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A impossibilidade do Ministério Público conceder remissão acompanhada de medida sócio-educativa

01/02/2002 às 01:00

Resumo:


  • O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a remissão como medida para exclusão ou suspensão do procedimento judicial para apuração de ato infracional, sendo aplicada pelo Ministério Público ou pelo juiz.

  • A remissão pelo Ministério Público é uma forma de não iniciar o procedimento judicial, enquanto a remissão pelo juiz pode incluir a aplicação de medidas socioeducativas, com exceções.

  • A jurisprudência e a Súmula nº 108 do Superior Tribunal de Justiça estabelecem que a aplicação de medidas socioeducativas é competência exclusiva do juiz, e não do Ministério Público.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) estabeleceu a figura da remissão sob duas modalidades, sendo uma de atribuição do Ministério Público (art. 126 caput) e outra de competência do juiz (arts. 126, Parágrafo único e 127).

A primeira só é cabível quando ainda não iniciado o procedimento judicial para apuração do ato infracional. A remissão aí tem sentido de exclusão do procedimento, quer dizer, abdicação do direito-dever de representação. Uma espécie de perdão concedido pelo Ministério Público.

A Segunda, de competência exclusiva do Poder Judiciário implica, necessariamente, no início do procedimento e tem o condão de suspender ou extinguir o processo, podendo neste caso, aí sim, incluir, eventualmente, a aplicação de medida prevista em lei, com as exceções cogitadas pelo próprio art. 127 do ECA, ou seja, exceto a colocação em regime de semiliberdade e internação.

Assim, o disposto no art. 127, quanto à inclusão de outras medidas sócio-educativas, não se aplica à remissão concedida pelo Ministério Público, mas apenas ao juiz, depois de iniciado o procedimento, via representação. Essa assertiva é extraída de interpretação sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente e, ainda, considerando os princípios da norteadores da jurisdição.

Coerentemente, o art. 148, II do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece entre a competência da Justiça da Infância e da Juventude, a concessão da remissão como forma de suspensão ou extinção do processo; já o art. 201, I, diz ser da atribuição do Ministério Público, conceder remissão como forma de exclusão do processo.

Ora, se se propõe a aplicação de medida sócio-educativa com a remissão concedida pelo Ministério Púbico, por vias oblíquas não está havendo exclusão do processo, eis que o cumprimento da medida de prestação de serviço à comunidade, v.g, ou outra exige acompanhamento do Juízo da Infância e Juventude, inocorrendo exclusão do processo propriamente dito. A inclusão na remissão, de outra medida sócio-educativa, portanto, é dada somente à autoridade judiciária, como forma de extinção ou suspensão do processo.

A esse respeito preleciona JOSÉ DE FARIAS TAVARES[1]:

A remissão de que fala este artigo não é tão-somente aquela referida no artigo anterior que, impropriedade de expressão à parte, consiste na abstenção do Ministério Público ao deixar de provocar o ajuizamento das medidas. Aqui se inclui, e, mais apropriadamente, o poder conferido ao Juiz da Infância e da Juventude, como declara o art. 148, II, de extinguir o processo em curso, ou suspender a execução da sentença, tendo em vista a conveniência social.

Em verdade, a remissão concedida pelo Ministério Público a que se refere o ECA assimila-se ao pedido de arquivamento do inquérito policial. A corroborar essa asseveração, o art. 181, § 2º do mesmo Diploma legal veicula norma semelhante à do art. 28 do Código de Processo Penal, demonstrando que a remissão concedida pelo Órgão Ministerial implica, necessariamente, no arquivamento do feito. Novamente, JOSÉ DE FARIAS TAVARES[2] obtempera:

Como diz o § 1º deste art. 181 sob exame, o magistrado poderá atender de logo o pedido do Representante do Ministério Público concedendo liminarmente a remissão, com o conseqüente arquivamento dos autos. (grifei)

A jurisprudência é pacífica. Os tribunais pátrios entendem que a aplicação de medida sócio-educativa é de exclusiva alçada do Poder Judiciário. Ao Ministério Público é defeso fazê-lo, pois extrapola suas atribuições constitucionais, invadindo seara própria do poder jurisdicional, além de fugir completamente dos limites conceituais da remissão. Ainda que não se trate de sanção criminal, assemelha-se em tudo a esta, exigindo ato positivo da autoridade judiciária e não mera homologação. Eis ementas elucidativas dos Egrégios Tribunais de Justiça de São Paulo e Goiás:

MENOR - Medida sócio-educativa - Concessão pelo Ministério Público - Inadmissibilidade - Atribuição exclusiva da autoridade judiciária - Artigo 5º, XXXV da Constituição da República - Recurso provido.[3]

MENOR - Remissão - Concessão pelo Ministério Público - Imposição concomitante de advertência - Inadmissibilidade - Aplicação de medida sócio-educativa que é de atribuição exclusiva do Poder Judiciário - Recurso não provido. Se o Ministério Público deseja a advertência do adolescente, deve requerer ao Magistrado, em regular representação, a aplicação dessa medida, a qual só poderá ser imposta após a observância do procedimento legal previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. (grifei) [4]

MENOR - Medida sócio-educativa - Advertência - Concessão de remissão pelo Ministério Público - Inadmissibilidade - Aplicação de qualquer medida sócio-educativa reservada ao poder jurisdicional - Inteligência dos artigos 146 e 148, I do Estatuto da Criança e do Adolescente - Recurso não provido[5].

Apelação. Estatuto da Criança e do Adolescente. Conhecimento. Remissão concedida pelo Ministério Público com aplicação de medida sócio-educativa: inadmissibilidade. Homologação pelo Juiz. - Embora existam controvérsias sobre a natureza da decisão homologatória proferida pelo juiz de primeiro grau, em se tratando de direito do menor, questão de ordem pública, havendo dúvida ou interpretação controvertida sobre o cabimento do recurso, dele se conhece. - O Estatuto da Criança e do Adolescente defere ao Promotor de Justiça a prerrogativa de conceder remissão, na fase pré-processual, mas medida sócio-educativa só pode ser aplicada pelo órgão jurisdicional competente. - A homologação, contra a qual se apelou, que validou, tacitamente, a medida sócio-educativa aplicada pelo Ministério Público, sem que dos autos aflorem indícios seguros da materialidade e da participação, merece revista. - Apelo parcialmente provido".[6] (destaque inserido)

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Hoje, o tema não suscita maior discussão a nível jurisprudencial. O Colendo Superior Tribunal de Justiça, responsável último pela interpretação da legislação federal, após reiterados julgados dos tribunais estaduais, sintetizou o assunto no seguinte verbete:

SÚMULA Nº 108. A APLICAÇÃO DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS AO ADOLESCENTE, PELA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL, É DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO JUIZ.

Assim, se o representante do Ministério Público vislumbrar a necessidade de aplicação de medida sócio-educativa, deve oferecer representação, iniciando-se o procedimento previsto na Lei 8.069/90. O magistrado, entretanto, após tomadas as providências referidas nos arts. 184, 185 e 186 caput,do ECA poderá conceder remissão e aplicar quaisquer das medidas sócio-educativas, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação (ECA, art. 127).

Na hipótese de o Ministério Público conceder remissão ao adolescente e ao mesmo tempo fazer acompanhar de medida sócio-educativa, caberá ao juiz homologar unicamente a remissão, deixando de fazê-lo em relação à medida sócio-educativa, conforme inteligência do art. 181 caput, in fine, da Lei 8.069/90.


Notas

1.Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 2ª edição, editora Forense, comentando o art. 127, p. 111.

2.ob. cit., p. 148

3.(Relator: Ney Almada - Apelação Cível n. 17.902-0 - Mauá - 21.07.94)

4.(Relator: Ney Almada - Apelação Cível n. 17.610-0 - Mauá - 21.07.94).

5.(Relator: Nigro Conceição - Apelação Cível n. 16.794-0 - Mogi das Cruzes - 14.04.94)

6 (Órgão Julgador: TJGO Conselho Superior da Magistratura. Relator: Des Arinam de Loyola Fleury. Diário da Justiça: 12335 de 24/6/1996 pág. 5.Recurso: Apelação (E.C.A.) nº 01-1/288)

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Sobre o autor
Éder Jorge

Juiz de Direito no Estado de Goiás. Professor-tutor da ENFAM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORGE, Éder. A impossibilidade do Ministério Público conceder remissão acompanhada de medida sócio-educativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2683. Acesso em: 18 dez. 2024.

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