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Informalidade e flexibilização das leis trabalhistas:

uma análise à luz das reformas tributária e previdenciária

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4 A NECESSIDADE DAS REFORMAS TRIBUTÁRIA E PREVIDENCIÁRIA

4.1 A REFORMA TRIBUTÁRIA

O economista Márcio Pochmann defende a redução da tributação (hoje muito concentrada nas camadas da população de menores rendas) como política de combate à pobreza, associado a outras políticas nas áreas de saúde e educação.  Segundo ele, não há razão para alimentos terem uma carga grande de impostos, e, “com a redução da carga tributária, haveria maior disponibilização da renda, acréscimo no consumo e na redução da pobreza”.

Para Pochmann, “uma das importantes inovações tributárias instituídas com o objetivo de elevar o nível ocupacional e diminuir a informalidade da mão de obra nos micro e pequenos negócios foi a introdução do Simples.” (POCHMANN, 1998, pág. 28).

Segundo ele,

É bem verdade que a Constituição de 1998, em seu artigo 179, estabeleceu tratamento diferenciado para esse setor, contemplado com um subsídio tributário, o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições (Simples), em 1996.

Com isso, os micro e pequenos empreendedores ficaram desonerados de uma parcela importante do recolhimento das contribuições sociais sobre o salário (INSS, Incra, Sistema S, salário-educação, seguro de acidente de trabalho, dentre outras), uma vez que elas passaram a ser recolhidas em relação ao faturamento, e não mais ao custo do trabalho. (POCHMANN, 1998, pág. 28).

Ocorre que o sistema tributário brasileiro ainda é extremamente complexo, havendo uma premente necessidade de mudanças. Para Bernard Appy e outros (2009),

A grande complexidade do sistema tributário brasileiro e as distorções que nele existem geram uma série de conseqüências. Uma delas é a falta de transparência: o cidadão não sabe quanto paga de imposto quando está adquirindo um bem ou consumindo um serviço.

Outra conseqüência de tal complexidade é, obviamente, a abertura de espaço para a sonegação. Além do que, tal complexidade traz um custo para as empresas: o custo de cumprir com todas as suas obrigações tributárias é bastante elevado, principalmente, para as empresas que operam em todos os Estados. Isso porque temos, somente no caso do ICMS, 27 legislações diferentes aplicáveis em cada um dos Estados. (PISCITELLI et al, 2009, pág. 13).

Com relação ao ICMS, cabe endossar a opinião do diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Fernando Steinbruch, que acredita ser necessária a unificação da legislação existente e a redução da carga tributária como um todo. Segundo ele, ‘hoje, o ICMS é o tributo que mais arrecada no país. É preciso discutir também a redução dessas tarifas”.

Dércio Garcia Munhoz, em artigo intitulado “O Desenvolvimento Equilibrado Requer Mudanças na Economia e nas Relações Financeiras Intraestado, e não apenas na Área Tributária”, apresenta a reforma tributária sobre um novo olhar.  Segundo ele, em quase duas décadas de discussões ininterruptas, a reforma nunca foi discutida de forma suficientemente abrangente. Isto porque focalizou apenas alguns aspectos, “atendendo aos núcleos organizados e politicamente habilitados da sociedade e da administração pública – os empresários dos diversos segmentos da economia, os prefeitos e governadores, o Governo Federal”. (PISCITELLI et al, 2009, pág. 113). Para ele, é em razão desse equilíbrio de forças que na discussão da reforma tributária os holofotes tem sido dirigidos invariavelmente para algumas questões: o que tributar, como tributar, como dividir o bolo e quem fica com o poder de arrecadar. O autor acredita que

Se tem sido difícil o encontro de pontos de convergência envolvendo interesses conflitantes, seria um erro supor que dentro desse contexto se enquadrem todas as questões relevantes. Já que sistematicamente os diferentes atores, e inclusive a representação política com assento no Congresso, têm simplesmente desconhecido aquilo que deveria ser o tópico principal da definição de uma estrutura tributária - , e, consequentemente na discussão de qualquer reforma tributária – que é quem definitivamente arca com os tributos.

É falacioso dizer que a indústria tal, ou o produto tal, sofram esta ou aquela imposição tributária, pois, a rigor, qualquer que seja o imposto colocado sobre bens ou serviços, sobre as unidades produtivas ou aquelas responsáveis pela circulação e distribuição de bens, o montante dos tributos recolhidos pelas empresas entra como componente de custos, sendo portanto repassados aos preços, de forma a que o verdadeiro pagador de impostos é o consumidor final. (PISCITELLI et al, 2009, pág. 114).

O autor observa que há muito deixou de existir (se é que alguma vez existiu) a clássica diferenciação entre impostos diretos, que incidiriam sobre as rendas auferidas pelas empresas (como o IR, O COFINS e a CSLL), e supostamente arrecadados por elas, e os indiretos, que seriam efetivamente repassados para o consumidor. Para ele,

Qualquer que seja o nível de tributação direta ou indireta, os executivos das empresas têm de adotar critérios de apuração de custos e política de preços que garantam a manutenção da rentabilidade mínima esperada sobre o capital investido.

(...) Diante disso se percebe que é vital discutir, quando em pauta mudanças tributárias, qual o impacto das alterações sobre a renda das famílias. Pois qualquer aumento da carga tributária dentro da economia reflete, em seus desdobramentos, nos níveis de bem – estar das famílias, ao afetar o poder de compra e os níveis de consumo; o que, inevitavelmente, restringe o tamanho do mercado, inibindo novos investimentos produtivos e a criação de empregos. (PISCITELLI et al, 2009, pág. 115).

4.2 A REFORMA PREVIDENCIÁRIA

No presente trabalho, cabe ressaltar o que parece ser um dos pontos principais de qualquer reforma previdenciária que venha a ser feita. De acordo com os autores David Torres e Moacir Longo, trata-se de um procedimento relativamente simples. Para eles,

Basta fazer uma emenda mudando a redação do Art.195 da Constituição, substituindo o arcaico sistema de contribuições do empregador sobre a folha de salário e ainda, recolhe uma segunda contribuição incidente sobre o faturamento, o Cofins, que vigora desde o ano de 1991, cuja alíquota tem sido aumentada constantemente. E o pior: a folha de pagamento do empregador, além dessas duas contribuições para a Previdência, vem sendo onerada com outros encargos, entre os quais, o salário – educação, com alíquota de 2, 5%, acidente de trabalho, com 2%; Incra, com 0,20%, e auxílio enfermidade, com 0,55%, totalizando uma contribuição de 25, 35, somente para a seguridade, permanecendo apenas a contribuição única para o faturamento. (TORRES E LONGO, 2003, pág.90)

Os autores entendem que o empregador terá um importante alívio em seus custos de produção quando se fizer a substituição dessas contribuições por uma única contribuição sobre o faturamento. Com tal mudança, haveria igualdade de tratamento das empresas contribuintes, pois, atualmente, quem mais emprega é punido com mais contribuição, e quem menos emprega, ou não emprega com carteira assinada, leva vantagem porque só contribui com taxação sobre o faturamento. Desse modo, seria inegável que o atual sistema incentiva a concorrência predatória entre as empresas e seria um desestímulo ao emprego de trabalhadores com registro formal, contribuindo para uma crescente evasão de receitas dos cofres do INSS.


V- CONCLUSÃO CRÍTICA

Enquanto os defensores da visão liberal pretendem diminuir as parcelas trabalhistas inegociáveis previstas na CLT, ao argumento de que a diminuição do custo da contratação e da demissão geraria mais empregos, os estruturalistas defendem um aumento de poder dos sindicatos. Isto porque, para eles, a redução dos custos trabalhistas apenas diminuiria o poder de compra dos trabalhadores, retraindo ainda mais o nível de investimento na economia.

Podemos perceber que tanto para os liberais quanto para os estruturalistas, o crescimento econômico é essencial para o combate ao desemprego. Ambos defendem a consolidação de um sistema público de emprego, o qual seria responsável por articular seguro – desemprego, formação profissional, intermediação de mão de obra e programa de geração de empregos e renda.

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No entanto, a teoria liberal da flexibilização das leis trabalhistas, como uma idéia pós – moderna, não pode ser aceita como solução para o problema da informalidade no Brasil, pois não se pode afirmar que a legislação trabalhista é, por si só, um entrave ao crescimento econômico. 

Desse modo, tem-se que uma reforma na legislação trabalhista é necessária, principalmente para retirar o peso da burocracia no momento de abrir-se uma empresa, em que pese o Simples ter sido uma mudança positiva. Entretanto, tal reforma deve ser feita sem supressão dos direitos trabalhistas, que foram duramente conquistados, e geram segurança para quem não está na informalidade.

Ademais, existem várias outras causas que contribuem para a informalidade no emprego, quais sejam, a complexidade da legislação tributária e o arcaico modelo de financiamento da previdência e seguridade social, além de outras que não foram mencionadas no presente trabalho.

Tem-se que as reformas trabalhista, previdenciária e tributária devem ser consideradas em conjunto, para que não sejam tomadas medidas precipitadas em nenhuma área, até mesmo porque elas estão relacionadas. 

Conforme explicado, a incidência de diversas contribuições sobre a folha de pagamento aumenta os custos de contratação de um empregado, fazendo com que muitas empresas optem pela informalidade.

Ainda, com o aumento das empresas formais, e que, portanto, pagam seus impostos, o déficit previdenciário diminuiria. De fato, ocorre uma concorrência desleal, pois as empresas informais não pagam impostos, e contribuem para a evasão previdenciária.

Assim, concluímos que tais reformas devem ser feitas, porém levando-s em conta que a simples redução dos custos trabalhistas não reduziria a informalidade, sem que outras medidas sejam tomadas, conforme admite o próprio José Pastore.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BARBOSA, Alexandre de Freitas, MORETTO, Amilton. Políticas de emprego e proteção social. São Paulo, Abet, 1998.

Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2873> Acesso em 24/03/2011

Disponível em: <http://www.etco.org.br/noticia.php?IdNoticia=3345> Acesso em: 10/01/2011

Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/03/grupo-de-estados-tenta-mudar-tributacao-de-venda-pela-internet.htm> Acesso em 24/03/2011 >

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa, DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica. 3ª ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2010.

PASTORE, José. Trabalhar Custa Caro. São Paulo, LTr, 2007.Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/primafacie/article/viewFile/4455/3360> Acesso em 20/03/2011

PISCITELLI, Roberto Bocaccio et al. Reforma Tributária: a costura de um grande acordo nacional. Atlas, São Paulo, 2009.

POCHMANN, Márcio. O emprego no desenvolvimento da nação. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008.Disponível em:<http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=95&breadcrumb=1&Artigo_ID=564&IDCategoria=770&reftype=1> Acesso em 24/03/2011

TORRES, David; LONGO, Moacir. Reformas para desenvolver o Brasil. São Paulo, Nobel, 2003.

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Sobre a autora
Anna Luiza de Araújo Ceroy Cesar

Advogada. Pós graduada em Direito do Trabalho pelo Pro Labore. Pós Graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito Milton Campos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CESAR, Anna Luiza Araújo Ceroy. Informalidade e flexibilização das leis trabalhistas:: uma análise à luz das reformas tributária e previdenciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3846, 11 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26366. Acesso em: 20 abr. 2024.

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