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Terceirização e responsabilidade civil do tomador de serviços

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08/04/2014 às 17:17
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Terceirização

Evolução histórica e Definição

Há, hodiernamente, diversas teorias para explicar o fenômeno jurídico conhecido como “terceirização”, sendo inúmeras as obras e incontáveis os autores. Dentre eles, podemos citar: Gabriela Neves Delgado21, Eduardo Fagnani e Márcio Pochmann22, Fernando Basto Ferraz23, Livio Antonio Giosa24, Michel Olivier Giraudeau25, Nilton Oliveira Gonçalves26, Ophir Cavalcante Júnior27, Sérgio Pinto Martins28, Livia Mendes Moreira Miraglia29, Antonio Alvares da Silva30, dentre outros.

Convergem os doutrinadores, entretanto, quanto às suas origens.

A terceirização deriva, sobretudo, da verificação de que a atividade econômica que mais se desenvolve e ganha importância é o Setor Terciário, composto por atividades que não se destinam à produção nem ao aperfeiçoamento de bens, e sim serviços (transportes, distribuição, comunicação, entretenimento, estética, compra e venda de bens, etc). Este fenômeno inicial é chamado por alguns de “terciarização”31.

Em seguida, com a consolidação deste fenômeno, verificou-se que certas empresas pertencentes ao setor terciário ofereciam serviços cada vez mais diversificados e especializados, e que por isso mesmo chegavam a ter boa qualidade a baixo custo.

Não tardou a que grandes indústrias e corporações notassem que muitas das atribuições exercidas internamente não condiziam com o escopo de sua atividade, não traziam lucro, e, ainda, não apresentavam o rigor técnico necessário para tais funções (v. g. a alimentação dos funcionários e segurança patrimonial).

“Estimulada pela crise econômica e sob o influxo dos novos conceitos empresariais praticados, a antiga contratação de serviços de terceiros passa por um processo de aperfeiçoamento, deixando de ser apenas uma forma de redução de custos, mas também, e sobretudo, técnica que visa à qualidade, eficiência, especialização, eficácia e produtividade, o que, no Brasil, passou a ser chamado de terceirização, fenômeno que vem sendo aplicado em escala considerável de nossa economia”32.

Surge, então, a terceirização, consubstanciada no aperfeiçoamento dos contratos civis da prestação de serviços e empreitada, previstos em nosso ordenamento desde o Código Civil de 1916, em seus artigos 1216 a 1247.

No âmbito prático, o exemplo clássico de terceirização nos remete à Segunda Guerra Mundial, onde por aumento excessivo da demanda as fabricantes norte-americanas de material bélico “delegaram”, por assim dizer, a fabricação de determinados itens do processo fabril a outras empresas, reservando para si a parte essencial, a montagem.

Nessa mesma época, a CLT previa a empreitada e subempreitada (cf. arts. 455 e 652, a, III), ainda que de forma incipiente.

Pouco depois, na década de 1950, a ebulição do ramo automobilístico trouxe para o Brasil essa prática, copiando-a do exemplo da Segunda Guerra. Segundo a doutrina, “a indústria automobilística é exemplo de terceirização, ao contratar a prestação de serviços de terceiros para a produção de componentes do automóvel, reunindo peças fabricadas por aqueles e procedendo à montagem final do veículo” 33.

Ademais, instalou-se por aqui uma profícua atividade de prestação de serviços destinada à conservação e limpeza patrimoniais, já em 1967. A partir daí, surgiram diversas tentativas estatais de regulamentação da terceirização, em diversos ramos econômicos.

Os bancos exerceram papel pioneiro neste desenvolvimento, já que os Decretos-leis nos 1212 e 1216, de 1966, autorizavam tais instituições a dispor de serviços de segurança através de empresas particulares. Em seguida, em 1969, o Decreto-lei nº 1034 regulamentou exaustivamente a matéria, ainda em relação aos bancos, estipulando inclusive requisitos para admissão de empregados em tais funções:

Art. 2º Os estabelecimentos de que trata o artigo anterior deverão adotar - no prazo máximo de um ano, contado do início da vigência dêste (sic) Decreto-lei - dispositivo de segurança contra roubo e assaltos, que consistirá obrigatoriamente (sic), em:

I - Vigilância ostensiva, realizada por serviço de guarda composto de elementos sem antecedentes criminais, mediante aprovação de seus nomes pela Polícia Federal, dando-se ciência ao Serviço Nacional de Informações;

(…)

Art. 4º Os estabelecimentos de crédito manterão a seu serviço, admitidos diretamente ou contratados por intermédio de emprêsas (sic) especializadas, os elementos necessárias à sua vigilância, podendo organizar serviço especial para êsse (sic) fim, mediante aprovação do Ministro da Justiça, ou, quando se tratar de serviço local, do Secretário de Segurança ou Chefe de Polícia.

(…)

§2º Os elementos de segurança dos estabelecimentos de crédito, quando em serviço, terão as prerrogativas de policiais. (grifos nossos)

Este decreto-lei foi revogado pela Lei n. 7102, de 1983, que praticamente transcreveu tais disposições, sendo posteriormente ratificado por seu Regulamento.

Desta forma, observamos preliminarmente que a terceirização, no Brasil, apresenta-se com contornos tanto da prestação de serviços e da empreitada, no âmbito civil-comercial, quanto do trabalho temporário, no âmbito trabalhista.

Outrossim, em relação ao modelo estadunidense, reproduzido através das montadoras de automóveis, pode-se considerar que foi desenvolvido com base no fornecimento de matérias-primas e insumos industriais, para composição de produto final, equivalendo, no Direito brasileiro, ao contrato de fornecimento.

“A terceirização se realiza de duas formas não excludentes. Na primeira, a empresa deixa de produzir bens ou serviços utilizados em sua produção e passa a comprá-los de outra - ou outras empresas - o que provoca a desativação – parcial ou total – de setores que anteriormente funcionavam no interior da empresa. A outra forma é a contratação de uma ou mais empresas para executar, dentro da “empresa-mãe”, tarefas anteriormente realizadas por trabalhadores contratados diretamente. Essa segunda forma de terceirização pode referir-se tanto a atividades-fim como a atividades-meio. Entre as últimas podem estar, por exemplo, limpeza, vigilância, alimentação” 34.

Daí porque dizer-se que a terceirização pode ser definida como “possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa. Essa produção pode envolver tanto a produção de bens como serviços” 35.

Do conceito acima se depreendem duas bases do estudo da Terceirização: atividades-meios, como aquelas que “não se inserem no âmbito da especialização da empresa” 36; e como atividades-fim, aquelas que compõem o escopo lucrativo e de atuação de determinada empresa, dentro de um ramo econômico.

Esmiuçando tal proposição, concluiremos que empresas terceirizadas são aquelas cujas atividades-fim se coadunam com as atividades-meio de sua contratante, e vice-versa.

Aqui, tem lugar o entendimento acerca do escopo principal da terceirização, nos termos que seguem:

“Um importante objetivo da terceirização, não exclusiva do processo brasileiro, mas também presente em nosso país é a descentralização dos riscos de produção e de distribuição de bens e serviços. Por este motivo, a terceirização tem sido vista pelas empresas como um estabelecimento de parcerias no interior do processo produtivo” 37.

O maior paradigma apresentado, como se vê, é a quebra da relação de trabalho bipartida, considerando que se aplica a força de trabalho a atividades e necessidades – ainda que secundárias – de uma empresa contratante, por intermédio de um terceiro que assume, ele sim, os riscos da atividade econômica.


Licitude da Contratação

Autores há que defendem a aplicabilidade do instituto em questão também para atividades-fim, com base na ideia de que a terceirização “é fenômeno econômico que não pode ficar limitado às atividades acessórias, pois um dos traços característicos da economia moderna é o uso intenso da tecnologia mais recente, o que conduz à especialização dos serviços, permitindo maior produtividade” 38. Conforme se verá adiante, tal hipótese pode ser interpretada como ilícito trabalhista.

Esta conjectura estaria de acordo com os ideais de adequação das normas trabalhistas ao cenário econômico nacional, flexibilizando-as e otimizando a produção nacional. Miraglia alerta que tal fato, contudo, não pode olvidar as funções precípuas e princípios balizadores da relação de emprego39.

Reflexo direto dessa teoria vanguardista se encontra no exemplo estrangeiro, onde algumas instituições de ensino superior dos Estados Unidos, como a Universidade da Flórida Central, monopolizaram para si o ensino universitário, mas terceirizaram a avaliação dos acadêmicos 40.

Por outro lado, frise-se que Direito do Trabalho tem como princípio primeiro a proteção do trabalhador, proporcionando-lhe “uma forma de compensar a superioridade econômica do empregador”41. Portanto, segundo essa concepção, não deve o Direito do Trabalho se adaptar ao cenário econômico nacional, mas o contrário.

Segundo Ophir Cavalcante Júnior42, os maiores expoentes desta flexibilização são Haroldo Verçosa, Eduardo Gabriel Saad e Luiz Carlos Amorim Robortella, em contraposição a Octavio Bueno Magano, Jerônimo Souto Leiria, Walmir Costa e Carlos Alberto Queiroz, filiados à tese de restrição às atividades-meio.

O ordenamento pátrio já recepcionou hipótese de terceirização de atividade-fim, especialmente no ramo telefônico para as concessionários de serviços públicos (vide artigo 94, II, da Lei 9472, de 1997).

Jurisprudencialmente, a construção que se faz é no sentido de restringir a licitude da terceirização a quatro hipóteses, elencadas na Súmula 331 do TST43: a) trabalho temporário, se feito nos termos da Lei 6019/74; b) atividades de vigilância, se averiguar-se a adequação aos preceitos da Lei 7102/83; c) atividades de conservação e limpeza e d) serviços ligados a atividades-meio da prestadora.

As três primeiras hipóteses já foram arroladas anteriormente em nosso ordenamento, na Lei 5645/70. Já a quarta, conforme frisado alhures, é fruto do raciocínio e interpretação de juristas de escol, aliado a Tribunais pátrios.

Segundo Maurício Godinho Delgado, estas situações são lícitas por excluírem da prestação de serviço os requisitos da Pessoalidade e Subordinação diretas, isto é, “apenas enquanto modalidade de contratação de prestação de serviços entre duas entidades empresariais, mediante a qual a empresa terceirizante responde pela direção dos serviços efetuados por seu trabalhador no estabelecimento da empresa tomadora”44.

Diversos são os julgados em que se analisa a presença destes requisitos a fim de se verificar a licitude da contratação, mediante a qual, com base no art. 9º da CLT, tem-se declarado o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços, donde se afere que este é o destino das terceirizações consideradas ilícitas:

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RECURSO DE REVISTA PATRONAL. EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÕES. -CALL CENTER-. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CARACTERIZAÇÃO. Cinge-se a controvérsia em se estabelecer a possibilidade ou não de terceirização, por parte das empresas de telecomunicações, de serviços que sejam considerados atividades-fim da empresa, ante os termos dos arts. 25 da Lei n.º 8.987/95 e 94, II, da Lei n.º 9.472/97. Ao contrário da interpretação conferida pelas empresas aos indigitados dispositivos legais, inexiste autorização legislativa para a terceirização ampla e irrestrita. Desse modo, a terceirização levada a efeito pelas empresas de telecomunicações deve, necessariamente, atender às disposições insertas na Súmula n.º 331, I e III, deste Tribunal Superior, que somente considera lícita a terceirização no caso de trabalho temporário, serviços de vigilância, conservação e limpeza e outros especializados, ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta. Este entendimento permanece firme, mesmo após os amplos debates encetados quando da audiência pública sobre o assunto. Recurso de Revista não conhecido, no tópico (…).

(RR - 1216-81.2010.5.03.0019 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 16/05/2012, 4ª Turma, Data de Publicação: 18/05/2012).

Tais disposições acabam por serem disseminadoras do Princípio da Primazia da Realidade Sobre a Forma, específico de Direito do Trabalho, e que preceitua o seguinte: “em matéria de trabalho importa o que ocorre na prática, mais do que aquilo que as partes hajam pactuado de forma mais ou menos solene, ou expressa, ou aquilo que conste em documentos, formulários e instrumentos de controle”45.

Também conhecido como princípio do contrato realidade46, tem por pilares47: a) a boa fé, b) a dignidade da atividade humana, c) a desigualdade das partes e d) a interpretação racional da vontade das partes.

Este princípio tem por finalidade evitar que se realizem negócios jurídicos cuja forma intente a aplicação de normas que não trabalhistas, ou mesmo alheios a qualquer norma, o que na maioria das vezes acaba por ser mais favorável ao empregador48.


Vantagens e desvantagens do mecanismo

Considerando sua larga adoção e discussões geradas, tal prática merece uma análise de suas vantagens e desvantagens, do ponto de vista econômico-social, comercial e jurídico.

Não se pretende aqui traçar um panorama nacional ou discursar sobre a prática comercial da terceirização, mas tão-somente contextualizar a problemática envolvida. Pois bem.

O DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) constatou, através de pesquisa junto a grandes empresas, que existem até 17 (dezessete) itens49 com potencial econômico durante o processo, normalmente relativos à qualidade dos serviços terceirizados, eliminação de riscos e custos e aumento da produtividade.

Obviamente, essa análise foi feita sob a perspectiva da tomadora dos serviços, ou seja, a empresa que terceiriza, e que no final das contas é a mais interessada no êxito do processo.

Seriam eles:

  1. Área física da empresa
  2. Investimentos em instalações
  3. Manutenção das instalações
  4. Água, energia e telefone
  5. Investimentos em equipamentos e softwares
  6. Manutenção e calibragem de equipamentos
  7. Substituição e upgrade de equipamentos
  8. Aquisição, armazenamento e controle de insumos
  9. Problemas com fornecedores diversos
  10. Seguros
  11. Administração burocrática da atividade
  12. Seleção, contratação e demissão de pessoal
  13. Encargos trabalhistas
  14. Treinamento de pessoal
  15. Férias, faltas, doenças e licenças de pessoal, 13º salário, gratificações e horas extras.
  16. Problemas sindicais, negociações, greves.
  17. Problemas judiciais com pessoal

Segundo a pesquisa, de imediato, ter-se-ia resultados positivos em 14 áreas ali elencadas.

Como desvantagem, podemos identificar a perda da Pessoalidade, nos moldes vistos acima, principalmente em relação aos aspectos técnico e organizacional, uma vez que a ausência do contato direto e pessoal e do treinamento pode prejudicar a qualidade do produto, serviço ou atividade.

Além disso, segundo Sérgio Pinto Martins, sendo a Terceirização um mecanismo de redução de custos, casa haja frustração pode trazer prejuízo para a empresa50.

Ademais, parte da doutrina entende que, conquanto a empresa tomadora deixa de arcar com encargos previdenciários e trabalhistas, por outro lado o faz a prestadora do serviço, que embute tais obrigações no valor do serviço. Somando-se a isso a margem de lucro esperada pela terceirizada, quase sempre o custo para a empresa tomadora acaba sendo o mesmo51.

Em relação aos trabalhadores, partindo do pressuposto de que os funcionários de hoje, seriam os prestadores de serviços amanhã, Sérgio Pinto Martins adverte que as vantagens se resumem a52: a) realização do sonho de abrir e gerir o próprio negócio; b) independência na realização dos serviços; c) motivação para produzir e d) empreendedorismo e independência financeira.

De fato, muitos são os trabalhadores que, utilizando-se, dos conhecimentos adquiridos durante o emprego, ao se aposentarem ou demitirem, empreendem no ramo afeto ao de sua antiga empresa, a fim de lhe prestar serviços e/ou às suas concorrentes. Esta concepção, entretanto, teria maior eficácia na terceirização da produção fabril que nas modalidades de serviços ou atividades-meios.

Verificada a importância do instituto e as discussões que o cercam, passemos a uma análise aprofundada de suas implicações no âmbito trabalhista.

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Sobre o autor
Leonardo de Oliveira Manzini

Estudante concluinte da graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; estagiário no Lucon Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANZINI, Leonardo Oliveira. Terceirização e responsabilidade civil do tomador de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3933, 8 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27524. Acesso em: 4 mai. 2024.

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