No dia 31 de março de 2014, foi publicado o Enunciado nº 507 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, sobre as regras de direito intertemporal para a acumulação – ou não – do benefício previdenciário de auxílio-acidente com uma das espécies de aposentadoria: "A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/97, observado o critério do artigo 23 da Lei 8.213/91 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho".
Entre os precedentes que levaram à sua edição está o Recurso Especial 1296673, decidido pela 1ª Seção do STJ:
“RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS. AUXÍLIO-ACIDENTE E APOSENTADORIA. ART. 86, §§ 2º E 3º, DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 1.596-14/1997, POSTERIORMENTE CONVERTIDA NA LEI 9.528/1997. CRITÉRIO PARA RECEBIMENTO CONJUNTO. LESÃO INCAPACITANTE E APOSENTADORIA ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DA CITADA MP (11.11.1997). DOENÇA PROFISSIONAL OU DO TRABALHO. DEFINIÇÃO DO MOMENTO DA LESÃO INCAPACITANTE. ART. 23 DA LEI 8.213/1991. CASO CONCRETO. INCAPACIDADE POSTERIOR AO MARCO LEGAL. CONCESSÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE. INVIABILIDADE.
1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com intuito de indeferir a concessão do benefício de auxílio-acidente, pois a manifestação da lesão incapacitante ocorreu depois da alteração imposta pela Lei 9.528/1997 ao art. 86 da Lei de Benefícios, que vedou o recebimento conjunto do mencionado benefício com aposentadoria.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. A acumulação do auxílio-acidente com proventos de aposentadoria pressupõe que a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, e o início da aposentadoria sejam anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991 (‘§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria; § 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente.’), promovida em 11.11.1997 pela Medida Provisória 1.596-14/1997, que posteriormente foi convertida na Lei 9.528/1997. No mesmo sentido: REsp 1.244.257/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.3.2012; AgRg no AREsp 163.986/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.6.2012; AgRg no AREsp 154.978/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4.6.2012; AgRg no REsp 1.316.746/MG, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 28.6.2012; AgRg no AREsp 69.465/RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 6.6.2012; EREsp 487.925/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJe 12.2.2010; AgRg no AgRg no Ag 1375680/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, Dje 19.10.2011; AREsp 188.784/SP, Rel. Ministro Humberto Martins (decisão monocrática), Segunda Turma, DJ 29.6.2012; AREsp 177.192/MG, Rel. Ministro Castro Meira (decisão monocrática), Segunda Turma, DJ 20.6.2012; EDcl no Ag 1.423.953/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 124.087/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 21.6.2012; AgRg no Ag 1.326.279/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 5.4.2011; AREsp 188.887/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 179.233/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 13.8.2012.
4. Para fins de fixação do momento em que ocorre a lesão incapacitante em casos de doença profissional ou do trabalho, deve ser observada a definição do art. 23 da Lei 8.213/1991, segundo a qual ‘considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro’. Nesse sentido: REsp 537.105/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 17/5/2004, p. 299; AgRg no REsp 1.076.520/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 9/12/2008; AgRg no Resp 686.483/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 6/2/2006; (AR 3.535/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJe 26/8/2008).
5. No caso concreto, a lesão incapacitante eclodiu após o marco legal fixado (11.11.1997), conforme assentado no acórdão recorrido (fl. 339/STJ), não sendo possível a concessão do auxílio-acidente por ser inacumulável com a aposentadoria concedida e mantida desde 1994.
6. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ” (REsp 1296673/MG, 1ª Seção, rel. Min. Herman Benjamin, j. 22/08/2012, DJe 03/09/2012).
Recorda-se que o auxílio-acidente é devido para o segurado do RGPS que sofre uma redução em sua capacidade para o trabalho que exercia habitualmente, após a consolidação de lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza. Inicialmente, o § 3º do art. 86 da Lei nº 8.213/91 permitia a cumulação desse benefício com outro:
“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente do trabalho, resultar sequela que implique:
(...)
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente”.
Contudo, a Medida Provisória nº 1.596-14, publicada em 11/11/1997, convertida na Lei nº 9.528, com data de publicação em 11/12/1997, modificou o § 3º do art. 86 da Lei nº 8.213/91, que passou a limitar o recebimento conjunto com a aposentadoria:
“§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente”.
Até então, o auxílio-acidente podia ser recebido simultaneamente com qualquer outro, exceto com outro auxílio-acidente ou com auxílio-doença concedido pela mesma causa. Com a nova redação, passou a ser vedada sua cumulação com qualquer espécie de aposentadoria (por invalidez, por tempo de serviço/contribuição, por idade e especial).
Porém, a ausência de regra de transição deu margem para polêmica sobre a aplicação – ou não – da nova regra aos segurados que já recebiam o auxílio-acidente anteriormente à vigência da norma proibitiva: (a) de um lado, defende-se que a vedação à cumulação deve observar a data em que ocorreu a lesão, ou foi concedido o auxílio-acidente, sob o argumento de que o princípio tempus regit actum deve incidir no momento em que devido o auxílio-acidente: se na época a cumulação era devida, deve-se manter esse direito, mesmo que a aposentadoria seja requerida após a entrada em vigor do ato normativo alterador. (b) por outro lado, sustenta-se que a lei aplicável é aquela vigente na época do requerimento da aposentadoria.
O Superior Tribunal de Justiça possuía precedentes contraditórios: (a) com o primeiro entendimento, por exemplo: EDcl no REsp 590428/SP, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Gallotti, j. 25/02/2008, DJ 24/03/2008, p. 1; EREsp 431249/SP, 3ª Seção, rel. Jane Silva, j. 27/02/2008, DJ 04/03/2008, p. 1; AR 3276/SP, 3ª Seção, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 23; REsp 414079/RS, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 01/03/2007, DJ 26/03/2007, p. 295; (b) e com a segunda posição: EREsp 399921/SP, 3ª Seção, rel. Min. Nilson Naves, j. 11/05/2005, DJ 05/09/2005, p. 202; REsp 594179/SP, 5ª Turma, rel. Min. Laurita Vaz, j. 15/03/2005, DJ 11/04/2005, p. 361; REsp 622018/SP, 5ª Turma, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 15/04/2004, DJ 28/06/2004, p. 415; REsp 329598/SP, 6ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 06/12/2001, DJ 18/02/2002, p. 533.
A recente Súmula nº 507 uniformiza a jurisprudência do STJ de acordo com a segunda corrente, ao concluir que não há ilegalidade na norma posterior que passa a proibir a cumulação de determinados benefícios previdenciários, nem direito adquirido ao segurado que já recebia o auxílio-acidente a mantê-lo com a concessão de aposentadoria após a modificação legal. O fato de o primeiro ser inicialmente vitalício não impede que norma posterior determine a impossibilidade de seu recebimento com outro benefício, não ferindo um direito (alegadamente adquirido) que não chegou a se constituir, a menos que o segurado já estivesse recebendo ambos.
Assim, o STJ aplicou de forma adequada a regra do tempus regit actum, ao observar a norma vigente na data em que o segurado alcançou o direito ao segundo benefício (a aposentadoria); caso contrário, haveria a aplicação de dispositivo legal (art. 86, § 3º, da Lei nº 8.213/91) após o término de sua vigência. Acrescenta-se que os valores recebidos a título de auxílio-acidente integram o PBC do salário-de-benefício da aposentadoria (art. 31 da Lei nº 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 9.528/97), o que seria incompatível com o recebimento conjunto de ambos.