Ministério Público e o seu exercício de investigação criminal: uma afronta à Constituição Federal

22/04/2014 às 09:40
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O presente texto pretende, em breve considerações, demonstrar que não há qualquer previsão constitucional ou legal que autorize o Ministério Público proceder à investigação criminal.

MINISTÉRIO PÚBLICO E O SEU EXERCÍCIO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: UMA AFRONTA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Como é sabido o Ministério Público é uma instituição de suma importância, senão dizer imprescindível para a manutenção do Estado Democrático de Direito e do regime jurídico posto, assim também como para a defesa e garantia dos direitos sociais e individuais indisponíveis. Isso é o que se depreende do art. 127, da CF/88, in verbis:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

O legislador constituinte originário ao alargar as atribuições do Ministério Público, conferiu a este órgão uma responsabilidade social sem precedentes. Ocorre que, conforme se verifica no art. 129 da Carta Republicana, não se encontra dentre as funções institucionais do Douto Parquet, a de investigar crimes, seja qual for a natureza delitiva. Infelizmente o que se verifica é uma crise de identidade desse órgão, que não consegue se encontrar dentro do sistema de atribuições posto pela Constituição Federal, que muito bem delineou as funções do Estado-investigação, do Estado-acusação, do Estado-defesa e do Estado-Juiz.

A Assembleia Nacional Constituinte não cometeu esse lapso por acaso, posto que a instituição ministerial, consoante o inciso I, do mesmo dispositivo normativo, detém, de forma privativa, a titularidade da ação penal pública, não podendo, por conseguinte, proceder a investigações de cunho criminal, sob pena de corromper o sistema acusatório existente no âmbito da processualista penal, uma vez que sendo parte no processo, quebra com tal conduta, a paridade de armas, enquanto princípio corolário do devido processo legal, deixando assim, o acusado em condição hipossuficiente, com a mitigação de sua ampla defesa.

Isso se dá simplesmente porque o promotor, na condição de acusador, enquanto membro do Ministério Público, ao investigar, desequilibra a balança entre as partes no processo penal, já que pode requisitar perícias, intimar pessoas em seu gabinete, algo que o acusado não pode.

Ademais, essa investigação criminal procedida no âmbito do Ministério Público, não goza de nenhuma previsão ou limite legal, já que não possui forma, controle, prazo para sua conclusão, e muito menos respeito mínimo aos direitos constitucionais fundamentais individuais. O indivíduo quando investigado por aquele órgão, muitas vezes passa meses ou até anos sem tomar conhecimento de tal fato. Para não dizer que essas investigações não possuem prazo, o Conselho Nacional do Ministério Público editou uma Resolução de número 13, de 02 de outro de 2006, que traz no bojo do seu art. 18, o prazo de 90 (noventa) dias para o órgão ministerial concluir seus procedimentos de investigação.

Ora, é bom se ressaltar, que uma resolução emanada de um órgão superior, de cunho administrativo, não é lei no sentido estrito, não podendo legislar sobre prazo de investigação criminal, que se diga desde já, é matéria de processo penal, de competência privativa da União, nos termos do inciso I, do art. 22, da CF/88.

É preciso se trazer à tona, que não é apenas a nossa Lei Maior que não confere o poder investigativo criminal ao Ministério Público; não se vê essa possibilidade em nenhum estatuto normativo pátrio, a exemplo do Código de Processo Penal, e das próprias leis orgânicas que regem aquela instituição ministerial, como a Lei Complementar n.º 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) e a Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

A Lei Maior traz sim entre funções institucionais do Ministério Público, em seu art. 129, inciso VII, o poder do exercício do controle externo da atividade policial, que deve ser exercido, na forma da lei complementar que regulamenta a organização, as atribuições e o estatuto daquele órgão.

Há de se ressaltar que por meio do controle externo da atividade-fim da polícia judiciária, o Ministério Público já goza de participação ativa nas investigações criminais, que ocorrem na fase pré-processual da persecução penal do Estado. Isso porque, pode aquele Douto órgão requisitar abertura de inquérito policial, no caso de delitos que demandem ação penal pública, consoante preleciona o inciso I, do art. 5º da norma adjetiva penal.

Ainda nessa esteira, uma vez aberto o caderno investigativo, pode o Ministério Público requerer a devolução dos autos do inquérito, para que a autoridade policial proceda a novas diligências específicas e imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, conforme dispõe o art. 16, do Código de Processo Penal.

Isso por si só, já desequilibra a relação processual entre as partes, mas garante uma participação ativa do Ministério Público nas investigações policiais, de forma a fomentar o exercício do seu mister, no que tange ao oferecimento da ação penal, por meio da denúncia.

A participação do Ministério Público nas investigações penais não é vedada pela lei processual penal, muito pelo contrário, ele pode sim, usando do seu poder-dever de controle externo das atividades-fim da polícia judiciária, participar ativamente de tal procedimento administrativo informativo, mas dentro de suas atribuições constitucionais e legais, zelando e cuidando para que haja um inquérito bem feito, com produção de provas robustas, com respeito às garantias constitucionais fundamentais individuais, de forma a se evitar que sejam trazidas para dentro do caderno investigativo, provas ilícitas ou ilegais, conseguidas com condutas que atentem contra a dignidade da pessoa.

Corroborando a esse entendimento, tem-se a Súmula n.º 234 do STJ que diz: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.

Ao se fazer uma análise na mais apurada na Lei Complementar n.º 75/93, observa-se que este estatuto, ao trazer as funções institucionais e “competência” do Ministério Público da União, em seus arts. 5º e 6º, não confere a esta instituição o poder de investigação criminal. Sob o mesmo prisma, ao se observar a Lei n.º 8.625/93, vê-se que esta norma traz em seus arts. 25 e 26 as funções instituições do Parquet, não prevendo também a hipótese de investigação de delitos.

Destarte, tomando-se por parâmetro a hermenêutica sistemática utilizada neste ensaio, percebe-se que o Ministério Público carece de poder investigativo criminal, devendo para tanto, valer-se da colaboração da polícia judiciária, a quem foi conferida pela Carta Magna, nos termos do art. 144, §§1º e 4º, tal investidura.

Verdadeiramente apenas o Ministério Público consegue enxergar tal poder, sob alegativa de argumentos jurídicos frágeis, que não se sustentam no mundo do direito.

Por exemplo, entre esses argumentos está o da “Teoria dos Poderes Implícitos”, adotada pela Suprema Corte norte-americana no célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND ocorrido em meados de 1819, segundo a qual a Constituição Federal, ao outorgar atribuições a determinado órgão, lhe confere, implicitamente, os poderes necessários para a sua execução. Desse modo, não faria o menor sentido incumbir implicitamente o Ministério Público da função de apuração de infrações penais e ao mesmo tempo concedê-la, de forma expressa à polícia judiciária.

É preciso salientar, que o sistema constitucional não repudia a ideia de competências implícitas complementares, desde que necessárias para colmatar lacunas constitucionais evidentes, o que não é o caso ora sob análise.

Outro fundamento utilizado pelo Ministério Público seria o “de quem pode o mais pode o menos”. Mais uma vez esse argumento se encontra isolado em uma ilha, já que nem o legislador constituinte e nem a doutrina constitucionalista adotou esse entendimento, posto que não há relação hierárquica entre a ação penal e investigação criminal, o que existe, de fato, é a delimitação constitucional quanto à titularidade das instituições para o exercício de tais funções.

Ainda sob o enfoque do poder de investigação criminal, vem o Ministério Público dizer que pode sim investigar, a despeito de tudo que diz a Constituição Federal, porque possui garantias e prerrogativas constitucionais das quais não goza a polícia judiciária. Tal afirmativa é tanto quanto falaciosa já que, por exemplo, até que ponto uma instituição realmente detém independência funcional, quando o seu representante maior é escolhido pelo chefe do executivo. E se essa é a questão, então os promotores deviam se unir à autoridade policial para colaborar com a investigação feita sob sua presidência, revestindo o Delegado do escudo das garantias e prerrogativas ministeriais por via transversa. Ou então, estender, de forma constitucional, as mesmas garantias dadas ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, ao Delegado de Polícia, a fim de este exerça seu ofício sem as interferências do Poder Executivo ou de forças políticas ou econômicas ocultas.

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Ainda sob esse prisma, o Ministério Público traz consigo o discurso de que é preciso que ele investigue, a fim de combater a corrupção desenfreada que toma nosso país, e atingir crimes e criminosos não alcançados pela longa manus da polícia judiciária. Esse argumento pode funcionar para a mídia ou até mesmo para a sociedade leiga ao direito. Mas não se sustenta dentro um Estado Democrático de Direito, em que as normas constitucionais e legais devem ser respeitas e devidamente cumpridas. Não se pode, no intuito de se atingir determinado fim, justificar os meios. Não é possível se fechar os olhos para os ditames constitucionais e legais, de forma a permitir que o Ministério Público promova investigações criminais, sob a alegativa de combate à corrupção, sem se considerar o respeito mínimo aos direitos fundamentais do indivíduo investigado.

É bom salientar, que a investigação criminal não é o único meio de se combater a corrupção, já que o Ministério Público dispõe da ação de improbidade, regida pela Lei n.º 8.429/92, em que os efeitos da condenação são até mais eficazes do que o contido na condenação penal, pois atinge o patrimônio e os direitos políticos daquele que enriquece ilicitamente, causa prejuízo ao erário ou atenta contra qualquer princípio que norteia a Administração Pública, conforme dispõe os arts. 9º, 10 e 11, desse diploma normativo.

Douto Parquet insiste em resplandecer uma realidade virtual, que só existe para sua própria instituição, tentando passar para a sociedade que somente ele é capaz de combater o mal que impera no meio político e institucional. É bom que se diga que o caráter e a honestidade do ser humano não é determinado pela profissão a que se resolver seguir e nem pela instituição da qual o mesmo venha a fazer parte. O Ministério Público não é imaculado e muito menos é o “salvador da pátria”. É formado por homens e mulheres com virtudes e defeitos, e consequentemente, também, a exemplo de outras instituições e corporações, possui membros probos e improbos.

É lamentável, que o Ministério Público, enquanto custos legis por excelência, esteja, ao invés defender o regime jurídico posto, em função da simples busca do poder pelo poder, rasgando a Constituição Federal e as leis processuais vigentes no país, procedendo a investigação criminais, com total desrespeito aos direitos fundamentais individuais.

Não resta dúvida que a corrupção deve ser combatida, mas respeitando as normas constitucionais e processuais. O bom seria se existisse, de fato, uma polícia judiciária forte, com todas as garantias para o exercício de sua função precípua. Aí sim teríamos a instituição preparada para um melhor enfrentamento da corrupção que impera no meio político e institucional, sem nenhuma ingerência de qualquer natureza, que pudesse atrapalhar o bom e regular andamento das investigações criminais.

Flávio Craveiro V. de Barros. Prof.º de Direito Administrativo, Penal e Processual Penal. Delegado de Polícia Civil. Coordenador da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social da Paraíba.

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Sobre o autor
Flavio Craveiro

Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (2002). Especialista em D. Penal e D. Processual Penal pela Universidade Estadual da Paraíba. Professor em vários cursos preparatórios para concursos públicos no Estado do Ceará (2002-2004) e da Paraíba (2004-2008). Delegado de Polícia Civil do Estado da Paraíba desde 2004. Atualmente exerce o cargo de Coordenador da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social da Paraíba.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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