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O procedimento de tomada de contas especial na administração pública do Distrito Federal

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01/02/2002 às 01:00
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SUMÁRIO: Introdução; 1.Inserção da tomada de contas especial no ordenamento jurídico do distrito federal; 2.Definição de tomada de contas especial -TCE; 3.Objetivo do procedimento tomador; 4.Princípios jurídicos aplicáveis; 5. Natureza jurídica do procedimento apuratório em sede de tomada de contas especial, 5.1 aspectos gerais sobre a responsabilidade civil, 5.1.1.requisitos da responsabilidade civil perante a administração pública, 5.2. ato ilícito em sede de tomada de contas especial; 6.A resolução n.º 102, de 15 de julho de 1998; 7.Da instauração do procedimento tomador, 7.1. autoridade administrativa competente para instauração, 7.2.a responsabilização solidária em razão da omissão no dever de instaurar a tomada de contas especial, 7.3. o ato de instauração, 7.4. a obrigatoriedade de publicação do ato de instauração, 7.5. a interpretação do termo: " imediatamente " ,7.6. da solidariedade em razão da inércia na comunicação do fato ensejador, 7.7. a instauração ex officio, 7.8. da comunicação do ato de instauração, 7.9. da responsabilidade do controle interno, 7.10. dos eventos motivadores, 8.Elementos integrantes do procedimento de tomada de contas especial; 9. Da comissão de tomada de contas especial, 9.1 composição da comissão de tce, 9.2 das competências da comissão tomadora, 9.3. providências supervenientes aos trabalhos da comissão tomadora; 10. Das responsabilidades atinentes ao controle interno; 11.Do valor de alçada, 11.1. competência para julgamento, 11.2. forma de proceder no âmbito da administração, 11.3. eficácia do encaminhamento; 12.Do encerramento da tce por perda de objeto; 13. Das providências derradeiras requeridas pela norma; Considerações finais; Notas, Bibliografia


INTRODUÇÃO

Com o advento da autonomia administrativa do Distrito Federal severas mudanças foram impostas ao modo de agir do Administrador Público Distrital. Procedimentos foram criados, novas estruturas de poder se erigiram e o Poder Executivo local, outrora acostumado ao paternalismo do Governo Federal, viu-se compelido a caminhar com suas próprias "pernas". De fato, o avanço foi significativo para o pequeno espaço de tempo decorrido.

O procedimento de tomada de contas especial criado pelo Governo Federal e reproduzido pela legislação distrital surge como um indispensável instrumento de controle para a Administração Pública local.

O estudo que ora se apresenta tem o objetivo de analisar e explicar minuciosamente o procedimento de tomada de contas especial no âmbito do Poder Executivo do Distrito Federal de maneira a desmistificá-lo aos olhos dos agentes públicos e evitar o encaminhamento incorreto das apurações que lhe são peculiares, trazendo à lume a sua real importância para o eficiente controle da gestão dos recursos públicos, caracterizando-o como o devido processo legal para a apuração dos fatos que a lei enumera.

Nesse sentido, tratará de interpretar a legislação aplicável à matéria e inserir o procedimento tomador de contas no contexto da ciência jurídica, sedimentando um entendimento capaz de minimizar os equívocos que se afloram na Administração Pública distrital por ocasião de sua aplicação prática.

A tomada de contas especial é um tema que, com raríssimas exceções, não tem sido objeto de estudo aprofundado por parte dos doutrinadores brasileiros. É certo que se trata de um assunto bastante específico e de acurada tecnicidade, entretanto, de extrema relevância para a Administração Pública. Insere-se, pois, no contexto do controle da gestão pública e, por esse motivo, tem relevante alcance social.

Não se pode deixar, nesse momento, de fazer referência ao princípio do devido processo legal que, segundo Ada Pellegrini Grinover(1), referindo-se exclusivamente ao direito processual, se por um lado dá "(...) às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais (...)", do outro, é indispensável "(...) ao correto exercício da jurisdição". Carlos Ari Sundifeld(2), ao citar obra da autora supramencionada assevera que "(...) o devido processo é o que legitima a atividade estatal (...)". Logo, à luz do princípio do due process of law(3), deve-se atentar para o que determina o art. 9º, da Lei Complementar Distrital n.º 1 de 09 de maio de 1994: "(...) Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação dos recursos repassados pelo Distrito Federal, na forma prevista no inciso VI do art 6º desta Lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências, com vista à instauração de tomada de contas especial, para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano." (destacou-se). Com isso, o que se quer realçar é que não há instrumento substituto para a tomada de contas especial - T.C.E, nos casos em que a lei a consagra como devido processo.

Com a habitual clareza e segurança, o Mestre Jorge Ulisses Jacoby Fernandes certifica:

" O elastério adequado a se considerar a TCE como um dos possíveis desdobramentos do due process of law depende sobretudo da Administração, do Poder Judiciário e dos agentes melhor compreenderem o instituto e as suas nobres funções, assegurando a sua supremacia como modelo ágil, eficiente e pedagógico." (4) (destacou-se).

Logo, é essencial evitar as falhas formais e materiais que exsurgem, principalmente, da falta de conhecimento do procedimento de tomada de contas especial, de maneira a afastar as nulidades que acabam por tumultuar o processo de controle. Assim é primordial, de fato, compreender as peculiaridades que engendram a T.C.E, definindo o rigor técnico com devem ser tratadas pelos agentes públicos incumbidos de lhe dar andamento no campo de ação do Poder Executivo local.

Com base na experiência adquirida como Analista de Finanças e Controle da Subsecretaria de Auditoria do Governo do Distrito Federal; apoiado na doutrina geral e específica e nos julgados dos Tribunais de Contas da União e do Distrito Federal, procurarei analisar e elucidar a legislação concernente à matéria no Distrito Federal, de forma a evidenciar as peculiaridades do procedimento tomador e com que rigor técnico devem ser tratadas pelos agentes públicos do Poder Executivo do Distrito Federal.

No Distrito Federal o assunto em voga segue a orientação normativa básica da Lei Complementar n.º 01 de 9 de maio de 1994, e da Resolução n.º 102 de 15 de julho de 1998. Acerca desta última, haja vista tratar-se de legislação específica, faremos detalhada análise, perquirindo, inclusive, sobre sua natureza.

Sabedores de que "navegamos sobre os mares do Direito Administrativo", quando necessário, estabeleceremos as relações pertinentes com os demais ramos do Direito, de forma que se possa exaurir as dúvidas suscitadas.

No Capítulo 1 explanaremos acerca da origem do procedimento de tomada de contas especial, situando-o em relação ao ordenamento jurídico nacional e distrital. O capítulo 2 se presta essencialmente a sua definição, com base nas teses defendidas neste trabalho. Os seguintes, Capítulos 3 e 4, tratam, respectivamente, do objetivo da tomada de contas especial, e dos princípios de Direito a ela aplicáveis. O Capítulo 5 traz à lume interessante discussão acerca da natureza jurídica do procedimento e de sua estreita ligação com o instituto da responsabilidade civil. Por fim, os Capítulos de 6 a 13 serão dedicados aos comentários pertinentes e necessários à legislação aplicável à matéria, especial e detidamente à Resolução n.º 102/98-TCDF, de forma que se compreenda adequadamente o instituto e se possa visualizar a importância de sua dinâmica para o controle da Administração Pública, dando azo a este estudo.


1.INSERÇÃO DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO DO DISTRITO FEDERAL

O procedimento de tomada de contas especial não é inovação da legislação contemporânea. Esta presente no ordenamento jurídico brasileiro há muitas décadas. Entretanto, passou a receber aporte de relevância a partir de 1967, com as significativas mudanças no sistema de fiscalização financeira e orçamentária impostas pela Constituição Federal promulgada naquele ano. Foi o Decreto–Lei n.º 200 de 25 de fevereiro de 1967(5), que em seu capítulo IV (Disposições Gerais), Título X (Das Normas de Administração Financeira e de Contabilidade), art. 84, deu-lhe o delineamento de instrumento de controle e lançou o esboço para as redações normativas ora vigentes, suscitando desde então seu caráter de excepcionalidade, em razão de determinados fatos, chamados atualmente "fatos ensejadores de tomada de contas especial". Assim, deixou consignado:

"Art. 84. Quando se verificar que determinada conta não foi prestada, ou que ocorreu desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, as autoridades administrativas, sob pena de co-responsabilidade e sem embargo dos procedimentos disciplinares, deverão tomar imediatas providência para assegurar o respectivo ressarcimento e instaurar a tomada de contas, fazendo-se as comunicações a respeito ao Tribunal de Contas. ".

A exemplo da Constituição de 1967(6), e do Decreto-Lei 200/67, a Constituição Federal de 1988 não menciona especificamente a tomada de contas especial. No entanto, em seu art. 71 a Carta Magna, ao fixar a competência do Tribunal de Contas da União, assentou:

" Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

(........................................)

II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da Administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário."

No Distrito Federal a Lei Orgânica reproduz quase que na integralidade a letra do inciso I, art. 70 da CF/88 em seu art. 78, inciso II, alínea "a".

A Lei Complementar Distrital n.º 01 de 9 de maio de 1994(7), bem mais detalhada em relação ao assunto, no art. 9º, caput, deu o seguinte tratamento:

"Art. 9º Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação dos recursos repassados pelo Distrito Federal, na forma prevista no inciso VI do art 6º desta Lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências, com vista à instauração de tomada de contas especial, para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano." (destacou-se).

Em razão da inexistência de outra norma que adequadamente tratasse o tema, o Regimento Interno do Tribunal de Contas do Distrito Federal, aprovado pela Resolução n.º 38 de 30 de outubro de 1990, artigos 152 a 158, equivocadamente(8), durante anos, norteou os procedimentos em sede de tomada de contas especial.

Felizmente, em 1998, com a edição da Resolução n.º 102 de 15 de julho, ora vigente, exsurgiu o bom senso e fez-se presente a boa técnica, dando-se início a uma nova fase.

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2.DEFINIÇÃO DE TOMADA DE CONTAS ESPECIAL -TCE

Como afirma Orlando Teixeira da Costa "A maneira mais concisa de conceituar é definir. Mas, definir, é a maneira mais difícil de conceituar, pois a definição é um conceito sintetizado e a síntese não é fácil de se fazer." (9).

Anualmente, os gestores dos órgãos e entidades da Administração Pública devem prestar contas dos atos praticados. Assim, por intermédio das chamadas Prestações e Tomadas de Contas Anuais, o fazem.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal, cumprindo mandamento constitucional julga as contas dos administradores e responsáveis por dinheiros, bens de valores públicos, apreciando-as em periodicidade anual. Ocorre que há determinados eventos que, dadas as peculiaridades, requerem celeridade de atuação e intervenção imediata dos órgãos de controle e devem desencadear a apreciação extemporânea dos atos praticados na gestão da coisa pública, de forma a concorrer, tanto para o controle administrativo(10), à luz do princípio da autotutela, quanto para recomposição de danos porventura causados. Nesse sentido, como foi visto no Capítulo 1, lei complementar distrital criou as chamadas tomadas de contas especiais, que recebem esta denominação exatamente pelo fato de serem procedimentos de exceção à regra da periodicidade anual das tomadas e prestações ordinárias de contas.

A Instrução Normativa-TCU n.º 13 de 4 de dezembro de 1996, em seu art. 1º, define: "Tomada de contas especial é o processo devidamente formalizado, dotado de rito próprio, que objetiva apurar a responsabilidade daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário" (destaque). Com sabedoria, a Resolução n.º 102/98-TCDF não se aventurou a definir a TCE.

Como se observa, a definição consignada pela I.N n.º 13/96 tratou a tomada de contas especial de maneira estática, denominando-a "processo". Cabe obtemperar, nesse sentido, que, na lição do professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes trata-se de um equívoco. Ao afastar a hipótese de tratá-la como simples procedimento, o doutrinador revela a carência de técnica dos que pretendem caracterizá-la meramente como "processo": "Também seria incorreto considerá-la, em toda sua extensão, como processo (...)"(11). A doutrina dominante concebe a tomada de contas especial sob duas fases, a interna, dita procedimento, a qual, comparável, no Direito Penal, ao Inquérito Policial, é objeto deste estudo; e a externa, propriamente chamada de processo.

Outra questão de relevante valor jurídico diz respeito à utilização, pela I.N n.º 13/96, da mesma redação utilizada pelo inciso II, art. 71, da CF/88, ao qual já se fez referência(12). Tal opção faz revelar a tomada de contas especial, exclusivamente, como instrumento de apuração de responsabilidade civil. Como se verá no capítulo próprio, não é essa a melhor exegese. De antemão, porém, sem pretender adiantar as explanações deste trabalho acerca da natureza jurídica da tomada de contas especial(13), é importante enfatizar que o próprio Tribunal de Contas da União, em seu "Manual de Instrução de Processos de Tomada de Contas Especial", aprovado pela Portaria n.º 284, de 27 de maio de 1998, fixou no item 2.2.2, que trata da "Proposta de Mérito" para julgamento das contas, o que segue:

" No que se refere ao mérito, o encaminhamento da TCE poderá envolver propostas no sentido de que as contas nela contidas sejam:

(..........................)

- julgadas regulares com ressalva (destaque no original), dando-se quitação ao(s) responsáveis (...), quando:

- se considerar que as alegações de defesa ou as razões de justificativa apresentadas foram suficientes para elidir as irregularidades e que as contas evidenciam apenas impropriedade(s) de natureza formal, de que não resultou(aram) dano(s) ao Erário (artigos 1º, inciso I, 16, inciso II, 18, e 23, inciso II, da Lei 8.443/92); (...). ". (destacou-se).

Descartada a hipótese de dano, pois, afastada estará a responsabilidade civil, por ausência de um dos seus requisitos essenciais(14).

Destarte, sem compromisso do rigor necessário para elaboração do texto normativo, cabe arriscar uma definição que melhor ampare o alcance que se pretende dar à tomada de contas especial: TCE é um instrumento de rito singular utilizado pela Administração Pública para verificar, à luz dos princípios pertinentes, a correta aplicação dos recursos públicos, bem como apurar a responsabilidade civil de todos aqueles que, quer pelo exercício de suas funções ou cargos, quer em razão da gestão de recursos do erário, tem o dever de prestar contas


3.OBJETIVO DO PROCEDIMENTO TOMADOR

Como instrumento de controle, o objetivo principal da tomada de contas especial não é outro senão o de proporcionar a autotutela administrativa, sendo esta, na lição de Diogenes Gasparini, fundamento daquele(15). Para melhor situar o tema é conveniente fazer referência ao conceito de controle consignado pelo mestre em referência: "é a atribuição de vigilância, orientação e correção de certo órgão ou agente público sobre a atuação de outro ou de sua própria atuação, visando confirmá-la ou desfazê-la, conforme seja ou não legal, conveniente, oportuna e eficiente"(16). Isso significa dizer que por meio da TCE a Administração Pública tem a oportunidade de visualizar os atos irregulares praticados e redirecionar a gestão à luz dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme art. 37 da Constituição Federal. Infelizmente, o procedimento não é visto dessa forma pela maioria dos gestores, que o tem como meio de punição e, muitas vezes de mera pressão política, como se a isso se prestasse. Compreendem os menos afeiçoados ao tema, que a tomada de contas especial é simplesmente um veículo utilizado para fazer chegar as irregularidades ao Órgão de Controle Externo, sem perceber que, antes de qualquer coisa, é instrumento fabuloso de controle que, se adequadamente utilizado, permite ao Administrador Público manter sobre suas rédeas a gestão, de forma que, além de fazer reparar os danos porventura causados; evita reincidências e dá transparência a sua administração.


4.PRINCÍPIOS JURÍDICOS APLICÁVEIS

Como o próprio nome esclarece, princípio quer dizer começo. Vem do latim principium, e no sentido vulgar exprime o instante em que as pessoas ou coisas começam a existir. Em acepção jurídica, segundo De Plácido e Silva(17), princípios significam normas elementares ou requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa, revelando o conjunto de regras ou preceitos que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.

Como assevera Hans Kelsen(18), "os princípios partem de estudo empírico sobre fatos e atos ocorridos ou potencialmente verificáveis -ser-, portanto possuindo caráter privilegiado. Já a ciência do Direito debruça-se à análise da norma, correspondente ao fenômeno do dever-ser". Lançam, assim, o norte para a elaboração das normas; sendo, portanto, essenciais para seu perfeito entendimento.

Logo, compreender adequadamente os princípios aplicáveis às tomadas de contas especiais, significa evitar, antes de mais nada, a interpretação equivocada das normas que foram geradas à sua luz.

São princípios aplicáveis às tomadas de contas especiais:

a) Princípio da Legalidade: enquanto o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, ao Administrador Público somente é lícito executar o que lei especifica. Os motivos determinantes do procedimento tomada de contas estão expressamente definidos no art. 9º, caput, da Lei Complementar n.º 01/94, o que torna a TCE o devido processo legal para proceder à apuração das circunstâncias, quando incidente um ou mais fatos ensejadores.

Deve ser observado durante todo o procedimento de tomada de contas especial, intrinsecamente, na instauração e formalização do procedimento, e extrinsecamente, na análise dos atos e fatos inquinados.

É importante cotejar nesse momento o chamado poder discricionário para enfatizar que:

"Os atos administrativos praticados em desconformidade com a lei são viciados e configuram abuso ou desvio de poder. O administrador não age porque quer, mas porque deve e assim dispõe o interesse público. Seguindo essa linha de raciocínio, conclui-se que o ato administrativo, ainda que discricionário, permite liberdade dentro da lei. Se vinculado o ato, a porção de discricionariedade é restrita. O ato administrativo discricionário opõe-se visceralmente ao ato arbitrário. Neste, o agente administrativo viola, atinge a lei. O ato arbitrário é repudiado pelo direito e sua nulidade deve ser declarada (...)"(19).(destacou-se);

b) Princípio da Oficialidade: ao Poder Público incumbe o dever de dar andamento ao procedimento de tomada de contas especial, independentemente de provocação, quer iniciando o processo, quer dando-lhe seqüência. Se faz presente no art. 9º da Lei Complementar n.º 01/94 e no art. 1º da Resolução n.º 102/98-TCDF;

c) Princípio do Informalismo moderado: encerra o abrandamento das formalidades usuais, observada, no entanto, a forma prescrita em lei. Vem expresso nos artigos 12 e 14 da Resolução n.º 102/98-TCDF e, também no § 2º, art. 2º da Emenda Regimental-TCDF n.º 01 de 2 de julho de 1998;

d) Princípio da Publicidade: sempre que necessário, os atos praticados em sede de tomada de contas especial devem ser devidamente publicados no Diário Oficial do Distrito Federal, bastando, em determinadas ocasiões dá-se ciência de sua execução aos interessados. Quanto à necessidade de publicação do ato de instauração do procedimento tomador, cabe referenciar o Capítulo 7 deste trabalho;

e) Princípio da Verdade Material: ao contrário do processo civil e semelhantemente ao processo penal, na tomada de contas especial deve ser perseguida pelos executores do procedimento e por seus Analistas a verdade real dos fatos e não a formal. Isso equivale dizer que, nem sempre, as provas dos autos demonstram as circunstâncias havidas. Incumbe aos executores dos procedimento (comissão tomadora) buscar robustecer as provas de maneira a evidenciar os fatos. Incumbe aos "Analistas de Controle Interno" avaliar as provas, de forma a checar a coerência da conclusão da comissão tomadora, requerendo maiores informações quando necessário, mediante propostas de diligências e inspeções para que se possa trazer aos autos elementos probantes capazes de reforçar ou, se for o caso, refutar a tese apresentada;

f) Princípio da Economia Processual: está intimamente relacionado aos Princípios da Verdade Material, do Informalismo Moderado, da Razoabilidade e, também, da Razão Suficiente Ab-rogável. Dada essa relação observa-se que sua importância para o procedimento tomador reside especialmente no fato da possibilidade de evitar a instauração de tomada de contas especial, conforme expresso no § 3º, art. 1º da Resolução n.º 102/98-TCDF, harmonizando-se com os demais dispositivos da norma e com o § 2º, art. 2º da Emenda Regimental-TCDF n.º 01/98 que assim especifica: "Na ocorrência de perda, extravio ou outra irregularidade em que não fique caracterizada má-fé de quem lhe deu causa e se o dano for imediatamente ressarcido, a autoridade administrativa competente deve, em sua tomada ou prestação de contas anual, comunicar o fato ao Tribunal, dispensando-se a formalização da tomada de contas especial.";

g) Princípio da Razoabilidade: possui estreita ligação com o Princípio da Eficiência, vez que "proteja valor que se manifesta na dimensão do resultado"(20). Segundo Maria

Sylvia Zanella Di Pietro(21) "razoabilidade exige, pois, proporcionalidade entre os meios de que se utilize a Administração e os fins que ela tem que alcançar". Assim, o referido princípio foi expresso pela norma nos termos do art. 12 da Resolução n.º 102/98-TCDF: "Nas tomadas de contas cujo valor de apuração seja inferior à quantia fixada conforme o § 2º do art. 9º da Lei Complementar n.º 1/94, o órgão ou entidade deverá se utilizar de procedimentos sumários e econômicos de apuração de responsabilidade,(...)". O custo do procedimento tomador não deve se revelar superior ao dano havido, por esse motivo foi adotado pela Corte de Contas do Distrito Federal o chamado valor de alçada o qual mereceu atenção especial no Capítulo 11

h) Princípio da Gratuidade: compreende o professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes(22) que: "açambarcando esse princípio, descabe na TCE transferir para servidores ou envolvidos em geral, o ônus dos seguintes procedimentos: a) perícias, avaliações em geral; b) ônus da tradução de documentos em língua estrangeira; c) despesas com publicação de editais e avisos pela imprensa; d) traslados de peças ou documentos; e) passagem, estada ou diária de servidores ou auxiliares; f) honorários da sucumbência.".

i) Princípio do Contraditório de da Ampla Defesa: deve ser observado essencialmente na fase externa da tomada de contas especial, haja vista que, somente nela, formar-se-á o processo, dando azo à lide; mas está presente na fase interna, por força do art. 12 da Resolução n.º 102/98-TCDF. A Constituição Federal de 1988 previu o Contraditório e a Ampla Defesa em um único dispositivo, art. 5º, LV. Aquele, segundo Ada Pellegrini Grinover, indica a atuação de garantia fundamental da justiça, consubstanciada na audiência bilateral. Assim, o juiz, "por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas equidistante delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar provas, de influir sobre o convencimento do juiz."(23). Esse, (Ampla Defesa), é impulsionado por aquele, que o possibilita, mantendo, ambos, íntimo liame.

j) Princípio da Proteção ao erário: conforme art. 37, § 5º da Constituição Federal, são imprescritíveis as ações de ressarcimento dos danos causados à Fazenda Pública. O professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes(24), manifesta-se consignando acerca do princípio o seguinte entendimento:

" Enquanto que nos processos em geral há uma acusação direta a alguém ou uma lide entre determinadas pessoas, no processo de TCE a relação jurídica que se desenvolve liga o dano (fato) ao dever de recompor o erário. Iniciada a apuração envolvendo um servidor, não haverá qualquer nulidade se, verificado o envolvimento de outros, a comissão der continuidade às apurações em relação aos novos agentes. De igual modo, se o Tribunal de Contas isentar um servidor por ausência de responsabilidade provada na defesa, sem negar o fato gerador do dano ao erário, pode e deve a Administração dar continuidade às apurações.".

l) Princípio da Razão Suficiente Ab-rogável: Segundo De Plácido e Silva ab-rogar significa, na linguagem jurídica, tornar nulo ou sem efeito um ato anterior(25). Aqui evidencia as circunstâncias em que deixa de existir no mundo jurídico a causa ensejadora da tomada de contas especial. Assim, ocorre a integral perda do objeto da apuração. Assim, se há dano e posterior ressarcimento, não mais existe o motivo determinante da instauração; " se o agente foi omisso no dever de prestar contas, dando causa à instauração da TCE, a prestação de contas inibe o prosseguimento do processo (...) permanecendo, contudo, a possibilidade de apenação pela extemporaneidade da prática do ato."(26).

O citado princípio deve ser observado antes e durante as apurações em sede de tomada de contas especial. A Resolução n.º 102/98 tratou de consagrá-lo em dois momentos: em seu art. 1º, § 3º, dando à autoridade prazo improrrogável para adotar providências objetivando regularizar a situação ou reparar o dano e também no art. 13, como será visto no Capítulo 12;

m) Princípio da Indisponibilidade: os bens, direitos, interesses e serviços públicos não estão à livre disposição dos órgãos públicos. A eles, cabe curá-los. O agente público é mero gestor da res do Estado, por isso, não cabe a ele transigir acerca de valores sobre os quais o Estado seja credor em função de atos ilícitos praticados. Daí decorre a obrigatoriedade de instauração de tomada de contas especial e a impossibilidade de transigir acerca do patrimônio.

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Sobre o autor
Luciano Wagner Firme

Auditor de Controle Interno do Distrito Federal; Advogado; Administrador de Sistemas de Informações; Especialista em Controle da Gestão Pública pela Universidade de Brasília, Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Assessor do Ministério Público de Contas do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIRME, Luciano Wagner. O procedimento de tomada de contas especial na administração pública do Distrito Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2618. Acesso em: 5 mai. 2024.

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