O excesso de barulho nas cidades e o direito ao sossego

27/05/2014 às 16:38
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O artigo aborda o problema do barulho urbano e as questões jurídicas pertinentes ao tema.

O excesso de barulho nas cidades e o direito ao sossego

A poluição sonora, infelizmente, atinge cada vez mais os grandes centros urbanos. A população que já sofre com congestionamentos, índices elevados de criminalidade, estresse, entre outros males, vem enfrentando também o excesso de barulho.

Após concluir a jornada de trabalho o cidadão retorna para o seu lar em busca de paz e tranquilidade para o merecido descanso, mas frequentemente esse intuito é frustrado por causa dos sons emitidos por bares, restaurantes, igrejas, academias, vizinhos desprovidos de bom senso etc. O direito ao sossego tem sido reiteradamente desrespeitado.

Viver em comunidade pressupõe o respeito para com o outro. Conviver em harmonia acarreta benefícios para o todo, noutro lado, qualquer tipo de violência só tende a gerar violência. Emitir ruídos exageradamente ataca a dignidade da pessoa. O sossego é fundamental na vida de qualquer indivíduo e a sua ausência provoca sérios males para a saúde humana.  O Superior Tribunal de Justiça (STJ) destacou no julgamento do Recurso Especial n. 1051306/MG que “o direito ao silêncio é uma das manifestações jurídicas mais atuais da pós-modernidade e da vida em sociedade, inclusive nos grandes centros urbanos”.  

É um paradoxo saber que ao mesmo tempo em que vivemos em comunidade somos cada vez mais individualistas. Ao realizarmos um ato temos que necessariamente calcular as suas repercussões.  

O código civil tem a eticidade e a sociabilidade entre os seus princípios norteadores, ou seja, há uma preocupação do legislador em regulamentar as relações privadas com normas que privilegiem a boa-fé e o interesse da comunidade. Atitudes causadoras de quaisquer prejuízos materiais ou morais precisam ser repelidas e punidas pelo poder estatal, seja através de multas, cassação de alvarás, interdições e indenizações. O Estado precisa promover campanhas educativas para conscientizar a população da importância de respeitar o direito ao silêncio, bem como fiscalizar a sua observância e punir os infratores.   

Grande parte da população urbana tem reclamado constantemente do excesso de barulho promovido pelos seus vizinhos. Quais seriam os motivos desse problema? Falta de bom senso? Falta de educação? Falta de fiscalização? Individualismo? Outros? Não se pretende aqui investigar quais seriam as causas que levam o ser humano a incomodar ao próximo, o objetivo do presente texto é abordar sinteticamente as questões jurídicas que permeiam o tema.

Em primeiro lugar cabe desmitificar o pensamento de muitos que acreditam que o barulho só pode ser combatido pelo poder público após as 22:00 h, o que é um engano. O individuo não pode extrapolar na emissão de sons independentemente do horário. O bom senso deve prevalecer vinte e quatro horas por dia. O ordenamento jurídico possui meios de coibir e punir os excessos. De acordo com o art. 187 do código civil “o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” comete ato ilícito. Como consequência poderá ser processado e condenado a pagar indenizações pelos danos ocasionados. Também é possível o ajuizamento de ações cíveis objetivando a imposição de obrigações de fazer, como por exemplo, obrigar uma acadêmica ou um bar a manter isolamento acústico para não incomodar os vizinhos ou obrigações de não fazer para que sons em demasia sejam evitados, sob pena de imposição de multa pelo desrespeito da obrigação. Logo, caracterizado o barulho excessivo, é possível requerer, na esfera cível, a sua cessação, indenizações pelos danos sofridos e tutelas judiciais para obter obrigações de fazer ou de não fazer, tudo dependendo do caso concreto. Cabe mencionar que alguns municípios possuem serviços de fiscalização de estabelecimentos que excedem no barulho.

Na esfera penal cita-se o art. 54 da Lei nº 9.605/98 que considera crime ambiental “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. Já a lei de contravenções penais preceitua no artigo 42 a conhecida perturbação do sossego que seria “Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda”.   

O excesso de ruídos é algo que precisa ser levado a sério por todos, pois preservar o sossego significa proteger a integridade física e psíquica do cidadão e via de consequência a sua a vida.

A poluição sonora constitui infração dos deveres de vizinhança porque viola o direito ao sossego. Os direitos costumam sofrer limitações pelo fato de vivermos em comunidade, por isso não é pelo fato de sermos proprietários de um imóvel ou de um automóvel que podemos fazer o que bem entender com esses bens. Já dizia o ditado popular que o direito de uma pessoa acaba quando começa o direito de outra, ou seja, tudo nessa vida sofre limitações.

Por fim é preciso destacar que não podemos ser extremistas e achar que qualquer som e em qualquer situação irá gerar todas as consequências jurídicas narradas no presente texto, precisamos lembrar que vivemos em comunidade e algumas condutas esporádicas e que não sejam de má-fé podem ser toleradas, desde que razoáveis. O que precisa ser evitado e punido é o excesso, a extrapolação do bom senso, condutas reiteradas e/ou exageradas que lesam o direito ao sossego, atrapalham o descanso, retirando a paz das pessoas e com isso interferindo negativamente na esfera jurídica do próximo. Portanto, a conclusão que se chega é inevitavelmente que a educação é a base para vivermos em harmonia respeitando o direito do outro e o conhecimento faz-se necessário para exigirmos que os nossos direitos sejam respeitados.     

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Sobre o autor
Frederico Oliveira Freitas

Especialista e Mestre em Direito. Advogado. Professor das Faculdade de Direito Arnaldo Janssen e Faculdade de Minas - FAMINAS-BH. Autor de artigos jurídicos.

Informações sobre o texto

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