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Lei n. 12.846/2013: as inovações legislativas no combate à corrupção

Leia nesta página:

Não seria atecnia jurídica a aplicação analógica das lições advindas da responsabilização civil trazida pelos artigos 932 e 933 do Código Civil na aplicação da responsabilização objetiva da empresa.

Em cumprimento à agenda positiva adotada pelos Poderes Legislativo e Executivo - muito em razão das recentes manifestações populares, diga-se - foi sancionada no dia 01 de agosto de2013 a Lei 12.846/2013, já denominada de “Lei Anticorrupção”. 

O grande foco da norma em comento, como pontuado na sua exposição de motivos, é suprimir lacuna “existente no sistema jurídico pátrio no que tange à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública, em especial por atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos”.

Dentro da ótica legislativa, enquadraram-se nos termos da Lei todos aqueles atos que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da Administração Pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, tais como:

a) subornar agentes públicos;

b) subvencionar a prática de ilícitos;

c) utilizar ‘laranjas’ para ocultar os beneficiários dos atos;

d) criar empecilhos à investigação e à fiscalização.

Especificamente em relação às licitações, principal foco dos atos lesivos, amoldaram-se aos termos da Lei, por também serem considerados lesivos à Administração Pública, as seguintes condutas:

a) frustrar de qualquer modo a licitação;

b) obter de modo fraudulento (por meio de modificações ou prorrogações) benefício indevido;

c) manipular o equilíbrio econômico-financeiro de contrato;

d) criar de modo fraudulento pessoa jurídica para participar de licitação ou celebrar contrato administrativo.

Nesta linha, estabelece a referida Lei a responsabilidade administrativa e civil das pessoas jurídicas por atos praticados em seu nome lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira e prevê rigorosas sanções.

Vale registrar que neste ponto, a Lei Anticorrupção inaugura uma inovação legislativa que deve ser recebida com alguma cautela: a responsabilização objetiva.

Segundo disposto no artigo 2º da referida norma, “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.”

Assim, a pessoa jurídica poderá ser punida por determinada conduta ilegal praticada  por seus administradores, empregados ou representantes que causem prejuízo ao patrimônio público nacional ou estrangeiro, ainda que com esta conduta não tenha cooperado ou concordado.

A cautela com que deve ser recebida a comentada inovação se funda nos textos normativos já existentes sobre matéria análoga: a Improbidade Administrativa.

Pois bem.

A lógica utilizada pelo legislador até a edição da comentada lei era a responsabilizaçãosubjetiva dos agentes públicos e privados envolvidos em atos de Improbidade Administrativa.

Neste ponto, o saudoso NELSON HUNGRIA definiu com admirável percuciência a necessidade de comprovação do vínculo subjetivo que vincula o agente ímprobo ao resultado antijurídico nos termos seguintes:

“Somente com a verificação in concreto desse nexo subjetivo se pode atribuir ao agente, para o efeito da punibilidade, uma conduta objetivamente desconforme com a ordem ético-jurídica, ou reconhecer sua incidência no juízo de reprovação que informa o preceito penal. Para que se considere um fato como punível, não basta a existência do vínculo causal objetivo entre a ação (ou omissão) e o resultado, nem o seu enquadramento formal num artigo da lei penal; é necessária a culpabilidade (culpa sensu lato) do agente, isto é, que tenha havido uma vontade de exercer-se, livre e conscientemente, para o resultado antijurídico ou apesar da representada probabilidade de que este acorresse, ou, pelo menos, revele, ainda que sem previsão do resultado, inescusável inadvertência ou imponderação.

Só em tais hipóteses se apresenta o menosprezo ou descaso pela ordem jurídica e, portanto, a censurabilidade que justifica a punição (malum passionis ob malum actionis). Sem culpabilidade não é a admissível a irrogação da pena. Nulla poena sine culpa. É este um princípio central do direito penal moderno, a que o nosso Código vigente se ajustou, repelindo irrestritamente a chamada responsabilidade objetiva ou sem culpa. A culpabilidade assume duas formas únicas: o ‘dolo’ e a ‘culpa’ (stricto sensu). Dolo é a vontade livre e conscientemente dirigida ao resultado antijurídico ou, pelo menos, aceitando o risco de produzi-lo. Culpa é a omissão da atenção, cautela ou diligência normalmente empregadas para prever ou evitar o resultado antijurídico. No dolo, ação (ou omissão) e resultado são referíveis à vontade; na culpa, de regra, somente a ação (ou omissão)”. (Comentários ao Código Penal. v.1, t2, 1959, p. 112.)

O ensinamento acima transcrito se alinha com a lógica do ato ímprobo ou praticado com corrupção. Isto porque, conforme apontado no veto presidencial, a lógica da Lei Anticorrupção é a responsabilização daqueles que “(...) cometam atos contra a administração pública”.

Neste ponto, considerando que o verbo cometer, inexoravelmente, está imbricado com a ideia da vontade livre e consciente de realização de determinado ato, parece-nos dissonante sua associação com a responsabilização objetiva.

Ilustrando esta dissonância, assim decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“O Direito Penal moderno é Direito Penal da culpa. Não se prescinde do elemento subjetivo. Intoleráveis a responsabilidade objetiva e a responsabilidade pelo fato de outrem. Conduta é fenômeno ocorrente no plano da experiência. É fato. Fato não se presume. Existe, ou não existe. O Direito Penal da culpa é inconciliável com presunções de fato. Não se pode punir alguém por crime não cometido ...”  (STJ, 6ª Turma, RE 46.424-2/RO, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 8.8.1998).

Contudo, a integração entre os textos normativos vigentes no ordenamento jurídico conduz a outras possíveis interpretações desta nova modalidade de responsabilização em matéria de corrupção.

Com efeito, preveem os artigos 932 e 933 do Código Civil a responsabilidade objetiva em algumas situações. Vejamos:

 Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

(...)

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

A comparação entre modalidade de responsabilidade prevista na nova legislação e aquela posta pelo Código Civil indica uma identidade clara.

Isto porque, a Lei Anticorrupção, ao prever que a empresa será objetivamente responsável pelos atos de seus administradores, empregados ou representantes, não pode se divorciar da objetividade trazida pelo Código Civil, nos já mencionados artigos 932 e 933, especialmente no inciso III daquele, que trata das empresas.

Com efeito, o ponto importante que deve ser ponderado nesta análise é que a objetividade trazida pelo Código Civil para a responsabilização do empregador (leia-se, empresa) não dispensa, para sua incidência, a análise e comprovação do dolo ou culpa grave dos seus empregados ou representantes.

Nestes termos, será objetivamente responsável a empresa somente depois de cristalizada a responsabilização subjetiva do empregado ou representante.

Dentro desta ótica,  comprovando-se o agir culposo do empregado ou preposto, s e somente assim,  não se discute o dever da empresa de indenizar, ressalvando-se o direito de regresso contra o empregado.

Em conclusão, não seria nem de longe atecnia jurídica a aplicação analógica das lições advindas da responsabilização civil trazida pelos artigos 932 e 933 do Código Civil na aplicação da responsabilização objetiva da empresa.

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Isto porque, parece-nos que a  mesma disciplina será observada com a Lei em comento.

Pontuada a questão da responsabilidade objetiva, cumpre agora verificar quais as sanções previstas pela nova Lei e suas aplicações práticas.

A pessoa jurídica cujo empregado ou administrador praticar qualquer dos atos acima referidos, deverá ressarcir a Administração Pública e ser punido com:

a) multa, no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa;

b) publicação da decisão condenatória;

c) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração;

d) suspensão ou interdição parcial das atividades;

e) dissolução compulsória;

f) proibição de receber incentivos, empréstimos etc. de órgãos públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo de 1 a 5 anos.

Poderá a pessoa jurídica, por exemplo, ser condenada a pagar uma multa de até 20% do seu faturamento em razão de um empregado seu oferecer suborno a um funcionário público, independentemente de ele ter agido por conta própria, sem a concordância da empresa e dirigentes.

Relevante mencionar que a punição da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa que tenha participado da infração.

As sanções da Lei, logo se vê, são rigorosas, podendo ser fatais para as empresas. Como se viu acima, uma empresa condenada nos termos da Lei Anticorrupção poderá ser compulsoriamente dissolvida ou ter sua atividade suspensa e ficar proibida de obter empréstimos ou financiamentos de instituições financeiras públicas.

Como forma de incentivar as empresas a admitirem determinadas infrações que tenham praticado e a denunciarem outros envolvidos, a Lei Anticorrupção autoriza a celebração de Acordo de Leniência com a Administração Pública. Trata-se este de um ajuste que permite à empresa obter uma atenuação das sanções, caso admita sua participação no ilícito e colabore efetivamente nas investigações para identificação dos demais envolvidos.

Neste ponto, o acordo de leniência não é novo em nosso ordenamento jurídico, na medida em que restou contemplado na Lei nº 12.529/ 2011, que concebeu o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Celebrado o Acordo de Leniência e cumprido, a pessoa jurídica poderá ter a isenção da pena de proibição de obtenção de incentivos, empréstimos etc., a redução do valor da multa em 2/3 e a isenção da pena de publicação da condenação em meios de comunicação de grande circulação.

Assim, apesar das cautelas com que devem ser recebidos alguns pontos da Lei Anticorrupção, esta breve análise deixa claro que seu escopo principal é de engrossar o sistema de leis voltadas à responsabilização daqueles que causem danos à Administração Pública, do qual fazem parte, entre outras, a Lei de Improbidade e a Lei de Licitações.

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Sobre o autor
Luiz Gustavo de Oliveira Santos

Advogado na Construtora OAS S.A, Graduado em 2010 pela Universidade Mackenzie, Especializando em Direito Processual Civil pelo COGEAE-PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Luiz Gustavo Oliveira. Lei n. 12.846/2013: as inovações legislativas no combate à corrupção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3877, 11 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26680. Acesso em: 23 nov. 2024.

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