A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais.

Divergências doutrinárias

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A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais é controvertida na doutrina no que se refere a impossibilidade da empresa cumprir penas.

INTRODUÇÃO

A principal discussão do tema proposto é se a pessoa jurídica, enquanto criação humana pode ou não delinquir, pode ou não ser responsabilizada penalmente por crimes ambientais. O tema é conflituoso, principalmente porque nos sistemas penais atuais, em geral, rege o princípio "societas deliquere non potest ". Este é o sistema jurídico predominante nos países onde o direito tem origem romano-germânica, baseado primordialmente na teoria da ficção de Savigny .

Nestes termos, somente o ser humano pode delinquir, pois unicamente ele é dotado de vontade e de capacidade para dirigir sua vontade no mundo exterior; só o homem pode ser sujeito de direito. Portanto, só o homem, individualmente considerado, é dotado pela natureza de capacidade para ser sujeito de direitos e de personalidade. Faltaria, aos entes coletivos, capacidade de conduta e culpabilidade, não podendo estes, senão por seus sócios, realizar por si só, ações ou omissões.

1. POSIÇÕES ACERCA DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Apesar da previsão constitucional de responsabilidade da pessoa jurídica, a doutrina divide-se em relação ao tema. Importante frisar que a pesquisa em questão não tem intenção de exaurir todos os argumentos contrários e favoráveis a penalização do ente coletivo, mas apenas estabelecer uma visão geral sobre o assunto, enfocando os argumentos mais importantes.

Penalistas tradicionais e outros entendem que a pessoa jurídica não poderia responder penalmente por crime ambiental, uma vez que esta não possui vontade própria, é incapaz de entender o caráter preventivo ou mesmo retributivo da pena, sendo um mero instrumento para a exteriorização da vontade de seus dirigentes, tornando a aplicação de pena criminal ineficaz.

Atrelados a este conceito, autores como Juarez Tavares, Cezar Roberto Bittencourt, Rogério Greco e René Ariel Dotti, tecem contrários a responsabilidade penal da pessoa jurídica, afirmando que a atividade humana conscientemente dirigida a um fim exige a presença de uma vontade, entendida como uma faculdade psíquica da pessoa humana, ou seja, que somente o ser humano pode ter. No que se refere ao tempo do crime, seria complicado estabelecer este momento com uma pessoa jurídica, uma vez que este tempo se estabelece por uma ação humana.

Outro obstáculo diz respeito ao princípio da personalidade da pena, consagrado pela Constituição Federal de 1988(CF/88), em seu art. 5º, inc. XLV, segundo o qual, nenhuma pena passará da pessoa do apenado. Deste modo, ninguém responderá por um crime se não houver colaborado, culposa ou dolosamente, para sua consumação, sendo a sanção penal aplicada contra quem seja considerado autor ou partícipe do fato delituoso.

E, finalmente, o último argumento refere-se à impossibilidade de aplicação da pena privativa de liberdade, principal medida institucional utilizada contra as pessoas físicas, às pessoas jurídicas, por questões óbvias.

Os que argumentam em favor da responsabilidade penal da pessoa jurídica alegam que as infrações contra o meio ambiente ferem os interesses coletivos e difusos, e não só contra bens individuais, como também a vida das pessoas. A pessoa jurídica agiria e reagiria através de seus órgãos cujas ações e omissões são consideradas como seus.

Em termos constitucionais, a controvérsia principal é conhecer se a CF/88 proclamou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Esta polêmica continua presente na doutrina e na jurisprudência (vide abaixo), não tendo ainda uma definição majoritária:

- Crimes contra o meio ambiente – Inconstitucionalidade da Lei 9.605/98 – Inocorrência– "(...) deve ser afastada a argüição de inconstitucionalidade da Lei 9.605/98, quanto à determinação de responsabilizar-se criminalmente a pessoa jurídica, pois o disposto no § 3º do art. 225 da Constituição Federal demonstra cabalmente que o Brasil filiou-se às correntes mais modernas de prevenção e de perseguição de pessoas físicas e jurídicas (...)". (TACRIM-SP – 3ª Câm. – HC 351992/2 – Rel. Ciro Campos – j. 15.02.2000). Decisão não unânime.
- Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 9.605/98 – Ocorrência – "Mostra-se inconstitucional o art. 3º da Lei 9.605/98, no que toca à responsabilidade penal da pessoa jurídica. (...)" (TACRIM-SP – 3ª Câm. – MS 349.440/8 – Rel. Fábio Gouvêa – RJTACrim 48/3682).

Por seu turno, a lei 9.605/98 não apresentou norma processual sobre a matéria. Mas, para GRINOVER (1999), que, não obstante afirma ser o processo uma relação jurídica, "a falta de tratamento específico não acarreta prejuízos à aplicação do dispositivo, que será integrado, simplesmente, pelas regras existentes no ordenamento (...). Sem falar nas garantias processuais". Atualmente não existe tanta dificuldade de punir uma pessoa jurídica, pois além da multa, o direito penal apresenta várias penas, que não só prisão, possíveis de ser utilizadas.

De qualquer forma, parece-nos mais aceitável o argumento pela responsabilização, em que pese a necessidade de proteção ambiental que hodiernamente se tornou tema de imprescindível importância, tendo em vista a existência de crimes que, por suas características, são praticados quase que exclusivamente por pessoas jurídicas.

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Com prudência, enfatiza SILVA (1995) que a "proteção ambiental abrangendo a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana".

Para finalizar, decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais é admitida desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, já que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com o elemento subjetivo próprio.

A decisão é da Quinta Turma do STJ, que anulou o recebimento de denúncia de crime ambiental praticado por uma empresa paranaense. Ao decidir, o relator destacou que não houve denúncia contra a pessoa física responsável pela empresa e, por essa razão, o acórdão que determinou o recebimento da denúncia deve ser anulado.


2. CONCLUSÃO

Assim, conclui-se que o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica é aplicado dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, faz-se necessário uma melhor regulamentação da aplicação de tal mecanismo, de forma a garantir a adequada recomposição ambiental, devendo toda a sociedade jurídica atentar-se a esses desajustes técnicos, buscando o aprimoramento da lei para a plenitude de sua eficácia.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.11. ed. São Paulo. RT, 2009.
GRINOVER, Ada Pellegrini; Bittencourt, Cezar Roberto; ARAÚJO JUNIOR. João Marcello de; et. al. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias e Direito Penal. Coord. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1995.
STF – Superior Tribunal de Justiça. www.stj.gov.br

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Sobre a autora
Mariza Giacomin Lozer Patricio

Advogada. Mestre em Tecnologia Ambiental. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico. Aluna Regular do Doutorado em Direito Civil da Facultad de Derecho da Universidad de Buenos Aires. Professora Adjunta das Faculdades Integradas de Aracruz - FAACZ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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