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As normas mínimas do benefício de pensão por morte na Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho

18/01/2014 às 12:40
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A regulamentação do benefício de pensão por morte é bastante abstrata para permitir uma maior flexibilidade e adaptabilidade ao ordenamento jurídico e à realidade social dos diversos países membros da OIT.

Resumo: O Brasil é um dos países fundadores da Organização Internacional do Trabalho, participando da Conferência Internacional do Trabalho desde a primeira reunião. A Convenção nº 102 da OIT, ratificada pelo Brasil em 2009, versa sobre as normas mínimas de Seguridade Social, incluindo aquelas aplicáveis à pensão por morte. A regulamentação do benefício de pensão por morte é bastante abstrata para permitir uma maior flexibilidade e adaptabilidade ao ordenamento jurídico e à realidade social dos diversos países membros da OIT. A norma internacional não objetiva esgotar o tema, ao contrário, pretende garantir a todos os trabalhadores do mundo e a seus dependentes os benefícios previdenciários mínimos, podendo cada país membro, de acordo com a sua realidade social, acrescentar direitos que considerar justos e necessários.

Palavras-chave: Direito previdenciário. Direito internacional. Previdência Social. Pensão por morte. Convenção nº 102 da OIT.


I. Considerações iniciais

O Brasil é um dos países fundadores da Organização Internacional do Trabalho, participando da Conferência Internacional do Trabalho desde a primeira reunião e, ainda que tardiamente, aprovou a vigência no seu ordenamento jurídico da Convenção nº 102 da OIT, que versa sobre as normas mínimas de Seguridade Social, com a edição do Decreto Legislativo nº 269/2008, pelo Congresso Nacional. A ratificação da referida Convenção foi realizada em 15 de junho de 2009.

Nesse sentido, por opção expressa do país, a produção normativa brasileira no que diz respeito à Seguridade Social e, em consequência, ao benefício de pensão por morte, deve estar em consonância com a Convenção nº 102 da OIT. Assim, pela relevância, o tema deste ensaio é a regulamentação do benefício de pensão por morte na Convenção nº 102 da OIT.


II. A regulamentação do benefício de pensão por morte na Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho foi criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes, que encerrou a Primeira Guerra Mundial. Como base para a sua fundação considerou-se que é imprescindível a promoção da justiça social para a manutenção da paz universal. A OIT é composta por representantes dos governos, dos empregadores e dos trabalhadores e sua missão é elaborar normas internacionais do trabalho que, depois de ratificadas internamente pelos Estados-membros, passam a fazer parte do seu ordenamento jurídico.[1]

A OIT é a agência das Nações Unidas que

tem por missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. O Trabalho Decente, conceito formalizado pela OIT em 1999, sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que  homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo  considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.

O Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotada em 1998: (i) liberdade sindical  e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação), a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.[2]

A Convenção nº 102 da OIT foi aprovada na 35ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra em 28 de junho de 1952. Ela entrou em vigor no plano internacional em 27 de abril de 1955. A sistematização dos seus artigos é diferente da adotado no Brasil. Enquanto na divisão dos atos normativos brasileiros o agrupamento de artigos constituirá Subseções; o de Subseções, a Seção; o de Seções, o Capítulo; o de Capítulos, o Título; o de Títulos, o Livro e, finalmente, o de Livros, a Parte[3], a Convenção nº 102 da OIT adotou a “Parte” como equivalente à “Seção” brasileira.

É importante assinalar a inexistência de imposição total e imediata de todas as proposições da Convenção nº 102 aos países membros de OIT. Atenta à existência de diferentes realidades sociais entre os países signatários, o artigo 2º da Convenção prevê a obrigatoriedade de aplicação de apenas das regras sobre as Disposições Gerais - da Convenção - (Parte I), o Cálculo dos Pagamentos Periódicos (Parte XI), a Igualdade de Tratamento para os Residentes e Estrangeiros (Parte XII), as Disposições Gerais - de Mérito - (Parte XIII), e as Disposições Diversas (Parte XIV).[4]

Quanto ao mérito propriamente dito, os países membros devem ratificar um número mínimo de proposições. Assim, deverão ser ratificadas no mínimo três das partes sobre Serviços Médicos (Parte II), Auxílio-doença (Parte III), Prestações de Desemprego (Parte IV), Aposentadoria por Velhice (Parte V), Prestações em Caso de Acidente de Trabalho de Doenças Profissionais (Parte VI), Prestações de Família (Parte VII), Prestações de Maternidade (Parte VIII), Aposentadoria por Invalidez (Parte IX) e Pensão por Morte (Parte X), sendo que dessas três, no mínimo, uma das partes deverá ser sobre Prestações de Desemprego, Aposentadoria por Velhice, Prestações em Caso de Acidente de Trabalho de Doenças Profissionais, Aposentadoria por Invalidez e Pensão por Morte.

Sobre as disposições gerais da Convenção nº 102 da OIT tem pertinência alguns conceitos para efeitos das regras nela inseridas. Para a Convenção nº 102 da OIT, o termo “esposa” designa uma mulher que depende economicamente do marido; o termo “viúva” designa uma mulher que dependia economicamente de seu esposo no momento da morte do mesmo; o termo “criança” designa um menor abaixo da idade em que é obrigatória a frequência à escola ou de menos de 15 (quinze) anos, segundo o que for determinado; o termo “período de carência” significa seja um período de cotização, seja de emprego ou de residência, seja uma combinação qualquer desses períodos, segundo o que for determinado. Note-se, desde já, que as disposições gerais da referida Convenção indicam uma proteção mais ampla à mulher, pois fazem referência à viúva e à esposa, mas não fazem em relação aos homens na mesma condição.[5]

Como recém referido, a Convenção nº 102 da OIT regulamenta internacionalmente o benefício de pensão por morte da sua Parte X, composta pelo artigo 59 ao artigo 64. Segundo o artigo 60, item 1, a pensão por morte tem por finalidade cobrir a perda dos meios de subsistência sofrida pela viúva ou filhos em consequência da morte do chefe da família. Não há previsão de equivalência de direito para o caso do falecimento da esposa. O texto é específico ao proteger, além dos filhos, a viúva e não o viúvo. Além disso, o mesmo item também autoriza que o país membro subordine o pagamento da pensão por morte à incapacidade da viúva prover o próprio sustento.[6]

Complementando a parte final do item 1, o item 2 do artigo 60 autoriza uma limitação ainda maior, permitindo que o país membro suspenda o benefício em determinadas situações. Com efeito, a legislação nacional poderá suspender a prestação se a pessoa que a ela teria direito exercer determinadas atividades remuneradas. O item 2 também permite que a legislação interna diminua as prestações  quando os ganhos da beneficiária ultrapassarem uma importância a ser fixada pelo país membro. Em verdade, essas limitações ao benefício de pensão por morte têm por fim cumprir o objetivo da prestação - cobrir a perda dos meios de subsistência - sem que haja desperdício de recursos com o seu pagamento a pessoas que não necessitam do auxílio estatal. Na hipótese de a viúva ter condições de trabalhar ou ter outra fonte de renda, a norma internacional autoriza a negativa da prestação previdenciária.[7]

O artigo 61, por sua vez, regulamenta as pessoas que devem ser amparadas pela pensão por morte, levando em consideração, ainda, um percentual mínimo das categorias. Eis a sua redação:

Art. 61 - As pessoas amparadas devem abranger:

a) quer as esposas e os filhos de chefes de família pertencentes a determinadas categorias de assalariados, perfazendo, no mínimo, 50 por cento da totalidade dos assalariados;

b) quer as esposas e os filhos dos chefes de família pertencentes a determinadas categorias da população ativa, perfazendo, no mínimo, 20 por cento da totalidade dos residentes;

c) quer todas as viúvas e todos os filhos, contanto que possuam a qualidade de residentes, que perderam o chefe de família e cujos recursos durante o evento não ultrapassarem os limites determinados de acordo com os dispositivos do artigo 67;

d) quer, no caso de ter sido feita uma declaração nos termos do artigo 3º, as esposas e filhos de chefes de família pertencentes a determinadas categorias de assalariados, perfazendo, no mínimo, 50 por cento da totalidade dos assalariados que trabalham em empresas industriais que empreguem 20 pessoas, pelo menos.[8]

O artigo 62 da Convenção nº 102 da OIT prevê que o benefício de pensão por morte consistirá no pagamento de uma prestação periódica a ser calculada de acordo com as regras do seu artigo 65 e seguintes. Nesse ponto, merece referência que a Convenção nº 102 da OIT traz uma tabela na qual fixa que a renda mensal da pensão por morte deve corresponder no mínimo a 40% do beneficiário padrão.[9]

O artigo seguinte complementa o artigo 61, especificando de forma mais clara quem deve ser beneficiário da pensão por morte. Diz o artigo 63, item 1, que a prestação deve, assegurar, no mínimo, uma pessoa quando o chefe da família houve completado, como período de carência, 15 (quinze) anos de contribuição ou de emprego, ou 10 (dez) anos de residência. Ademais, o artigo 63, item 1, alínea “b”, estabelece que o benefício será devido, na hipótese de o sistema previdenciário considerar como dependentes as esposas e os filhos de todas “as pessoas ativas”, a um dependente cujo chefe de família houver completado um período de carência de três anos de contribuições, sob a condição de terem sido pagas em nome desse chefe de família, no decurso do período ativo de sua vida, contribuições cujo número médio anual atinja uma determinada quantia.[10]

O item 2 do artigo 63 trata da situação em que o benefício esteja subordinado ao pagamento de um período mínimo de contribuições ou de emprego. Nesse caso, o benefício de pensão por morte, ainda que reduzido, deverá ser pago a um dependente cujo chefe de família houver completado, de acordo com as regras internas do país, um período de carência de cinco anos de contribuições ou de emprego. Na hipótese de o sistema previdenciário do país membro considerar como dependentes as esposas e os filhos de todas as “pessoas ativas”, o benefício deverá ser pago a um dependente cujo chefe de família houver completado um período de carência de três anos de contribuições, sob a condição de ter sido efetuado, em nome deste chefe de família, no decurso de sua vida ativa, a metade do número médio anual de contribuições cujo número médio anual atinja uma determinada quantia.[11]

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O item 3 do artigo 63 prevê como carência máxima para concessão da pensão por morte cinco anos de contribuições, de emprego ou de residência, mas, nessa situação de contribuição inferior a 15 (quinze) anos, também autoriza que a renda mensal do benefício seja inferior à do beneficiário-padrão. O item 4 do mesmo artigo, a exemplo do anterior, autoriza a redução da renda mensal da pensão, em relação ao beneficiário-padrão, quando a legislação interna fixar a carência em período superior a cinco anos, mas inferior a 15 (quinze) anos.[12]

Finalmente, o item 5 do artigo 63 da Convenção nº 102 da OIT dispõe que uma duração mínima do casamento pode ser estipulada para que uma viúva sem filho, presumida incapaz de prover à própria subsistência, tenha direito à pensão por morte. Essa previsão tem dois sentidos. O primeiro é que a pensão por morte proteja uma família realmente formada, na qual o sustento do lar pelo cônjuge falecido realmente já tenha sido incorporado no patrimônio jurídico do cônjuge sobrevivente. Caso o falecimento tenha ocorrido com pouco tempo de união, é possível que inexista risco social a ser amparado, na medida em que o cônjuge sobrevivente poderia retornar para a sua fonte de sustento (próprio ou por terceiros) e padrão de vida anteriores ao casamento, o que tornaria desnecessária a proteção estatal. O segundo sentido da previsão de duração mínima do casamento para aquisição do direito à pensão é proteger o próprio sistema do risco da fragilidade moral do ser humano, evitando-se casamentos de conveniência, apenas para gerar o direito à pensão, quando se sabe de antemão que o segurado sem dependentes irá falecer, seja por idade avançada ou por doenças terminais.[13]

Por derradeiro, o artigo 64 da norma internacional sob análise determina que o benefício de pensão por morte seja concedido durante toda a duração do evento.[14]

Em breves linhas, são essas, então, as principais características do benefício de pensão por morte na Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho.


III. Considerações finais

Numa primeira leitura, o texto da Convenção nº 102 da OIT pode parecer bastante vago. Contudo, a regulamentação do benefício de pensão por morte é bastante abstrata para permitir uma maior flexibilidade e adaptabilidade ao ordenamento jurídico e à realidade social dos diversos países membros da OIT. A norma internacional não objetiva esgotar o tema, ao contrário, pretende garantir a todos os trabalhadores do mundo e a seus dependentes os benefícios previdenciários mínimos, podendo cada país membro, de acordo com a sua realidade social, acrescentar direitos que considerar justos e necessários.

Um segundo ponto são as reiteradas referências a chefe de família. Fez-se questão de reproduzir no estudo essa expressão sempre que ela era empregada nas regras da Convenção nº 102 da OIT, não só para dar maior fidedignidade ao texto, mas, principalmente, para demonstrar que o risco social inicialmente protegido pela Convenção era o desamparo, além dos filhos, da mulher pelo falecimento do homem que sustentava a família. Não se está definindo que o homem não tem direito à pensão por morte. Não é isso, até porque o princípio da isonomia é basilar para qualquer ordenamento jurídico. Contudo, a previsão original da norma internacional deve ser melhor analisada, e em cotejo com a evolução na sociedade, para que se descubra o tamanho do risco social que tanto homens como mulheres estarão submetidos pelo falecimento do cônjuge.


Notas

[1] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conheça a OIT: História. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/>. Acesso em: 22 mar 2013.

[2] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conheça a OIT: Apresentação. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/>. Acesso em: 22 mar 2013.

[3] BRASIL. Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 mar 2013, artigo 10, inciso V.

[4] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 102, de 1952: Normas mínimas da seguridade social. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/>. Acesso em: 22 mar 2013.

[5]Ibidem.

[6] Ibidem.

[7] Ibidem.

[8] Ibidem.

[9] Ibidem.

[10] Ibidem.

[11] Ibidem.

[12] Ibidem.

[13] Ibidem.

[14] Ibidem.

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Sobre o autor
Rodrigo Guimarães Jardim

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UnP). Graduado em Direito pela Universidade de Passo Fundo/RS (UPF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARDIM, Rodrigo Guimarães. As normas mínimas do benefício de pensão por morte na Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3853, 18 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26434. Acesso em: 19 abr. 2024.

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