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Liberdade de expressão e de crença x direito a não discriminação:

“hate speech” homofóbico em livros didáticos religiosos

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23/03/2014 às 09:33
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6. Da possibilidade de limitação do “hate speech” no âmbito cível: da utilização das formas de tutelas jurisdicionais

A doutrina e a jurisprudência ao tratar dos casos de hate speech na totalidade dos casos trazidos a estudo analisam  sob o ponto de vista do âmbito penal. Entrementes, também é plenamente possível a aplicação da doutrina da proibição do hate speech na área cível. Isto porque, após o advento do neoconstitucionalismo, todas as ramificações do direito passaram a ter como ente central do sistema as normas constitucionais. Deste modo, não se pode restringir a apenas o âmbito penal, que é o último recurso(ultima ratio), a função de coibir  os atos de preconceito. Deve-se acrescentar, ademais, que da nova teoria da efetividade das normas constitucionais, ampliam-se os horizontes do direito de acesso à ordem jurídica justa, célere  e efetiva, o que conduz ao desenvolvimento da correta tutela de todos os direitos.

Na seara do hate speech, a tutela reparatória meramente em pecúnia, pode ser aplicada,  contudo, é provável que terá na maioria dos casos uma atuação bastante restrita para restauração do status quo ante. Isto porque, uma vez emanadas as palavras de ódio, o dinheiro não irá reparar o estrago já realizado.

Aqui a melhor solução é a utilização da cláusula aberta da tutela específica da obrigação, que permitirá o magistrado no caso concreto estabelecer a melhor forma para correção do dano( por exemplo, com uma retratação pública, obrigação de fazer campanhas esclarecedoras sobre a questão da causa homoafetiva, etc.).

Há que se trazer a baila também a possibilidade do uso da tutela inibitória, pois esta permite que não haja a perpetuação do dano no tempo. Por esta via, o legitimado poderá pedir judicialmente que os livros didáticos que tenham conteúdos discriminatórios sejam recolhidos ou que não sejam adotados em escolas públicas até que seja sanado o problema.

 Por fim,  pode-se ainda pugnar judicialmente, como forma de tutela preventiva, a condenação do Estado em obrigação de fazer, qual seja, a de obrigar ao MEC a fiscalizar o conteúdo dos livros didáticos religiosos, tal qual faz com os demais livros didáticos.


7. Conclusão

O discurso de ódio é um fator de desagregação social que impede a prática da verdadeira democracia. A permissão da veiculação de discurso discriminatório em livros didáticos religiosos, é nociva a sociedade. Desta forma, o Estado deve atuar de forma positiva coibindo e proibindo a prática do hate speech, analisando as circunstâncias em cada caso concreto, de acordo com as normas de ponderação trazidas por Robert Alexy. Na proibição do hate speech, deve fazer uso dos diversos tipos de tutela, garantindo-se o acessoa à ordem jurídica justa, célere e efetiva.


8. Referências

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios constitucionales, 1993.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 82.424/RS. Plenário. Relator Min. Maurício Corrêa, julgamento concluído em 19 set. 2003.

______.Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília,DF: Senado, 1988.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

DINIZ, Débora. Laicidade  e ensino religioso. Correio Braziliense, Brasília, 11 Mar. 2011, Disponível em: <http://www.educacionista.org.br/jornal/index.php?option=com_content&task=view&id=8229&Itemid=43> Acesso em: 30 jul. 2011.

______; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa.  Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: Letras Livres/ Editora UnB/Unesco Brasil, 2010.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a sério. Tradução e notas: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

LIMA, Isan Almeida. Neoconstitucionalismo e a nova hermenêutica dos princípios e direitos fundamentais. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2503, maio.2010. Disponível em <http://jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=14737>.  Acesso em 11 de Maio de 2010

SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. In: FARIAS, Cristiano Chaves. Leituras complementares de direito civil. Salvador: Jus Podivm, 2007.

______. Liberdade de expressão,  pluralismo e o papel promocional do Estado. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n º. 16 – maio / junho / julho / agosto de 2007 .

TORRES, Vanessa Carrião. O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: um desafio democrático para o Estado laico. Monografia (graduação em  Serviço Social - Faculdade de  Serviço Social). Universidade de Brasília, Brasília, 2009.


Notas

[1]BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília,DF: Senado, 1988.

[2]DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa.  Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: Letras Livres/ Editora UnB/Unesco Brasil, 2010.

[3]DINIZ, Débora. Laicidade  e ensino religioso. Correio Braziliense, Brasília, 11 Mar. 2011, Disponível em: <http://www.educacionista.org.br/jornal/index.php?option=com_content&task=view&id=8229&Itemid=43> Acesso em: 30 jul. 2011.

[4] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios constitucionales, 1993.

[5]DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[6] SARMENTO, Daniel. Liberdade de expressão,  pluralismo e o papel promocional do Estado. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n º. 16 – maio / junho / julho / agosto de 2007 .

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[7] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 437.

[8] Ibidem, p. 437.

[9] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 433.

[10] SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. In: FARIAS, Cristiano Chaves. Leituras complementares de direito civil. Salvador: Jus Podivm, 2007, p. 41-51. Narra ainda Sarmento que a suprema corte americana em um primeiro momento decidiu favoravelmente a limitação do hate speech  no caso Beauharnais VS. Illinois, condenando um indivíduo que promovera  a distribuição de panfletos em Chicago,  conclamando os brancos a se unirem contra os negros e evitarem a miscigenação racial, acusando os afrodescentes de serem os responsáveis por estupros, roubos e outros crimes, não se permitindo neste caso a difamação coletiva. Todavia, o entendimento do tribunal, foi alterado em outros precedentes, fixando posicionamento mais favorável a defesa da liberdade de expressão no caso Virginia VS. Black at al, sobre uma lei que criminalizava a queima de cruzes realizadas como intuito de intimidação de qualquer pessoa ou grupo, assentando que apesar de não poder haver punição a ideias racistas, os atos de ameaça são suscetíveis de repressão.

[11] POTIGUAR, Alex Lobato. Igualdade e Liberdade: a luta pelo reconhecimento da igualdade como direito à diferença no discurso de ódio. Dissertação (mestrado em Direito, Estado e Constituição) - Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: <http://repositorio.bce.unb.br/ bitstream/10482/5328/1/2009_AlexLobatoPotiguar_disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf >. Acesso em: 01Ago. 2011.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 82.424/RS. Plenário. Relator Min. Maurício Corrêa, julgamento concluído em 19 set. 2003.

[13] SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. In: FARIAS, Cristiano Chaves. Leituras complementares de direito civil. Salvador: Jus Podivm, 2007, p. 41-51.

[14] Na moderna concepção do direito civil, não mais se admite como proibida apenas as condutas tipificadas como ilícitas. Até mesmo uma conduta que genericamente é considerada lícita, no caso concreto, pode figurar como abusiva, caso viole a boa-fé objetiva.

[15] Para aprofundamento sobre o tema neoconstitucionalismo, cf. LIMA, Isan Almeida. Neoconstitucionalismo e a nova hermenêutica dos princípios e direitos fundamentais. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2503, maio.2010. Disponível em <http://jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=14737>.  Acesso em 11 de Maio de 2010.

[16]  DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[17] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios constitucionales, 1993, p.111-115.

[18] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios constitucionales, 1993, p. 112.

[19] SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. In: FARIAS, Cristiano Chaves. Leituras complementares de direito civil. Salvador: Jus Podivm, 2007, p. 83-84

[20]TORRES, Vanessa Carrião. O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: um desafio democrático para o Estado laico. Monografia (graduação em  Serviço Social - Faculdade de  Serviço Social). Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

[21] SARMENTO, op. cit., p.  54

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Sobre o autor
Isan Almeida Lima

Advogado em Salvador (BA). Sócio da Lima e Lima Advogados Associados. Professor efetivo de Direito processual civil, prática cível e direito civil na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus VIII. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-graduado Lato sensu em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/Jus Podivm. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia-UFBA. Professor de Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Direito Administrativo em cursos preparatórios da carreira jurídica . Autor de livros e artigos jurídicos em revistas especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Isan Almeida. Liberdade de expressão e de crença x direito a não discriminação:: “hate speech” homofóbico em livros didáticos religiosos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3917, 23 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27089. Acesso em: 7 mai. 2024.

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