O DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO: O STF E QUESTÃO DO ART. 6º DA LC N.º 105

16/03/2014 às 20:19

Resumo:


  • O sigilo bancário é protegido pela Constituição Federal de 1988 como parte do direito à intimidade e privacidade, mas não é um direito absoluto, podendo ser relativizado em prol de interesses públicos.

  • A Lei Complementar nº 105/2001 permite que a Administração Tributária acesse dados bancários dos contribuintes, o que gera debates sobre sua constitucionalidade e a necessidade de proteção dos direitos individuais.

  • O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se debruçado sobre a questão, com decisões que ora apontam para a constitucionalidade da transferência de informações ao Fisco, ora para a inconstitucionalidade por potencial violação ao direito à privacidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O interesse acerca do sigilo bancário e suas implicações na ordem jurídica são elementos que povoam as discussões doutrinárias e jurisprudenciais. A edição da LC n.º 105/2001 trouxe novos contornos ao tema, versando sobre isso o presente artigo.

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O sigilo bancário é assunto extremamente delicado por envolver nuances da vida privada e interesse público. Antes, porém, de adentrar no cerne da questão, deve-se ter uma delimitação do conceito do sigilo bancário. Na tentativa de cumprir essa hercúlea tarefa, inúmeras teorias foram desenvolvidas.

Prevalece, no Brasil, a teoria do direito à intimidade, também conhecida teroia do direito fundamental, a qual se baseia no próprio direito individual à intimidade e vida privada e ao sigilo de dados, previstos no art. 5º, incisos X e/ou XII, da Constituição Federal de 1988.

2. O SIGILO BANCÁRIO NA ORDEM CONSTITUCIONAL

Dispõe a Constituição Federal o seguinte, no seu art. 5º:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Sobre tal inciso, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2001, p. 71) aduzem que tal garantia se traduz em obstar a intromissão de terceiros na vida privada, bem como impedir a publicidade de informações que dizem respeito a essa, sendo difícil precisar a demarcação da esfera íntima de cada um.

A Constituição Federal alberga, também, o direito à inviolabilidade de dados, o qual, segundo Alexandre de Moraes “complementa a previsão ao direito à intimidade e vida privada (art. 5º, X), sendo ambas as previsões de defesa da privacidade regidas pelo princípio da exclusividade (...)” (MORAES, 2008, p. 69). Discorrendo sobre o tema, o mesmo autor considera que tanto as informações fiscais, quanto as bancárias, são patrimônios que integram a vida privada da pessoa física ou jurídica, estejam em poder dos bancos, da Receita Federal, ou de órgãos congêneres (2008, p. 70).

3. A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELA AUTORIDADE AMDINISTRATIVA

A corrente de juristas que faz uma exegese contrária às disposições da LC n.º 105/2001 alegam que o direito ao sigilo bancário encontra-se resguardado pela seara dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos, estando abarcado pelo direito à privacidade e à intimidade, bem como podendo ser enquadrado no direito ao sigilo de dados.

Ives Gandra Martins também alega que tal direito estaria protegido por cláusula pétrea, não sendo passível de supressão ou alteração, tampouco sendo possível ao Poder Judiciário permitir a quebra desse direito (MARTINS, 2000, p. 66).

Ressai das lições esposadas pelos juristas que defendem a inconstitucionalidade do acesso da Administração Tributária aos dados bancários dos contribuintes que, muito embora afirmem que o sigilo desses dados deve ser conservado por ser uma expressão do direito individual constitucional à privacidade, também reconhecem que ele poderá ceder diante de interesses públicos justificáveis e plausíveis. Haveria, então, uma relativização do segredo, a qual somente se materializaria por meio de decisão do Poder Judiciário, e não por um acesso imediato dos fiscais tributários – através da aplicação do princípio da reserva de jurisdição.

O posicionamento pela inconstitucionalidade da LC n.º 105/2001 pode ser sintetizado nas palavras de Melissa Folmann (2008, p. 40), a qual leciona que

[…] com essa nova legislação não só o direito ao sigilo se vê abalado, como também o direito à privacidade, à intimidade, ao devido processo legal, à presunção de inocência, e o princípio da tripartição de poderes, entre outros.

Mas, em que pesem as respeitáveis posições e argumentos em favor da declaração de inconstitucionalidade das disposições da LC n.º 105/2001, estas se mostram insuficientes se cotejadas com outras razões de ordem e interesse públicos.

Primeiramente, deve-se registrar que, de fato, o sigilo bancário no ordenamento jurídico pátrio se encontra albergado pelos direitos individuais fundamentais, quer se encaixe como uma das facetas do direito à intimidade e/ou vida privada – art. 5º, inciso X da CF/88 -, quer como inserto no conceito de “dados” - art. 5º, inciso XII, CF/88.

É de se ressaltar, de pronto, que há muito tempo já está assentado na doutrina e na jurisprudência que inexistem direitos absolutos e, inclusive aqueles protegidos por cláusula pétrea são passíveis de sofrerem restrições ou abrandamentos.

Dentro desse panorama, a LC n.º 105/2001 apenas aproveitou-se dessa flexibilidade dos direitos individuais em face dos interesses públicos, conjugando-a com previsão contida no art. 145, §1º da Constituição Federal, para instituir uma nova prática administrativa, não o tendo feito, contudo, de forma desproporcional, uma vez que impôs requisitos a serem observados.

Fica evidente que não se trata de uma nova situação criada pelo fiscal, sendo a interferência do Poder Judiciário desnecessária, já que o próprio Fisco detém as informações globais sobre o patrimônio e rendas dos contribuintes, as quais, dependendo do caso, precisarão de uma investigação administrativa.

Sobre o postulado da reserva de jurisdição, como ocorre nos casos do art. 5º, incisos XI, XII, LXI, da CF/88, este não prospera. Isso porque, nos casos arrolados, a Constituição expressamente identifica a indispensabilidade da intervenção do Poder Judiciário, não estando inserido, dentre elas, porém, o acesso às informações bancárias dos contribuintes. De fato, a própria Constituição trouxe o mecanismo essencial que legitima o art. 6º da LC n.º 105, quando prevê, no art. 145, §1º, a possibilidade do Fisco de identificar, “respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira (2004, p. 137), esposando seu entendimento na linha aqui adotada, também afirma inexistir na Constituição Federal previsão acerca da reserva de jurisdição em relação ao sigilo bancário, sendo os órgãos fazendários legitimados a extrair informações bancárias dos contribuintes, com fulcro no art. 145, §1º, da Carta Magna.

Por fim, deve ser assinalado que a previsão do art. 6º da LC n.º 105 não comporta o propósito de quebra do sigilo bancário, conforme defendido por muitos.

O conceito de “quebra” de sigilo abrange a idéia de exposição da informação a terceiros, de saída da informação do âmbito daquele que juridicamente possui legitimidade para conhecê-la (respaldando esse conceito, Aldemário Araújo Castro)

Em sendo assim, não haveria quebra, e nem afronta aos direitos fundamentais, quando os dados bancários repassados ao Fisco permanecessem com traços sigilosos por parte deste – devendo-se tomar como atécnica a redação do art. 6º da LC 105, e não inconstitucional.

4. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O SIGILO BANCÁRIO

No contexto do Supremo Tribunal Federal há a tramitação de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade[1] que versam sobre o art. 6º da LC n.º 105/01, as quais não possuem julgamento definitivo, razão pela qual também não se possui uma posição consolidada da Corte.

O Pleno do STF, já analisou a matéria em algumas ocasiões, tendo como caso mais emblemático o Recurso Extraordinário 389.808 e a Ação Cautelar n.º 33. O Recurso Extraordinário questionou a constitucionalidade do art. 6º da LC n.º 105/01, alegando que o sigilo bancário é uma das projeções do direito à intimidade e à vida privada, matéria que apenas poderia ser decidida pelo Poder Judiciário. Posteriormente ao recebimento do Recurso Extraordinário, a parte recorrente ajuizou a Ação Cautelar n.º 33, em que objetivava a concessão de medida liminar para imprimir efeito suspensivo ao recurso anteriormente interposto.

A Ação Cautelar n.º 33 foi primeiramente colocada em pauta no STF, ocasião em que os Ministros entenderam que a requisição de informações bancárias, na forma do art. 6º da LC n.º 105 não se configuraria como uma quebra de sigilo, mas sim como uma transferência de informações que permaneceriam sob sigilo. A tese vencedora obteve 6 votos, e proclamou, em sede de cautelar, a constitucionalidade da transferência de informações sigilosas ao Fisco, na forma da lei complementar.

Posteriormente, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 389.808, de relatoria do Ministro Marco Aurélio (2010), a orientação da Corte tomou rumo diverso daquela adotada na Ação Cautelar 33.

A tese vencedora seguiu os parâmetros do voto proferido pelo relator, decidindo pela inconstitucionalidade do art. 6º da LC n.º 105/01, sob o argumento de que a quebra do sigilo deve ocorrer apenas em hipóteses excepcionais, como no curso de uma investigação criminal, mediante decisão fundamentada do Poder Judiciário. Outra situação que comportaria a quebra residiria nos casos em que há verbas públicas sob investigação, podendo o PGE tomar conhecimento dos dados bancários necessários. Entender pela constitucionalidade, conforme expôs o Ministro Marco Aurélio, seria acatar a existência de uma coação política proveniente da Receita Federal, que usaria os informes bancários para o lançamento e cobrança de tributos – situação vedada pelo ordenamento, e consolidada nas Súmulas 73, 323 e 547 do STF.

Acompanharam o voto do relator os Ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Antonio Cezar Peluso, e Gilmar Mendes. O Ministro Gilmar Mendes, porém, fez uma ressalva em relação ao voto do Ministro Marco Aurélio, apontando que a quebra do sigilo bancário pode ser perpetrada independentemente de haver persecução criminal, alcançando outras situações em que se revele proporcional e adequada, alterando o entendimento que inicialmente esposou no julgamento da Ação Cautelar n.º 33 – ocasião em que havia combatido a constitucionalidade das disposições da LC n.º 105/01.

Em sentido oposto: o Ministro Dias Toffoli, que conclamou ser o art. 5º da Constituição Federal a base do sigilo bancário, mas a prerrogativa da autoridade administrativa de afastá-lo também tem previsão constitucional, qual seja, o art. 145, §1º, na forma da LC n.º 105/01; a Ministra Carmem Lúcia, para quem o procedimento não agride nenhum direito fundamental, uma vez que não existe autorização para publicizar os dados bancários, mas somente de transferi-los, para que sejam cumpridas as finalidades da Administração Pública; o Ministro Ayres Britto, que argumentou que o art. 37, XXII da Constituição Federal prevê a atuação integrada da Administração Fazendária, prática que se mostra essencial para atingir as finalidades de arrecadação e fiscalização; e a Ministra Ellen Gracie, que opinou nos mesmos termos exarados em seu voto quando da Ação Cautelar n.º 33.

Com a mudança de paradigma do Ministro Gilmar Mendes, e a ausência do Ministro Joaquim Barbosa no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 389.808, a posição da Suprema Corte permanece uma incógnita, restando aguardar o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade que versam sobre o tema.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

CONCLUSÃO

O sigilo bancário, na atual ordem jurídica, está inserido no art. 5º, XII, da Constituição Federal, como sendo uma das nuances do direito individual ao sigilo de dados, também podendo ser enquadrado como um direito à intimidade.

Porém, mesmo sendo um direito individual com tutela constitucional, não se trata de direito absoluto - já reconhecido tal pelo STF. O sigilo bancário deve ceder em situações nas quais se privilegiem valores sociais de maior interesse do que o resguardo dos dados do cidadão. A possibilidade de acesso desses dados pelo Fisco também está sob a égide constitucional, com previsão no art. 145, §1º, da CF/88.

Apesar das inúmeras dúvidas que cercam o artigo 6º da LC 105, conclui-se que ele se encontra em perfeita consonância com a ordem jurídica ante a inexistência de dispositivo expresso que submeta a matéria à reserva de jurisdição, e a existência de determinação constitucional que possibilita ao Fisco tomar conhecimento das rendas e patrimônio dos contribuintes, preconizada pelo art. 145, §1º.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>

BRASIL. Lei n. 105, de 10 de janeiro de 2001. Lei Complementar número 105. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp105.htm>

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 389.808. GVA Indústria e Comércio S/A e União Federal. Relator: Marco Aurélio. 15 de dezembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Cautelar 33. GVA Indústria e Comércio S/A e União Federal. Relator: Marco Aurélio. 24 nov. 2010.

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2001.

FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. O sigilo bancário e a autoridade fiscal – constitucionalidade da lei complementar n.105/2001. In: Direitos Humanos no Cotidiano Jurídico. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 2004. p. 129-154.

FOLMANN, Melissa. Sigilo de dados e lei complementar 105/2001: princípios em conflito. In: MARINS, James. Tributação e sigilo bancário e Tributação e terceiro setor. Curitiba: Juruá, 2008. p. 27-42.

MARTINS, Ives Gandra. Direitos fundamentais do contribuinte. In: XXIV Simpósio Nacional de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 45-81.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008.

[1] Ações Diretas de Inconstitucionalidade números: 2.390, 2.386, 2.397, 2.389 e 2.406.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos