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A problemática do procedimento a ser seguido pelo recurso de agravo em execução ante a falta de expressa previsão legal

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11/05/2014 às 14:33
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4. A NECESSÁRIA APROXIMAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS RECURSAIS PARA A BUSCA DO RITO PROCEDIMENTAL DO AGRAVO EM EXECUÇÃO

A ausência de expressa previsão legislativa quanto ao rito a ser seguido no processamento e julgamento do agravo da Lei nº 7.210/84 traz consigo graves consequências que culminam na formação de uma verdadeira anomalia existente no processo de execução penal, atingindo diretamente sujeitos da relação jurídica que anseiam enormemente pela rápida, eficiente e prestativa solução do litígio: os presos.

A execução penal não pode de maneira alguma ficar à mercê do Estado, nem pode continuar sendo o “patinho feio” ou “primo pobre” do direito penal. A própria instituição “prisão” faz denotar a urgência em se conceder um organizado e ordenado procedimento, pois hoje ela é compreendida, numa visão crítica e realista, como

[...] uma instituição ao mesmo tempo antiliberal, desigual, atípica, extralegal e extrajudicial, que perverte, corrompe, deforma, avilta e embrutece, sendo uma sucursal do inferno, drasticamente lesiva para a dignidade do ser humano, penosa e inutilmente aflitiva, considerada, ainda, verdadeira fábrica de reincidência e indústria do crime23.

E essa organização do procedimento, com vistas a melhor ordenar a desordem e a confusão, condiz com o que Alvaro de Oliveira denomina de formalismo-valorativo, o que faz colaborar para um processo ágil e eficaz, onde se sobressaem valores tais como a efetividade, a segurança, a paridade de armas, o contraditório e a ampla defesa24.

Não se quer dizer com isso, como se poderia erroneamente imaginar, que se dará mais primazia à forma do que à finalidade do processo (culto das formas). Pelo contrário, o que se pretende é atingir o escopo do processo por meio de uma forma, adequada, racional, que não sufoque a naturalidade e celeridade do processo, pois “a falta absoluta de exigências legais quanto às formas procedimentais levaria à desordem, à confusão, à incerteza”25.

E, como sabido, os recursos são elementos indissociáveis à ampla defesa, com previsão expressa no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988. Dessa forma,

[...] para a incidência real e efetiva do princípio constitucional da ampla defesa é imperativo que a legislação infraconstitucional disponibilize sempre às partes o poder e o direito de recorrer das decisões judiciais, isto é, de controlar as decisões proferidas no curso do processo26.

Mas não só isso. Além de a legislação prever aos cidadãos o poder e o direito de recorrer, conforme explicado por Flávio Cheim Jorge, ela deve ir mais além. A legislação infraconstitucional deve fazer expressa previsão do rito procedimental para o processamento e julgamento do recurso nela disposto, mesmo que sucintamente, e não deixar a medida recursal sem qualquer dispositivo legal sobre como deve ser seu procedimento, sob pena de afrontar indiretamente o princípio da ampla defesa27.

Amilton Bueno de Carvalho bem assevera em seus julgados a necessária jurisdicionalização que deve permear a execução penal, com a observância efetiva de todos os princípios e garantias constitucionais inerentes ao processo, sobretudo o contraditório, a citada ampla defesa, o devido processo legal, a razoável duração do processo28 e a necessidade de motivação das decisões judiciais29.

Ou seja, o estudo da execução penal, destaca Guilherme de Souza Nucci, deve fazer-se sempre em consonância com os princípios constitucionais penais e processuais penais, devendo haver um forte amparo dos direitos e garantias individuais insculpidos no art. 5º da CF/8830. “O que se impõe hoje é conceber a Política criminal como Política criminal constitucional e o Direito penal como Direito penal constitucional”, escrevem Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini e Antonio de Molina, mencionando os autores treze princípios (e seus corolários) que estão expressa e implicitamente previstos na Constituição e que regem as ciências criminais atualmente31.

Salo de Carvalho também escreve acerca da necessidade de se conceber ao processo de execução penal seu caráter contraditório, admitindo aos condenados a produção de prova e sua refutação quando em jogo a concessão ou revogação de direitos que lhes são inerentes32. Ainda, destaca o autor a imprescindibilidade de se reavaliar a posição atual do magistrado, caso se pense realmente em atingir a democracia processual33:

Imprescindível, pois, se se quer realmente a democracia processual, reavaliar a posição do juiz, tornando-o garante dos direitos individuais em uma forma processual penal acusatória, regida pelos princípios do devido processo penal. Do contrário, em sendo mantida a opção inquisitiva adotada no processo de execução penal, muito embora seu caráter jurisdicional, será extremamente difícil garantir o mínimo dos direitos dos apenados34 (destaque nosso).

Araújo Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco35 salientam a importância de se conceder a natureza jurisdicional ao processo de execução penal, com as características jurisdicionais da substitutividade e da atuação concreta da lei, devendo o réu não ser enxergado como mero objeto, mas sim como titular de posições jurídicas de vantagem.

Aliás, há mais de 30 anos, ou seja, antes mesmo do advento da LEP, Armida Bergamini Miotto já sustentava o caráter jurisdicional que deve ter a execução penal, uma vez existente uma complexa relação jurídica entre o Estado e o condenado, com direitos, expectativas de direitos e legítimos interesses, necessitando, cada vez mais, de intervenção judicial36.

Vale consignar, por sua vez, a autonomia inerente à execução penal, desvinculado, portanto, dos domínios do Direito Penal material e processual – mas jamais totalmente independente –, conforme os próprios itens 10 e 12 da Exposição de Motivos da LEP orientam37.

Seguindo o entendimento acima exposto, já se teve oportunidade em manifestar que

[...] conceber a execução penal como atividade inteiramente administrativa já é uma posição superada, visto que sua natureza é complexa, ou seja, é predominantemente jurisdicional, porém conservando características de cunho administrativo. Hoje, não se pode olvidar dos chamados incidentes de execução (livramento condicional, saídas temporárias, anistia, etc.) e a necessária intervenção judicial nestes, bem como do direito de petição a favor dos presos, verdadeiros titulares de direitos e garantias, e, como tal, lhes é assegurado o controle judicial nesta fase de execução38.

Dessa maneira, deve-se buscar conceder à execução penal seu procedimento cabível assim como existe nas áreas cível e penal. O Direito da Execução Penal não é menos (nem mais) que o Direito Civil (material e processual) e o Direito Penal (material e processual). A execução penal também possui seu processo, cujos feitos, aliás, são dotados de extrema particularidade, pois o que estão em xeque são consagrados direitos fundamentais, como o da liberdade de locomoção.

No entanto, apesar dessa peculiaridade, mostra-se equivocado o entendimento de que não se pode equiparar os recursos (agravo de instrumento e agravo em execução) porque estão em jogo bens jurídicos materialmente diferentes, cujo valor de um é menor que o valor de outro. Ora, não se quer com este estudo menosprezar nenhum bem jurídico tutelado por qualquer que seja o ramo do direito. Porém, o que aqui se salienta é que os objetivos da execução penal não são exatamente os mesmos do direito penal. Na execução penal, persegue-se a finalidade de efetivar o cumprimento da sentença penal condenatória e de realizar a reintegração social do condenado. E tendo essa mentalidade, juntamente com os escopos constitucionais do processo, é que deve se balizar o intérprete do direito para a escolha do devido procedimento executivo penal.

Indagar sobre como deve ser um rito procedimental que atenda às finalidades de cumprimento da sentença penal e de reintegração social se apresenta, assim, como o primeiro passo. Nada tem a ver com questões estritamente de cunho material, que envolvam tão-somente o jus libertatis da pessoa, tal como escreve Mesquita Júnior39. O devido procedimento a ser escolhido deve ser o mais adequado àqueles fins da execução penal, mas de uma forma que seja coerente também com os valores constitucionais do processo, tendo em vista de modo salutar questões eminentemente processuais.

Ou seja, não se pode tão apenas dizer que se deve aplicar subsidiariamente o CPP à falta de regulamentação na LEP sem antes tratar satisfatoriamente o melhor caminho a ser seguido. “Melhor” não no sentido de estar correlato na lei escrita e no que a jurisprudência vem entendendo, mas sim de uma maneira que se dê à relação jurídica moldes inspirados num processo que assuma a posição de genuíno direito fundamental, como instrumento de efetivação e concretização dos direitos, norteado pela Constituição Federal e inspirado na finalidade precípua da execução penal, qual seja, a de “proporcionar ao condenado as necessárias condições para a harmônica integração social” (art. 1º da LEP)40.

É unânime na doutrina moderna que a Constituição hoje representa o centro de todos os ramos do direito, não podendo norma infraconstitucional alguma ter seu conteúdo em desconformidade com a Carta Magna41. Somente para ilustrar, Bruno Silveira de Oliveira, amparado magistralmente por José Roberto dos Santos Bedaque, enaltece a importância para uma correta definição dos fins do processo, de modo que “a interpretação teleológica do sistema jurídico seja iniciada na Constituição da República, cujos valores supremos se projetam sobre os planos material e processual do ordenamento”42 (destacou-se).

Por isso, o processo civil (constitucional) atual, que há tempos vem se estruturando melhor do que o processo penal, tendente cada vez mais à efetividade, moldurado gradativa e incessantemente para respeitar ao máximo o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e demais garantias processuais, deve ser utilizado como sistema apto a moldar o rito procedimental do agravo em execução.

As reformas e inovações emancipadoras trazidas sobretudo a partir de 1988 já evidenciam a relevância que se tem dado à maior publicização, socialização e constitucionalização do processo civil, bem como à efetividade processual, à atenção aos escopos sociais e políticos do processo civil e à identificação deste como verdadeiro instrumento técnico e ético, como método de efetivação e concretização dos direitos, destinado a atuar salutarmente na realização dos direitos fundamentais43.

Ora, se o pensamento moderno é no sentido da efetividade, como conceber um processo no qual se tem o prazo de 5 dias para interpor petição de recurso (art. 586 do CPP) e, na prática, apenas após análise e deferimento pelo juiz, abre-se prazo de 2 dias para arrazoar a peça recursal (art. 588 do CPP)? Claro que nesse problema buscou o STF dirimi-lo, fixando por meio de Súmula o prazo de 5 dias para que o agravo em execução seja interposto. No entanto, ainda assim fica a anomalia, pois a corrente que prevalece prega pela adoção do rito procedimental do recurso em sentido estrito, mas já está evidente que um dos fatores mais importantes do procedimento judicial, qual seja, o prazo para se interpor recurso, não é o mesmo do recurso previsto no art. 581 do CPP.

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Visualizando o diploma processual civil e o processual penal, as diferenças existentes em relação à adoção de um ou outro procedimento seriam assim resumidas:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: arts. 581 a 592 do CPP

AGRAVO DE INSTRUMENTO: arts. 522 a 529 do CPC

PRAZO: O recurso é interposto no prazo de cinco dias (art. 586), devendo oferecer as razões dentro de dois dias, cujo prazo será dado também ao recorrido (art. 588).

PRAZO: O agravo de instrumento deve ser interposto no prazo de dez dias (art. 522).

ENDEREÇAMENTO: No caso de decisão proferida em sede de execução penal, os recursos serão sempre para o Tribunal de Apelação (Tribunal de Justiça) (art. 582).

ENDEREÇAMENTO: O agravo de instrumento é dirigido diretamente ao tribunal competente, já com as razões do pedido de reforma da decisão, devendo ser protocolado no tribunal, ou postada no correio sob registro, com aviso de recebimento, ou, ainda, por outra forma prevista em lei local (art. 524 c/c art. 525, § 2º).

FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO E “SUBIDA” DO RECURSO: O recurso que não prejudicar o andamento do processo subirá nos próprios autos. Porém, quando houver de subir por instrumento, a parte indicará, no respectivo termo, ou em requerimento avulso, as peças dos autos de que pretenda traslado, devendo constar sempre a decisão recorrida, a certidão de sua intimação, se por outra forma não for possível verificar-se a oportunidade do recurso, e o termo de interposição. (art. 583 c/c art. 587).

FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO E “SUBIDA” DO RECURSO: A petição de agravo de instrumento será instruída, obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação, do comprovante de pagamento, das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado, além de outras peças que o recorrente entender úteis. Após a formação do instrumento, o agravante, sob pena de inadmissibilidade do agravo, requererá, dentro de três dias, a juntada aos autos da cópia da petição e relação dos documentos que a instruíram (art. 525 c/c art. 526).

PROCESSAMENTO NO TRIBUNAL QUANDO RECEBER O RECURSO: Com a resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao juiz, que, dentro de dois dias, reformará ou sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que Ihe parecerem necessários. Os recursos serão apresentados ao juiz ou tribunal ad quem, dentro de cinco dias da publicação da resposta do juiz a quo, ou entregues ao Correio dentro do mesmo prazo. Poderá ser concedido efeito suspensivo aos recursos nos casos de perda da fiança, de concessão de livramento condicional, de decisão sobre unificação de penas e outras hipóteses do art. 581 que não estão afetas à execução penal (arts. 589, 591 e 584).

PROCESSAMENTO NO TRIBUNAL QUANDO RECEBER O RECURSO: Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557; poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias; mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2o), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente; mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de dez dias (art. 527). Caso o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo (art. 527 c/c art. 529).

Deve-se aqui restar consignado também uma rápida explicação acerca do princípio da taxatividade em matéria recursal, no qual estabelece que somente são considerados “recursos” aqueles expressa e especificamente elencados como tais pela lei federal, já que a União é o único ente político competente para legislar sobre direito processual em solo pátrio (art. 22, inciso I, CF/88).

Assim, fora do art. 496 do CPC, existem outros recursos nas leis federais esparsas, como o recurso inominado da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/1995) e os embargos infringentes da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980).

O problema que acontece com o agravo da LEP é que, em se tratando de modalidade recursal “agravo”, a utilização de procedimento diverso daquele previsto no CPC, ou, ainda, como se queira, do recurso em sentido estrito do CPP, não padece de inconstitucionalidade alguma, o que pode configurar um fator muito grave. Explica-se: os Tribunais brasileiros, conforme seus regimentos internos, acabam prevendo o cabimento do agravo e disciplinando seu processamento, denominando-o geralmente de “agravo regimental”. Ocorre que essa previsão disposta nos regimentos internos ou nas leis estaduais não está em contrariedade com o texto constitucional, pois o que eles estão fazendo é tão-apenas disciplinar a forma de interposição do recurso gênero “agravo”. E tal competência legislativa, como se pode observar no art. 24, inciso XI, CF/88, é exercida concorrentemente pelos Estados, União e Distrito Federal, especificamente sobre “procedimentos em matéria processual”.

Sendo assim, o agravo regimental existente nos Tribunais brasileiros não padece do vício de inconstitucionalidade, caso seja previsto expressamente nas leis estaduais ou, de acordo com Cheim Jorge, podendo ser até mesmo disposto nos regimentos internos sem que configurasse a aludida inconstitucionalidade, a partir de uma interpretação extensiva do art. 24, XI, CF/88, admitindo que a palavra lei seja tomada em seu sentido material44.

Esse tipo de agravo, embora se traduza em impugnação apta a desafiar decisões interlocutórias proferidas nos Tribunais de forma monocrática (um só juiz)45, e, portanto, não interesse verdadeiramente ao estudo aqui detido, traz a grave possibilidade de enaltecer a força dos Tribunais em bem disciplinar, por meio de seus próprios regimentos internos, formas de interposição e espécies outras do recurso gênero agravo, trazendo, inclusive, seu processamento.

Nessa linha de pensamento, os Tribunais de Justiça estaduais poderiam adotar determinado procedimento ao agravo em execução da forma que bem entenderem, como já ocorre em alguns Estados. Com isso, muitas questões entrariam em conflito, caso se pensasse, por exemplo, na situação de transferência de presos entre os vários estados da nação – e cada um destes, por sua vez, disciplinando o processamento do agravo em execução da sua maneira46, como bem se infere do que já se sedimentou no Egrégio STJ:

C.C. – EXECUÇÃO PENAL – PENA – CUMPRIMENTO EM COMARCA DISTINTA DO JUÍZO DA CONDENAÇÃO – JURISDIÇÃO – MUDANÇA.

Em havendo transferência do condenado do juízo da condenação para outra jurisdição, há imediato reflexo na competência. A administração da execução da pena e a solução dos respectivos incidentes, inclusive mudança do regime, compete ao juízo de onde se encontre o transferido (STJ, Conflito de Competência nº 8397/BA, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Órgão Julgador: Terceira Seção, data do julgamento: 01/12/1994, data da publicação: 03/04/1995).

A necessidade em se ter um procedimento uniforme em nível nacional, dessa forma, se faz necessária para se evitar práticas procedimentais conflitantes realizadas entre os estados-membros do país.

Ademais, como analisado acima, percebe-se que o Projeto de Lei nº 292 traz em si dispositivos muito semelhantes aos que estão expressamente previstos no CPC, sendo a correspondência feita da seguinte forma: o art. 197-A que seria introduzido na LEP corresponde ao art. 525 do CPC; o art. 197-B corresponde ao art. 526, CPC; o 197-C ao 527; o 197-D ao 528; o 197-E ao 529; o 197-F corresponderia ao importante art. 557 do CPC; e, por fim, o art. 197-G corresponde ao art. 558, CPC.

Marcelo Colombelli Mezzomo, em artigo elaborado em junho de 2007, discorreu sobre o Projeto de Lei nº 292 e sua importância para a concessão de um procedimento judicial a ser observado no agravo (de instrumento) em execução. Como explica Mezzomo, o Projeto se mostra como uma boa alternativa à problemática, e, não obstante este artigo não tenha buscado analisar detalhadamente o referido Projeto, é oportuno fazer destaque de parte do teor de sua justificativa:

[...] O rito do agravo de instrumento atende de forma mais célere e eficaz às pretensões dos recorrentes. Primeiro, porque endereçado diretamente ao Tribunal e devidamente instrumentalizado, evita a demorada e inútil tramitação do recurso em primeiro grau. Segundo, ao permitir a apreciação de pedido liminar, viabilizando uma resposta imediata à providência postulada, respeitando os diretos do condenado e da segurança pública, evitando segregações indevidas e liberação precoce de presos, cujo resultado é de conhecimento público (novas vítimas, elevado custo do aparato de segurança pública para efetuar recapturas e apurar novos crimes, sem contar o custo social da violência ocasionada pela precipitada soltura de condenados). Terceiro, gastos desnecessários com a dupla tramitação do atual recurso de agravo – repetição de atos em primeiro e segundo graus (destacou-se) (Justificativa do Projeto de Lei nº 292/2007).

Compreende-se, desse modo, que o referido PL está ao encontro do que foi explanado, isto é, da maior aproximação entre os sistemas recursais do processo civil e do processo penal. Nessa linha, Mezzomo salienta muito bem que “se a função do processo é assegurar a vigência de valores constitucionais e se estes valores são gerais, consequência lógica é que o processo penal e o processo civil tenham mais coisas em comum do que a distanciá-los”47.

Ou seja, é justamente a real intenção do legislador à época da elaboração da LEP que deve ser perseguida, não podendo ser distanciado ainda mais o processo civil do processo penal.

Não se trata de mera transmissão mecânica de categorias do processo civil ao processo de execução penal, mas sim pensar racional e conjuntamente os dispositivos comuns existentes e o que a teoria geral do processo pode fornecer para melhor se adequar a cada espécie recursal, em atenção àqueles valores constitucionais do processo já citados, a saber: efetividade, contraditório, ampla defesa, etc.

Ocorre que dar à matéria tratamento uniformizado, sem dúvida, já é o pensamento de boa parte dos autores que tecem comentários sobre o assunto, porém não se vê nada enfaticamente debruçado na causa.

Muitos doutrinadores, quando buscam tecer explicações quanto ao procedimento do recurso de agravo em execução, trazem o magistério do Defensor Público Silvio Roberto Mello Moraes, o qual, ainda em julho de 1990, escreveu pequeno artigo que discorre sobre a problemática. Em suas conclusões, Silvio Roberto entende que devem ser aplicadas as regras procedimentais do recurso em sentido estrito, por dois motivos fundamentais:

a) primeiro porque, se é possível encontrar-se no ordenamento processual penal solução satisfatória para o preenchimento do vazio legal deixado pela LEP, não há razão que justifique lançar-se mão de regras inseridas em ordenamento jurídico diverso, haja vista o disposto no art. 2º desta mesma lei; b) não há qualquer benefício em se adotar o procedimento do agravo de instrumento do Código de Processo Civil, já que as diferenças existentes entre este recurso e o em sentido estrito, não justificam a utilização do procedimento daquele. Até porque as regras do recurso strictu sensu se coadunam melhor com o espírito menos rigoroso da sistemática processual penal (possibilidade de interposição do recurso por petição ou termo nos autos; possibilidade de interposição prévia e posterior apresentação das razões etc.)48.

Todavia, as conclusões do ilustre Defensor não se compactuam mais com a atual sistemática recursal, posto que suas ideias são oriundas do ano de 1990, há mais de 20 anos portanto, sendo que várias legislações já sobrevieram durante esse período.

Aliás, não há incoerência alguma em utilizar-se de técnica que se aplique analogicamente as disposições do CPC ao agravo em execução, a ser realizada no seguinte sentido: se o art. 2º, caput, da LEP possibilita a utilização subsidiária do CPP, o diploma processual penal também abre a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC, mais especificamente em seu art. 3º. Sendo assim, não encontrando o devido procedimento no CPP, passa-se à análise do CPC.

Por sua vez, as recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no sentido de traçar um plano de gestão relativo aos procedimentos em Varas de Execução Penal tentam de alguma forma organizar o processamento judicial desses tipos de feitos49. Apesar do esforço, o CNJ recomenda apenas o disciplinamento uniforme quanto ao rito processual a ser adotado para a execução penal no que tange aos pedidos de benefícios, simplificadamente da seguinte maneira:

Formulação do pedido de benefício da parte legitimada

Vistas dos autos à defesa do condenado e ao Ministério Público (se não forem estes os pretendentes originários)

Determinação de produção de prova ou decisão

Não obstante a falta de recomendação quanto ao processamento do recurso em estudo, é de louvável importância a tentativa do CNJ em buscar dar tratamento uniforme ao processamento de diversos institutos existentes na LEP, como a expedição de guias de recolhimento, benefícios em prisão provisória, liquidação das penas, execução da pena de multa, autuação dos incidentes e benefícios, processamento das saídas temporárias, etc.

Ainda, tendo em mentalidade a celeridade dos processos, pugna o CNJ pela efetivação da informatização nos processos de execução penal50, também outra relevante iniciativa atualmente, já que a LEP está entre as legislações dos países civilizados que mais contempla benefícios aos presos.

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Sobre o autor
Vitor Gonçalves Machado

Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera/LFG. Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera/LFG. Bacharel em Direito pela UFES. Advogado do Banco do Estado do Espírito Santo. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4463439U4.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Vitor Gonçalves. A problemática do procedimento a ser seguido pelo recurso de agravo em execução ante a falta de expressa previsão legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3966, 11 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28152. Acesso em: 28 abr. 2024.

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