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A importância da interpretação jurídica na busca da realização da Justiça

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01/07/2000 às 00:00
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6. A interpretação jurídica e o respeito à norma legal

O juiz, ao interpretar a lei, não pode ater-se a simpatia ou ojeriza às partes no que tange a suas classe social, nacionalidade, profissão, idéias políticas e religiosas. Deve, acima de tudo, procurar interpretar o direito sempre de forma objetiva, equilibrada, desapaixonante, respeitando a razão e, as vezes usando de audácia.

O intérprete deve manter o raciocínio longe da paixão, pois ela o cega. Deve, sempre, procurar interpretar e aplicar a lei ao caso concreto de forma a objetivar o bem comum, mas nunca, para isso, extrapolar o limite da própria norma jurídica.

          "Cumpre evitar, não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais este se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto idéias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos." (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.103).

Em acórdão do qual foi relator o eminente Ministro Oscar Corrêa, o Supremo Tribunal Federal já decidiu:

          "Não pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular de próprio a regra de direito aplicável.

          Mitigue o Juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério". (Revista Brasileira de Direito Processual. Ed. Forense, vol. 50, p. 159).

          "Em geral, a função do juiz, quanto aos textos, é dilatar, completar e compreender, porém não alterar, corrigir, substituir. Pode melhorar o dispositivo, graças à interpretação larga e hábil; porém não – negar a lei, decidir o contrário do que a mesma estabelece. A jurisprudência desenvolve e aperfeiçoa o Direito, porém como que inconscientemente, com o intuito de o compreender e bem aplicar. Não cria, reconhece o que existe, não formula, descobre e revela o preceito em vigor e adaptável à espécie. Examina o Código, perquirindo das circunstâncias culturais e psicológicas em que ele surgiu e se desenvolveu o seu espírito; faz a crítica dos dispositivos em face da ética e das ciências sociais, interpreta a regra com a preocupação de fazer prevalecer a justiça ideal (richtiges Recht), porém tudo procura achar e resolver com a lei, jamais com a intenção descoberta de agir por conta própria, proeter ou contra legem." (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 80).

Carlos Maximiliano, citando C.A. Reuterskioeld – Ueber Rechtsauslegung, 1889, p. 66, esbraveja lição que deve ficar integrada ao consciente do intérprete:

          "Esteja vigilante o magistrado, a fim de não sobrepor, sem o perceber, de boa fé, o seu parecer pessoal à consciência jurídica da coletividade; inspire-se no amor e zelo pela justiça, e "soerga o espírito até uma atmosfera serena onde o não ofusquem as nuvens das paixões." (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.105).

Pode-se concluir que a regra escrita nem sempre é justa, a não ser nos casos onde a diferença entre a lei e o fato são praticamente insignificantes. No entanto, abandonar o ordenamento jurídico, sob o pretexto de alcançar o ideal de justiça, somente levaria a um mal maior. Isso porque a vantagem precípua das codificações consiste na certeza e na estabilidade do Direito, pois afinal "la vida de la comunidad humana exige una regularidad o, más bien dicho, una regulación que la haga posible, ordenada, perfectible, justa. Esto constituye el motor y el fin del derecho y es de una significación viva y permanente. (El hombre es un animal jurídico.)." GARAY, Luis de. Que es el derecho? México: Editorial Jus, 1976.


7. Conclusão

Sendo a existência do ordenamento jurídico uma constante em toda sociedade, deverá, sempre e necessariamente, sujeitar-se a regras de interpretação jurídica visando a conferir a aplicabilidade da norma legal às relações sociais que lhe deram origem, estender o sentido da norma às relações novas, inéditas ao tempo de sua criação, e temperar o alcance do preceito normativo, para fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social.12

Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão, extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 9).

Tais finalidades perseguidas na interpretação jurídica precisam ser essencialmente cumpridas, objetivando o acompanhamento evolucionário do ordenamento jurídico com o desenvolvimento cultural, de modo a afeiçoá-lo às exigências e necessidades sociais.

Em evidência, hoje, o fenômeno da globalização, caracterizado pela intensa circulação de pessoas, bens, capitais e tecnologia através das fronteiras, influenciando padrões culturais e trazendo, como conseqüências, problemas diversos que atingem todo o planeta, como a proteção dos direitos humanos, o desarmamento nuclear, o crescimento populacional e a poluição ambiental.

Os avanços na medicina como a evolução da engenharia genética, as experiências no campo da fecundidade, a reprodução humana assistida, a chamada barriga de "aluguel" e o banco de sêmen, são, induvidosamente, novidades que trarão reflexos no âmbito do Direito. (SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade Médica Civil Criminal e Ética. Belo Horizonte: 1998, Del Rey.)

A união homossexual que, atualmente, não constitui novidade, e sim, uma realidade em todo mundo. Comprova-se tal alegação pelo exemplo adotado na França que, recentemente, legalizou a união homossexual – Pacs - , criando, assim, algumas vantagens para os companheiros homossexuais.

Nota-se também o agravamento de problemas tais como a pobreza e a fome generalizadas, o aumento da mortalidade infantil e o crescimento exacerbado da violência urbana.

Todas essas inovações e problemas sociais estão, sem dúvida alguma, umbilicalmente ligados ao Direito. Deve procurar o intérprete não ficar adstrito à letra morta e fria da lei. Há de buscar sugar conhecimentos diversos ligados não só à ciência jurídica, como os relacionados às mudanças sociais, tecnológicas e políticas, enfim, todo o conhecimento inerente à realização do árduo ofício do juiz: a busca da justiça.

É bem verdade que "não existe nada indolor na interpretação e aplicação do direito. Por isto, faz-se necessário ir além, em direção à outra lógica, atinente aos raciocínios dialéticos ou retóricos, que não conduzem às verdades apodícticas, mas ensinam o jurista a conviver com a controvérsia, levando-o ao terreno do verossímil, do provável, de uma aproximação maior ou menor da verdade."13

"Assim, interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta." (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994. Citando Ludwing Enneccerus. Lehrbuch des Burgerlichen Rechts, 8ª ed., 1921, vol. 1).

É necessário interpretar a lei evitando, sempre que possível, sua rigidez natural e positivismo, sem no entanto ir contra ao que nela foi estabelecido, tendo em vista a assegurar o bem comum e atenuar as injustiças sociais, evitando, assim, decisões arbitrárias e sem sentido, que além de desprestigiar o judiciário, vão contra a natureza do objetivo da lei, qual seja, o prestígio e amparo do bem comum.

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Somente assim agindo estará o intérprete exercendo o seu papel sem, todavia, alterar o espírito da lei, pois, afinal "a justiça é uma necessidade de todos e de cada instante; e assim como deve exigir o respeito, deve inspirar confiança". (MIRABEAU. Discours Sur L’organisation Judiciaire).


          NOTAS

          1 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 381.

          2 REALE, Miguel. Fundamentos do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

          3 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p. 21.

          4 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p. 22.

          5 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 381.

          6 GARAY, Luis de. Que es el derecho? México: Editorial Jus, 1976, p.12.

          8 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 63..

          9Ibid., p. 64.

          10Ibid., p. 65.

          11 MUSSETI, Rodrigo Andreotti. A Hermenêutica jurídica de Hans-george Gadamer e o pensamento de São Tomás de Aquino. http://www.cjf.gov.br/.

          12 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1991, 382.

          13 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 146.


BIBLIOGRAFIA

ALVARENGA, Maria Amália de Fiqueiredo Pereira, ROSA, Maria Virgínia de Figueiredo Pereira do Couto. Apontamentos de metodologia para ciência e técnicas de redação científica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999.

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996.

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997.

BENETI, Sidnei Agostinho. Da conduta do juiz. São Paulo: Saraiva, 1997.

CHAIM, Perelman. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1966, tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1991.

GARAY, Luis de. Que es el derecho? México: Editorial Jus, 1976.

GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán Y. Filosofia da politica Sto. Tomas de Aquino. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1945.

MENEZES, Djacir. Introdução à ciência do direito. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora Ltda., 1952.

REALE, Miguel. Fundamentos do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

MUSSETI, Rodrigo Andreotti. A Hermenêutica jurídica de Hans-george Gadamer e o pensamento de São Tomás de Aquino. http://www.cjf.gov.br/.

SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade Médica Civil Criminal e Ética. Belo Horizonte: 1998, Del Rey.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O Juiz. Seleção e Formação do Magistrado no Mundo Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

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Sobre o autor
Lúcio Delfino

advogado e consultor jurídico em Uberaba (MG), doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, professor dos cursos de graduação e pós-graduação da UNIUBE/MG, membro do Conselho Fiscal (suplente) do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, diretor da Revista Brasileira de Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFINO, Lúcio. A importância da interpretação jurídica na busca da realização da Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29. Acesso em: 3 mai. 2024.

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