração de uma densa teoria constitucional e uma jurisprudência voltada para a efetivação das suas normas. A moderna interpretação constitucional é fundamentada na utilização de princípios balizadores para solucionar as antinomias do texto da Carta Magna, como os princípios da força normativa, o princípio da unidade constitucional, da razoabilidade e proporcionalidade, e sobretudo o princípio da presunção de constitucionalidade, o qual determina que, na dúvida, deve o intérprete considerar o ato impugnado como válido, ou seja, compatível com o texto constitucional, devendo-se, sempre que possível, contornar a inconstitucionalidade das normas. Relembre-se que o controle de constitucionalidade pressupõe crise entre os Poderes. Assim, a expurgação de texto via declaração de inconstitucionalidade deve ser medida excepcional se houver outra solução possível, utilizada somente quando não for possível outras formas de controle.
Foi a partir daí que que surgiu a técnica da Interpretação Conforme a Constituição, que se inclina em buscar, dentre as várias interpretações possíveis, aquela que possibilita a manutenção da norma dentro dos limites constitucionais, sendo utilizada quando há mais de uma possibilidade de interpretação da lei, alguma delas contrárias à Constituição. Nesse caso, a interpretação conforme determina não expurgar do ordenamento lei que, embora em determinado sentido seja declarada inconstitucional, comporte uma interpretação em harmonia com a Constituição. Quando isso ocorre, a Corte apenas retira do seu sentido aquela interpretação contrária à Constituição. Assim, no caso de normas plurissignificativas deve-se dar preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição. Se dentre os vários significados que da norma puderem ser extraídos, um deles for inconstitucional, será passível a utilização da interpretação conforme a Constituição. No âmbito do STF, a técnica da interpretação conforme à Constituição é utilizada como uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Na jurisprudência do STF, costuma-se tratar como equivalente a essa declaração de nulidade sem redução de texto, um princípio de interpretação, que é o chamado Princípio da Interpretação Conforme a Constituição.
Por fim, no que se refere à extensão da declaração, temos a inconstitucionalidade por arrastamento ou atração, ou ainda, a chamada inconstitucionalidade consequente. Já se sabe que, pelo princípio da congruência, o Estado-juiz fica adstrito ao pedido. Isso também ocorre, obviamente, no controle abstrato. O Supremo só vai julgar aqueles dispositivos que foram impugnados. Não se poderia imaginar por exemplo, que alguém impugnasse um determinado artigo de lei e o Supremo, por liberalidade própria, declarasse a inconstitucionalidade de outro dispositivo qualquer. O princípio na inércia e o princípio da adstrição ao pedido teriam sido desrespeitados. Contudo, é possível que exista uma relação de interpendência entre dois dispositivos, ou entre dois diplomas normativos (lei e ato infralegal, por exemplo), nesse caso, poderá haver uma declaração de inconstitucionalidade por arrastamento. O Supremo tem flexibilidade para verificar se a inconstitucionalidade decorre de um outro fundamento não suscitado pelo autor. A regra é que o STF fica adstrito ao pedido, só pode declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo que foi impugnado. Todavia, se existir outro dispositivo que, embora não tenha sido impugnado, dependa para a sua existência do dispositivo levado ao Supremo em controle abstrato, nesse caso, admite-se que o Supremo, além de declarar a inconstitucionalidade do objeto impugnado, declare também, por arrastamento ou atração, a inconstitucionalidade do outro dispositivo que, embora não atacado pelo autor, depende diretamente do objeto cuja inconstitucionalidade foi declarada. Nesse caso temos a chamada inconstitucionalidade consequente, como mais um dos possíveis efeitos quanto à extensão da declaração de inconstitucionalidade.
8. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, buscamos apresentar neste breve trabalho os diferentes efeitos resultantes das decisões em sede de controle de constitucionalidade. Não há uma sistematização na legislação que confira essa percepção de forma didática e comparativa, razão pela qual, percebendo essa dificuldade na legislação e na literatura jurídica, nos propomos a descrever especificamente os efeitos advindos de uma decisão em controle de constitucionalidade, sobretudo visualizando o entendimento atual da Suprema Corte. Nesse sentido, sem ter a pretensão de esgotar o tema, esperamos proporcionar uma melhor compreensão desse tema de fundamental importância para a ciência jurídica e para o constitucionalismo contemporâneo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. Saraiva, 2010.
BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6ª ed. Saraiva, 2012.
BULLOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Saraiva, 2011.
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Juspodvum, 2012.
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Curso de Direito Constitucional. 37ª ed. Saraiva, 2011.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª ed. Saraiva, 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Saraiva, 2012.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. MENDES, Gilmer Ferreira. NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de Direito Constitucional, v. 1. 2ª Ed. Saraiva, 2012.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed. Atlas, 2011.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6ª ed. Método, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª ed. Malheiros, 2011.