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O novo Código Civil e a união estável

01/02/2002 às 01:00
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A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226 § 3º , reconheceu, para efeito de proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, e nesse efeito, instituiu, inclusive, norma programática no sentido de a lei facilitar sua conversão em casamento.

A dicção constitucional legitimou uma prática social aceitável, qual a da existência de uniões livres, de duração compatível com a estabilidade das relações afetivas, diferenciadas daquelas oriundas de comportamento adulterino que com elas não guardam a mesma identidade jurídica, no plano doutrinário do direito de família, posto que formadas, essas últimas, por quem mantém relação de casamento com outrem, íntegra na realidade existencial de continuarem juntos.

Erigido o instituto no plano constitucional, consolidou-se pela Lei Maior uma farta jurisprudência que o firmou nos pretórios, inicialmente à nível de uma sociedade de fato, e como tal considerada, sob a inspiração do direito comercial, afastando, por completo, o caráter sócio-afetivo indissociável de tais relações, com solução artificial em prejuízo da verdadeira entidade familiar que, decorrente delas, se constituía.

No influxo do dispositivo constitucional, adveio a Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, a disciplinar o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, sem definir, contudo, a moldura jurídica do instituto da união estável, o que veio a acontecer apenas com a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996.

Este último diploma legal, em seu artigo 1º, edifica o significado da união estável ao dispor que "é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Extrai-se desse significado, em síntese conceitual, o afirmado por Rodrigo da Cunha Pereira, quando o eminente jurista mineiro reconhece ser a união estável, o "concubinato não-adulterino".

A rigor, todavia, com o instituto da união estável, efetiva-se importante distinção entre relações livres e relações adulterinas, expurgando-se o termo concubinato no tocante às primeiras e reservando-se o mesmo às adulterinas que, em razão do princípio jurídico da monogamia, não poderá ter o mesmo tratamento legal, a tanto que em último artigo proposto pela emenda "as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato", devendo o termo ser empregado, com doutrina mais atual, apenas nas uniões de pessoas casadas com terceiros, enquanto convivendo com seus cônjuges.

Essa distinção tem o seu necessário e maior alcance para configurar, em sua integralidade, a união estável, envolvendo todas as pessoas aptas ao instituto, que estiverem em união pública, contínua e duradoura.

É que inúmeras pessoas, mesmo impedidas de casar (face não estarem divorciadas) encontram-se em união estável com outrem, porquanto separadas de fato ou judicialmente de há muito do seu cônjuge, constituindo nova família por relações sócio-afetivas consolidadas.

A doutrina tem reconhecido o fenômeno social, a merecer efeitos jurídicos próprios, na diferença que se coloca com aqueles que, integrantes de família constituída pelo casamento e em plena convivência conjugal, infringem gravemente o dever de fidelidade, mantendo relações não eventuais com terceiros.

Suficiente assinalar, a respeito, a manifestação de RAINER CZAIKOWSKI:

"Quando a Constituição prevê que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento, e quando o art. 8º da Lei 9.278 dispõe que "os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio"; tais previsões só estabelecem a diretriz de viabilizar uma faculdade, que pode ou não ser exercida pelos envolvidos, de acordo com sua vontade. Supõe-se, obviamente, que estejam em condições jurídicas de fazer tal opção, qual seja, casar. Não significa que os parceiros de uma união estável necessariamente devam ter condições de casar. Na prática, é mesmo frequente que tais uniões se originem justamente entre pessoas separadas judicialmente ou até separadas de fato dos antigos cônjuges. Seria de péssima política e de nenhuma sensibilidade social, excluir estes numerosos segmentos da tutela legal à família.

Procura-se, com a caracterização das uniões livres, definir em que circunstâncias elas configuram entidades familiares. Estão excluídas, portanto, em princípio e terminantemente, as relações flagrantemente adulterinas. Além do aspecto moral e lógico de que o Estado não poderia proteger a relação de um cônjuge com terceiro, em adultério, porque estaria acobertando infração ao dever conjugal da fidelidade; há o aspecto de ser inviável o cônjuge adúltero, além de sua família constituída pelo casamento, formar outra, paralelamente, relacionando-se com esposa e concubina concomitantemente (ou, ao contrário, relacionando-se com marido e concubino) e até, quem sabe, sobrevivem filhos de ambas (ou ambos). É inviável no sentido de ser juridicamente inaceitável." 1

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É fundamental, de conseguinte, ressaltar as características da união estável, que defluem do reportado art. 1º da Lei nº 9.278/96, representadas na dualidade de sexos, e no conteúdo mínimo da relação constituído pela publicidade, continuidade e durabilidade.

Estas características, com origem na construção jurisprudencial, tecem com maior sentimento de realidade, a formação do instituto, a exigir que o Novo Código Civil recebesse redação contemporânea com a legislação superveniente.

Daí porque retiramos do projeto a exigência de que a união, para que seja estável, tenha duração de prazo mínimo determinado, superior a cinco anos consecutivos, uma vez que tal característica não está contemplada pela atual Lei nº 9.728/96.

Mostrava-se inconstitucional o dispositivo originalmente constante do projeto, ao limitar a união estável à convivência superior a cinco anos, quando a própria Constituição Federal não define qualquer prazo. Seria interpretação restritiva e inconcebível vir a lei infra-constitucional, reguladora do instituto, impor prazo mínimo, para o reconhecimento dessa entidade familiar. Na verdade, o conceito "estável", inserido no pergaminho constitucional, não está a depender de prazo certo, mas de elementos outros que o caracterizem, como os constantes do art. 1º da Lei nº 9.728/96.

Por outro lado, o elemento "more uxorio", integrante do aludido dispositivo proposto, revela convivência denotadora da aparência de casamento, sem implicar, contudo, necessidade de união sob o mesmo teto.

A fórmula "more uxorio" exprime "a vida em comum de um homem e de uma mulher em estado de casados, sem que o sejam legalmente", vinculação íntima essa que se distingue da simples convivência em coabitação.

É certo que esse dever de coabitação, expresso na regra do inciso II do art. 231 do atual Código Civil e no inciso II do art. 1.569 do texto consolidado do projeto, trata-se unicamente de dever conjugal, não estando inscrito dentre os deveres dos conviventes, elencados no art. 1.736 do projeto (texto consolidado), mais especificamente os deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Nessa linha, tem sido dominante a doutrina, ao admitir a característica da continuidade desprovida do elemento "more uxorio". Assim tem-se afirmado essa característica com o interesse de a lei "evitar a caracterização da estabilidade pela somatória de períodos de união absolutamente intercalados, separados, sem nenhum vínculo subjetivo entre eles".

Afirma o doutrinador: "O namoro na adolescência e o reencontro dez anos depois, são duas relações distintas; uma não contribui com estabilidade para outra. "Contínua", também, nada tem a ver com harmonia temperamental, tem a ver com rompimentos definitivos; nada tem a ver, ainda, com moradia comum. Parceiros com uma só residência podem decidir fixar residências diversas sem quebrar a relação. Subsiste aí a continuidade." 2

A construção jurisprudencial, de há muito, diante da posse do estado de casado, houve de reconhecer a comunidade de vida independente da convivência sob o mesmo teto para a sua integração, através da Súmula 382 do STF.

O enunciado pretoriano posicionou que "a vida em comum sob o mesmo teto, "more uxório", não é indispensável à caracterização do concubinato."


NOTAS

1. RAINER CZAJKOWSKI em sua obra "União Livre à Luz da Lei nº 8.971/94 e da Lei nº 9.278/96", Ed. Juruá, 1ª ed., 1996, pg. 49.
           2. RAINER CZAJKOWSKI em sua obra "União Livre à Luz da Lei nº 8.971/94 e da Lei nº 9.278/96", Ed. Juruá, 1ª ed., 1996, pg. 71.

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Sobre o autor
Ricardo Fiúza

advogado, professor de Direito Comercial, deputado federal, relator do Novo Código Civil Brasileiro <I>(in memoriam)</i>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIÚZA, Ricardo. O novo Código Civil e a união estável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2721. Acesso em: 22 nov. 2024.

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