O direito de greve dos servidores públicos: a realidade legislativa no Brasil x Poder Judiciário (ativismo judicial)

04/06/2014 às 10:19
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O presente artigo objetiva a análise crítica da morosidade legislativa brasileira e a aplicação de efeitos concretos as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, adotando-se como parâmetro a ausência de lei regulamento do direito de greve dos ser

O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS: A REALIDADE LEGISLATIVA NO BRASIL X PODER JUDICIÁRIO (ATIVISMO JUDICIAL)

Artur Felipe de Medeiros[1]

RESUMO: O presente artigo objetiva a análise crítica da morosidade legislativa brasileira e a aplicação de efeitos concretos as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, adotando-se como parâmetro a ausência de lei regulamento do direito de greve dos servidores públicos.

PALAVRAS-CHAVES: Morosidade legislativa. Supremo Tribunal Federal. Mandado de injunção. Efeitos concretos (ativismo judicial).

1 – GREVE, O QUÊ É?

Preambularmente, se faz necessária à análise conceitual do instituto jurídico basilar deste trabalho, qual seja, a greve.

De acordo com Vólia Bomfim Cassar, a “greve é a cessação coletiva e voluntária do trabalho, decidida por sindicatos de trabalhadores assalariados de modo a obter ou manter benefícios ou para protestar contra algo.” (VÓLIA, 2012, p. 1268).

Como se observa, a greve é uma movimentação reivindicatória, de cunho coletivo, promovido por um grupo de trabalhadores com um ideal comum, seja para proteger as condições de trabalho existentes, para melhorá-las ou para defender algum outro ideário.

Em harmonia com a mencionada autora, além de ser considerado um direito potestativo, pois só será exercido quando interessar ao grupo, de acordo com critérios de oportunidade e conveniência, a greve demonstra o nível de interação existente entre os trabalhadores, perfazendo-se como uma arma essencial na luta de classes.

A Carta Política de 1988, exteriorizando o sentimento de medo e insegurança vivenciado no Brasil durante todo o período ditatorial (1964/1985), elevou alguns direitos ao status de norma constitucional, objetivando a sua maior proteção e ampliação.

Foi nesse contexto que o direito de greve foi assegurado aos trabalhadores da iniciativa privada (art. 9°, da CRFB) e aos servidores públicos (art. 37, VII, da CRFB), devendo, neste último caso, ser exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.

Como se observa, o direito de greve foi albergado na própria Constituição Federal, evidenciando a sua importância e relevância para o ordenamento jurídico pátrio, merecendo observância especial

2 – O LEGISLATIVO BRASILEIRO E A VERGONHOSA MOROSIDADE

Idealizada inicialmente por Aristóteles, na obra Política, e sistematizada por Montesquieu, na obra O Espírito das Leis, a teoria da tripartição dos poderes almejava retirar das mãos do soberano todas as funções do Estado e distribuí-las a órgãos (poderes) distintos, autônomos e independentes entre si, melhorando o seu desempenho (LENZA, 2010, p. 397).

Com o desenvolvimento das teorias políticas e constitucionais, passou-se a considerar que cada um dos poderes desempenhava funções típicas e atípicas, sendo as primeiras as suas funções características e primordiais., tais como a função do Poder Legislativo de criar normas de caráter geral e abstrato.

No Brasil, o Poder Legislativo Federal é bicameral, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, sendo essas casas responsáveis pela edição das normas aplicáveis em todo o território nacional.

Infelizmente, mesmo contando com 513 deputados federais e 81 senadores, o Legislativo Federal Brasileiro é considerado, inclusive internacionalmente, como exemplo de ineficiência, tendo em vista a morosidade característica da maioria dos projetos de lei que por lá tramitam.

Ademais, se não bastasse à lentidão típica dos nossos projetos de lei, que por vezes já entram em vigor desatualizados, algumas temáticas são desconsideradas e, sequer, são legisladas, mesmo diante de obrigação direta prevista na Constituição Federal.

A ausência de legislação regulamentando o direito de greve dos servidores públicos é um típico exemplo do mau desempenho das funções legislativas pelo Congresso Nacional, pois a Carta Política dispôs expressamente que esse direito seria regulamentado por lei específica.

Contudo, até o presente momento, decorridos mais de 25 anos da publicação da CRFB, o Congresso Nacional não aprovou qualquer lei regulamentando o supramencionado direito, desrespeitando, de forma clara e evidente, as garantias asseguradas aquela classe.

Atualmente, esta em plena vigência a Lei 7.783/89, que trata da regulamentação das greves na iniciativa privada. Por sua vez, a greve dos servidores públicos ainda continua sem regulamentação, não havendo qualquer lei nesse sentido, o que, em tese, inviabilizaria o exercício desse direito.

3 – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AS LACUNAS LEGISLATIVAS

Dentre as suas atribuições, o Supremo Tribunal Federal é competente, nos termos do art. 102, I, “q”, da CRFB, para processar e julgar, originariamente, in verbis:

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

 

A Carta Constitucional, no art. 5°, LXXI, dispõe sobre o instituto do mandado de injunção da seguinte forma, in vebis:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

 

Como se observa, o mandado de injunção é um dos instrumentos a disposição dos indivíduos para que lhes sejam assegurados o exercícios dos seus direitos fundamentais, quando não for possível exercê-lo em virtude da ausência de lei.

Originariamente, o mandado de injunção foi concebido apenas com efeitos declaratórios, ou seja, após ser julgado, o máximo que o magistrado poderia garantir como resultado ao autor, seria a notificação da casa legislativa omissa, registrando a ausência de lei e que, em virtude desta, alguns direitos não estariam sendo exercidos.

Logo, percebe-se que a impetração do referido remédio constitucional não surtia efeitos práticos, pois apenas servia para notificar à casa legislativa que, como de praxe, permanecia inerte e alheia as reais necessidades sociais, sem tomar qualquer medida diante da decisão judicial.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento conjunto dos mandados de injunção 670, 708 e 712, passou a dar uma nova roupagem aos referidos “writs”, aplicando-lhes efeitos concretos, garantindo a sua produção de resultados e não apenas a certificação de uma ausência de lei.

Foi com esse posicionamento que a jurisprudência passou a enxergar o mandado de injunção como uma ferramenta efetivamente protetora dos direitos fundamentais, pois passou-se a admitir a concessão de efeitos concertos as decisões emanadas da Suprema Corte.

Para que possamos entender o teor e a importância da mudança do entendimento acima descrito, se faz necessária a análise de alguns excertos do voto do Ministro Celso de Mello, quando da relatoria do Mandado de Injunção 712, in verbis:

 

O mandado de injunção, desse modo, deve traduzir significativa reação jurisdicional, fundada e autorizada pelo texto da Carta Política que, nesse “writ” processual, forjou o instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves conseqüências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão - e prolongada inércia - do Poder Público.

[...]

Esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional, impedindo-se, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum.

 

[...]

Na verdade, o mandado de injunção busca neutralizar as conseqüências lesivas decorrentes da ausência de regulamentação normativa de preceitos constitucionais revestidos de eficácia limitada, cuja incidência - necessária ao exercício efetivo de determinados direitos neles diretamente fundados - depende, essencialmente, da intervenção concretizadora do legislador.

[...]

A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado, pois nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se revelarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

 

[...]

O desprestígio da Constituição - por inércia de órgãos meramente constituídos - representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.

[...]

Em suma, Senhora Presidente, as considerações que venho de fazer somente podem levar-me ao reconhecimento de que não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.

Daí a importância da solução preconizada pelos eminentes Ministros EROS GRAU (MI 712/PA) e GILMAR MENDES (MI 670/ES), cuja abordagem do tema ora em exame não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concretizadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis.

 

É indispensável rememorarmos que esses três mandados de injunção versavam sobre o direito de greve dos servidores públicos, matéria ainda não regulamentada pelo legislador federal.

Nos mencionados casos, o Supremo Tribunal Federal admitiu que fosse aplicada a lei de greve do setor privado aos servidores público, no que esta fosse compatível com o regime jurídico administrativo, posto que os servidores  públicos estão submetidos a um regramento especial, no qual se vislumbra, por exemplo, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

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Ou seja, o STF não se limitou a informar o Congresso Nacional da sua omissão, mas sim, garantiu aos servidores públicos o exercício dos seus direitos constitucionais a greve, com base nas disposições da Lei 7.783/89, aplicando-se a mencionada lei, logicamente, no que for compatível com o regime jurídico administrativo.

Frente ao exposto, torna-se claro e evidente que a aplicação dos efeitos concretos nos mencionados mandados de injunção foi decorrente exclusivamente da inação das Casas Legislativas Federais, pois estas não cumpriram com o seu dever constitucional, desconsiderando e não cumprindo as suas funções típicas.

4 – CONCLUSÃO

Analisando-se o panorama traçado acima, torna-se notório que o Poder Legislativo Federal foi totalmente desrespeitoso com as disposições constitucionais, não observando o seu dever de legislar estabelecido no art. 37, VII, da CRFB e desconsiderando a sua função típica, qual seja, legislar.

Ainda, vale-se destacar que o posicionamento concretizador adotado pelo STF é plenamente compatível com o ordenamento jurídico pátrio, pois não seria admissível a limitação do direito de greve em decorrência da omissão do Congresso Nacional, posto que o servidor público não detém parcela de culpa nessa relação.

Mesmo sabendo que os efeitos concretos foram atribuídos em virtude do descaso por parte do legislativo, é louvável o posicionamento adotado pelo STF, pois não se deve penalizar que não teve qualquer relação com a ausência da lei.

Por todo o exposto, espera-se que haja uma mudança no perfil dos parlamentares brasileiros e que estes passem a exercer as suas atribuições com mais zelo e respeito aos seus representados e a própria Constituição Federal. Contudo, se essa não for a postura adotada, espera-se que o Poder Judiciário esteja atento e pronto para novas decisões concretizadoras, sempre almejando a proteção das normas constitucionais e dos direitos nela assegurados.

5 – REFERÊNCIAS

BOMFIM, Vólia Cassar. 7°. Ed. ver. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 1°. Ed. – Salvador: Editora Juspodivm, 2014.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14°. Ed. ver. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010.

Em: http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/MI670cm.pdf. Acesso em: 03 de junho de 2009.


[1]- Acadêmico do 9° período do Curso de Direito da UFRN-CERES/CAICÓ. Estagiário da 9° Vara da Subseção Judiciário de Caicó, Estado do Rio Grande do Norte. Ex-Estagiário da Procuradoria Federal Especializada no INSS-Caicó. Ex-Estagiário da 1° e 2° Varas Cíveis da Comarca de Caicó, Estado do Rio Grande do Norte. Ex-Conciliador na Justiça Federal do Rio Grande do Norte.

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