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O exercício da função de assessor jurídico nos processos licitatórios:

competências e responsabilidades

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5. – Extensão da responsabilidade do Assessor Jurídico pela emissão de pareceres

Para esse exame, não seria redundânte lembrar que o assessor jurídico exerce a advocacia. E se é assim, é com esse espírito que deve ser estudado o assunto.

A Carta Política de 1988, em seu art. 133 discorre que: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (grifamos).” Já o Estatuto da OAB, no art. 32, aponta que:

“Art. 32 - O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.”

Disso decorre que, apesar de ser detentor de certas garantias, o advogado será responsável por seus atos, mas apenas quando agir com dolo ou culpa.

A culpa é classificada em culpa stricto sensu também chamada de culpa aquiliana e culpa lato sensu, mais conhecida como dolo. Esta configura-se quando o resultado danoso é alcançado voluntariamente pelo agente e os efeitos de seu comportamento são deliberadamente procurados por ele.

A culpa stricto sensu caracteriza-se pelo comportamento negligente do autor do dano, abrangendo a imprudência e a imperícia, implicando, assim, abandono do dever de diligência ou da adoção de medidas capazes de evitar certos fatos considerados ilícitos.

No caso de serviços profissionais como os advocatícios, geralmente, a culpa em sentido estrito configura-se nas hipóteses de imperícia e imprudência. A primeira é a falta de aptidão para exercer uma atividade em que o conhecimento técnico é fundamental para seu exercício; a segunda, liga-se à falta de cuidado no desempenho da profissão. Nos casos de serviços advocatícios, segundo lição lapidar de Ricardo Vieira de Carvalho Fernandes[12], a imperícia e a negligência, no caso dos serviços de advocacia, caracterizam-se:

“Somente pela constatação de erro grave e inescusável. Isso porque a natureza de suas atividades, bem como a inviolabilidade funcional insculpida na Constituição (art. 133) impõem um regime diferenciado às suas funções essenciais, a permitir o exercício funcional com independência nas escolhas das teses, estratégias, argumentos, precedentes, recursos a serem utilizados. Diante disso, mesmo que a escolha não seja bem sucedida, esse fato não acarreta sua responsabilidade por simples erro.”

Nessa mesma direção, quando do exame do MS 24.073/02-STF, no qual o Tribunal de Contas da União pretendia responsabilizar o Assessor Jurídico juntamente com o administrador pela contratação sem licitação considerada ilegal, o Relator, Min. Carlos Veloso, assim se posicionou:

“Ora, o direito não é uma ciência exata. São comuns as interpretações divergentes de um certo texto de lei, o que acontece, invariavelmente, nos Tribunais. Por isso, para que se torne lícita a responsabilização do advogado que emitiu parecer sobre determinada questão de direito é necessário demonstrar que laborou o profissional com culpa, em sentido largo, ou que cometeu erro grave, inescusável.”

Em resumo, na atividade advocatícia, somente responde o profissional, o que inclui o advogado público, quando age com negligência ou imperícia, acarretando erro grave, inescusável. E com isso, o parecerista estará isento de responsabilidade quando defender tese aceitável, alicerçada em lição de doutrina e jurisprudência. O TCU acolhe essa tese, conforme se vê do julgado abaixo:

“O parecer jurídico e técnico não vincula o gestor, que tem a obrigação de examinar a correção dos pareceres, até mesmo para corrigir eventuais disfunções na administração e, portanto, não afasta, por si só, a sua responsabilidade por atos considerados irregulares pelo Tribunal de Contas da União.” (Acórdão 206/2007 Plenário)

Do exposto acima, e considerando a classificação das espécies de pareceres em facultativo, obrigatório e vinculante, a responsabilização do parecerista, nos dois primeiros casos, somente será possível quando o profissional atuar com desmazelo (negligência) e/ou sem um mínimo de cuidado técnico (imperícia). Seria a hipótese de um parecer calcado em tese flagrantemente contrária às normas vigentes, doutrina e jurisprudência majoritária, ou ainda emitido sem o devido cuidado de analise das peças processuais e informações constantes dos autos do processo, exatamente como foi analisado pela Corte Federal de Contas no precedente que abaixo se destaca:

“A conduta objeto da contestação diz respeito à emissão de parecer favorável à contratação direta, na qual se verificou a ausência de parâmetros ou de estimativas que refletissem o montante de recursos necessários para o alcance das metas acordadas. De acordo com o disposto no art. 26, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, entre os elementos necessários à instrução do processo de dispensa ou de inexigibilidade, inclui-se a "justificativa de preço" (inciso III). Todavia, conforme o exposto nos subitens 6.2.1.17 a 6.2.1.21 e 6.2.1.28, essa justificativa de preço não estava devidamente evidenciada nos autos da contratação, uma vez que não existiam parâmetros, baseados em levantamentos de preços, pesquisas de mercados ou técnicas estimativas consistentes, que pudessem subsidiar o gestor em sua decisão quanto ao preço a ser adotado. Ao emitir seu parecer, cabia ao Procurador Municipal, por dever de ofício, alertar o então Secretário de Saúde quanto a essa omissão, ou seja, à inobservância de um dos requisitos previstos no supracitado dispositivo legal, no entanto, apenas se manifestou no sentido de que o preço de custo da unidade mais a taxa operacional de 5% é aceitável (fl. 748 - Anexo 1 - vol. 3). Ante a insuficiência da fundamentação em seu parecer, torna-se o Sr.[consultor jurídico] co-responsável com o Sr. [gestor] pela irregularidade, sendo-lhe também devida a aplicação da multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992. Ressalte-se que foi essa a medida adotada por este Tribunal, em matéria similar, constante do Acórdão 994/2006-TCU-Plenário.” (Ac. 899/12-Plenário)

É que tanto no parecer facultativo como no obrigatório, o administrador público não está obrigado a agir de acordo com a conclusão do parecer, podendo de forma diversa decidir. Nesse caso, a atuação do Jurista é puramente consultiva, razão pela qual se lhe aplicam as garantias constitucionais e legais no campo da responsabilização. Mas na hipótese de o parecer ser de cunho vinculante, os efeitos de sua emissão são bem outros. Conforme já dito acima, no parecer vinculante, o parecerista compartilha a competência de decidir com o administrador e, por isso, com ele responde solidariamente na ilegalidade. Age com a competência — compartilhada — do administrador. Se o ato for deflagrado pelo administrador, este o fará de acordo com a conclusão do parecer ofertado (avis conforme). É a atual posição do STF:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA.

I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir.

II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato.

III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de segurança deferido.” (MS 24.631-6/DF)

Todavia, é imprescindível certo cuidado quanto à questão da configuração da negligência ou imperícia no exercício da advocacia consultiva. É bastante cediço, e já foi mencionado acima, que o Direito não é uma ciência exata e tampouco estanque. Bem ao contrário disso, trata-se de um campo do saber humano que permite variadas inflexões sob uma mesma hipótese, além de estar em constante evolução. A essa característica se aplica a celébre máxima de Pascal: “Quase nada há de justo ou injusto que não mude de natureza com a mudança de clima”. Transformações culturais, avanços tecnológicos, acontecimentos de grande repercussão entre outros fatores, provocam novas interpretações, novas visões sobre conceitos jurídicos e normas que já se haviam estabilizadas, a exigir do jurista olhar arguto e sensível a essas variações circunstanciais. Com sua peculiar percepção, Engish[13] constata que:

“Quando o jurista, situado no círculo das ciências do espírito e da cultura...olha derredor, tem de constatar angustiado e com inveja, que a maioria delas pode contar extra muros com um interesse, uma compreensão e uma confiança muito maiores do que precisamente a sua ciência...Sem grandes hesitações se depositará um livro de arqueologia ou história da literatura à mesa dos presentes, mas a custo se fará o mesmo com um livro jurídico.”

Assim, não se deve pretender retirar do jurista uma das funções que lhe é própria, na qualidade de cientista, que é justamente a de realizar novas descobertas. Não se pode considerar negligente o parecerista que defende tese nova (que, em princípio, não seria aquela abrigada pela doutrina e jurisprudência). Se dessa forma fosse considerado, estaríamos submetendo a Ciência Jurídica a um completo e definitivo sepultamento.

Pode (deve) o jurista lançar seu pessoal e íntimo olhar sobre as demandas que lhe são apresentadas para chegar a conclusões eventualmente vanguardistas, inovadoras. É dessa forma que se descobre o Direito. Não deve o jurista manter-se encarcerado por lições de outros jurisconsultos ainda que de reconhecido talento científico; menos ainda apegar-se de modo quase cego à jurisprudência, notadamente, pelo fato de que, não raro, um mesmo Tribunal profere decisões conflitantes para casos análogos. Deve refletir sobre os argumentos técnicos que fundamentam as lições constantes dos livros jurídicos e aplicá-los sobre o caso que se encontra sobre a sua mesa, mas acrescentar o seu elemento pessoal de convicção. Carlos Maximiliano[14] anota de modo habitualmente brilhante que:

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“Não há sistema de hermenêutica capaz de prescindir do coeficiente pessoal. A justiça depende, sobretudo, daqueles que a distribuem. O texto é a essência, é a matéria-prima, que deve ser plasmada e vivificada pela inteligência ao serviço de um caráter íntegro.”

Portanto, o enquadramento na culpa por negligência ou imperícia não deve ser tomado simplesmente porque o parecerista adotou tese ainda não defendida pela doutrina dominante ou adotada pelos Tribunais. Desde que o tenha feito de forma técnica e com profundidade científica, apontando, inclusive, em suas linhas, o reconhecimento de estar adotando conceito inovador, fazendo menção à tese majoritária, não há como tratá-lo como negligente, ainda que não seja acompanhado pelo Controle Externo ou pelo Judiciário.

Em síntese, se o parecer for de caráter facultativo ou obrigatório, somente será responsabilizado o parecerista se houver agido com negligência ou imperícia. O que significa dizer que caso o administrador decida na conformidade desse parecer, e seu ato seja, adiante, considerado ilegal pelo Controle Externo, não haverá que se falar em responsabilidade solidária.

Se for de caráter vinculante, como atua na qualidade de co-administrador, a responsabilidade solidária por prática de ato ilegal independerá de verificação de atuação com negligência ou imperícia.

Dito isto, adiante passaremos a analisar os desdobramentos da atuação do Assessor Jurídico nos processos de licitações e contratos. Em pese a ser a matéria fonte infinita de casuísmos, vamos nos deter em três situações fundamentais nas quais o jurista é costumeiramente instado a manifestar-se: a) exame de minutas de editais, contratos e seus aditivos; b) contratações por dispensa e inexigibilidade de licitação; e, na gestão dos contratos.


6. Análise de juridicidade do edital e seus anexos de acordo com o art. 38, parágrafo único: o que deve ser observado.

É aqui que surge com maior força de intervenção a manifestação do Assessor Jurídico. A lei geral de licitações dispõe, em seu art. 38, parágrafo único, o seguinte:

“As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)”

Nota-se, de forma clara e idônea, que a norma confere atribuição inusitada à intervenção do Assessor Jurídico. Não só obriga o gestor a previamente submeter as minutas de que trata o dispositivo em tela ao seu órgão consultivo jurídico, como outorga a este a competência de aprová-los. Significa, a contrário senso que também lhe deu autoridade para desaprová-los. Não parece pairar dúvidas sobre o caráter vinculante dessa manifestação, porquanto o legislador não teria exigido a mera oitiva conclusiva do jurista. Quer também, e principalmente, o seu “de acordo” (avis conforme). É mais um mecanismo de controle prévio da legalidade. Vejamos a lição de Marçal Justen Filho[15], in verbis:

“Ao examinar e aprovar os atos da licitação, a assessoria jurídica assume a responsabilidade pessoal solidária pelo que foi praticado. Ou seja, a manifestação acerca da validade do edital e dos instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos.”

Em excelente trabalho, Airton Rocha Nóbrega[16] reconhece que:

“O exame jurídico prévio de editais e de minutas de instrumentos contratuais não pode e não deve ser visto e tratado como mera formalidade, cumprida apenas  para o efeito de atender-se às determinações legais retromencionadas e que será retratada pela aposição de um mero visto do advogado nos instrumentos remetidos.”

Posição diversa assume Carlos Pinto Coelho Motta[17], para quem o dispositivo sub examine configurar-se-ia, no máximo, como de caráter obrigatório, e não vinculante. Justifica seu posicionamento argumentando que:

“A experiência administrativa tem revelado que, embora seja observada a obrigatoriedade do exame, e mesmo “aprovação”, de editais e contratos pela assessoria jurídica, nem sempre a autoridade administrativa superior vem a adotar os reparos e indicações eventualmente registrados no parecer como base para sua decisão ou aprovação final. No contexto habitual das organizações do setor público, a especificidade do papel do assessor ou consultor é sobremodo clara: seu pronunciamento deve ater-se estritamente ao campo técnico-especializado, relativo aos aspectos jurídicos, legais e doutrinários. Ele entretanto não deixa de perceber que, em inúmeras ocasiões e oportunidades, as decisões executivas assumem sua lógica operacional própria, que realmente não lhe cabe focalizar ou avaliar. Configurar-se-á talvez, nesses casos, um parecer obrigatório, mas de conteúdo não vinculante, a menos que a norma regulamentar do órgão/entidade especifique, exaustivamente, as situações em que a decisão não possa fugir aos termos do parecer.”

No mesmo sentido, se direciona a doutrina de Lucas Rocha Furtado[18], para quem:

“A correta definição do papel do órgão jurídico é aspecto fundamental na definição da sua responsabilidade, especialmente quando se tratar de falhas técnicas nos projetos em que atua, em razão do princípio da segregação das funções. (...) Não se deve esperar, especialmente em situações que requeiram elevado nível de conhecimento técnico, que os advogados sejam capazes de identificar eventuais falhas técnicas e que sejam capazes de refutá-las em suas manifestações jurídicas.”

Em que pese o reconhecido grau de respeitabilidade de seus autores, penso ser o entendimento ora exposto carente de pequeno, porém, importante reparo. É que tanto Motta, quanto Furtado claramente nutrem preocupação com a questão da especialidade técnica do objeto que a administração pretende contratar. Em ambas as citações os argumentos que tendem a “desenquadrar” o parecer do art. 38, par. único da Lei de Regência do caráter vinculante em função de que os textos a serem submetidos à análise carregam informações técnicas da área específica do respectivo objeto. Questões técnicas de ordem operacional. Tal preocupação é claramente legítima e razoável, mas não é suficiente para afastar o que a própria letra da lei determina de forma objetiva. O texto normativo não deixa qualquer névoa de dúvidas ao tratar da manifestação na qualidade de “ato de aprovação”. Sendo assim, tal manifestação é inarredavelmente, de caráter vinculante.

Foi exatamente nessa direção que perfilhou o Ministro Joaquim Barbosa ao declarar seu voto-vista no já citado MS 24.584-DF. Na oportunidade, afirmou de forma categórica que:

“A exigência legal de aprovação das minutas pela assessoria jurídica da Administração caracteriza, sem dúvida, vinculação do ato administrativo ao parecer jurídico favorável. Note-se que a lei não se contenta em estabelecer a obrigatoriedade da mera existência de um parecer jurídico de conteúdo opinativo ou informativo. Não. Ela condiciona a prática dos atos ao exame e à aprovação do órgão jurídico.”

Outra não é a posição do Tribunal de Contas da União, cujos precedentes são uniformes quanto a esse entendimento

“Observe a legislação pertinente quando da elaboração de pareceres, uma vez que a Corte de Contas tem se pronunciado no sentido de que cabe responsabilização ao parecerista jurídico instado a se manifestar acerca de termos de contrato, convenio etc., posição reafirmada pelo STF no MS no 24.584. (Acórdão 3923/2009 Primeira Câmara). No mesmo sentido: Ac. 462/2003-Plenário; Ac. 1.260/2003-Plenário; Ac. 342/2007, 1ª Câmara; Ac. 2.199/2008-Plenário.

Associando-me, entretanto, à preocupação dos eminentes juristas acima citados, por óbvio que a vinculação da manifestação somente poderá ser enxergada no que concerne às questões de ordem técnico-jurídicas. Não é possível imaginar que o jurista venha a corrigir defeito técnico no Projeto Básico num edital de obra pública; tampouco debater a opção pela tecnologia a ser empregada na área de TI, pois o jurista não tem conhecimento técnico para verificar se determinada funcionalidade fere ou não o caráter competitivo da licitação; ou ainda, a quantificação do índice de produtividade estabelecido no Termo de Referência para contratação de um serviço terceirizado.

Todavia, não poderá afastar-se da responsabilidade daquilo que lhe é próprio; das cláusulas de natureza jurídica. Se o edital de licitações para aquisição de um equipamento, por exemplo, indicar marca específica sem justificativa, o parecerista tem o dever de ofício de não aprovar a minuta, pois tal exceção depende de justificativa técnica, conforme doutrina e jurisprudência unânime. Se não o faz, o edital será considerado nulo, com responsabilização da autoridade que deflagrou o torneio e, solidariamente, o parecerista que aprovara a minuta sem o destaque necessário.

Diante desse quadro, caso declarada a nulidade da licitação ou do contrato, cujos textos das peças que lhe deram causa foram submetidos à manifestação do órgão jurídico, conforme determinação no art. 38, par. único da L. 8.666/93, a responsabilidade somente se estenderá ao parecerista na hipótese de o elemento causador da nulidade tiver incidido em questão técnico jurídica.

6.1 A questão das minutas-padrão de editais e contratos.

Providência que já faz parte da rotina de inúmeros órgãos e entidades do Poder Público, inclusive, incentivada pelos órgãos de controle externo, é a elaboração de minutas-padrão de editais e contratos. Esse procedimento em muito agiliza os processos de contratação na medida em que se gasta muito menor tempo para realizar os atos necessários à formalização do ajuste. Ademais disso, também tem o condão de estabilizar as cláusulas que poderiam sugerir dúvidas das unidades técnicas, evitando o excesso de retrabalho com idas e vindas das minutas ao órgão consultivo para reparos necessários.

Há farta jurisprudência na Corte Federal de Contas[19] no sentido de que toda minuta deva ser examinada pela assessoria jurídica. Porém também é entendimento pacificado que nesses casos, havendo mera adaptação do ato convocatório à minuta-padrão, esta, necessariamente aprovada pelo órgão jurídico, tais minutas adaptadas não prescindem de parecer autônomo, o que não afasta o caráter vinculante da manifestação, como também a responsabilidade por eventual ilegalidade. Veja-se o precedente abaixo:

“Dessa forma, ao aprovar minutas-padrão de editais e/ou contratos, a assessoria jurídica mantém sua responsabilidade normativa sobre procedimentos licitatórios em que tenham sido utilizadas. Ao gestor caberá a responsabilidade da verificação da conformidade entre a licitação que pretende realizar e a minuta-padrão previamente examinada e aprovada pela assessoria jurídica. A despeito de haver decisões do TCU que determinam a atuação da assessoria jurídica em cada procedimento licitatório, o texto legal - parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993 - não é expresso quanto a essa obrigatoriedade. (...) Assim, a utilização de minutas-padrão, guardadas as necessárias cautelas, em que, como assevera o recorrente, limita-se ao preenchimento das quantidades de bens e serviços, unidades favorecidas, local de entrega dos bens ou prestação dos serviços, sem alterar quaisquer das cláusulas desses instrumentos previamente examinados pela assessoria jurídica, atende aos princípios da legalidade e também da eficiência e da proporcionalidade.” (Acórdão 1504/2005 Plenário)

Por assim dizer, caso o órgão adote a rotina de fixar minutas-padrão, poderá dispensar a ida de cada processo ao órgão consultivo para aprovação, pois esta estará configurada na aprovação da minuta-padrão, o que não afastará a responsabilidade do parecerista sobre seu teor, a despeito de não ter se manifestado especificamente naquele processo.

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Sobre o autor
Luiz Claudio de Azevedo Chaves

Graduado em Administração e Direito, especialista em Direito Administrativo pela UCAM. É Consultor Técnico da o Andreatta & Hinrichsen Advogados Associados e do Instituto Brasileiro de Administração Municipal-IBAM. Professor da FGV, da PUC-RIO, Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, Escola de Administração Judiciária – ESAJ/TJRJ, Escola Nacional de Serviços Urbanos – ENSUR/IBAM. Autor da obra: Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei 8.666/93, Lumen Juris/IBAM 2011.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Luiz Claudio Azevedo. O exercício da função de assessor jurídico nos processos licitatórios:: competências e responsabilidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3871, 5 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26597. Acesso em: 2 mai. 2024.

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