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Pluralidade de filiações partidárias.

Análise crítica das alterações promovidas pela Lei nº 12.891/2013 e sua (in)aplicabilidade às eleições gerais de 2014

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16/06/2014 às 17:33
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2 PLURALIDADE DE FILIAÇÕES PARTIDÁRIAS

Pode-se definir a filiação partidária, em termos gerais, como o ato pelo qual o cidadão em pleno gozo dos direitos políticos[20] passa a integrar o rol de membros de uma agremiação partidária, de modo a manifestar sua concordância com a respectiva ideologia e a filosofia político-partidária, os preceitos internos de sua organização e funcionamento, e com a assunção do compromisso de zelar pela disciplina e fidelidade partidárias.

Trata-se, ainda, no sistema eleitoral vigente, de uma condição de elegibilidade e também de registrabilidade do pré-candidato (CRFB/1988, art. 14, § 3º, V; Lei 9.504/1997, art. 11, § 1º, III), porquanto somente pode concorrer a cargo eletivo quem estiver regularmente filiado a partido político, nos termos da lei.

Por isso, reveste-se de suma importância o instituto ora tratado, e, dentro dele, um dos aspectos mais discutidos tem sido justamente a pluralidade de filiações partidárias, tema antigo que tem sido revisitado pela doutrina, jurisprudência e pela própria legislação.

Assim, discutidos os principais aspectos relacionados ao princípio da anualidade da norma eleitoral, tanto do ponto de vista doutrinário como jurisprudencial, sobretudo à luz da jurisprudência do STF, impende analisar, agora, se modificam o processo eleitoral as alterações promovidas pela Lei 12.891/2013 no que tange às conseqüências da pluralidade de filiações partidárias, de modo a atrair ou não o art. 16 da CRFB/1988. Antes, é preciso compreender o sentido e alcance dessa mini reforma sobre o sistema de filiação partidária até então vigente.

2.1 Da antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 5.682/1971) até a Mini Reforma Eleitoral de 2013 (Lei 12.891/2013): breve retrospecto

A antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 5.681/1981) dispunha em seu art. 67, § 2º, que “a Justiça Eleitoral poderá determinar de ofício o cancelamento da filiação partidária, quando verificar a sua coexistência em outro partido”; e, mais adiante, previa a sanção de cancelamento automático da filiação partidária no caso “de filiação a outro partido” (art. 69, IV).

Durante a vigência desse diploma legal, a jurisprudência do TSE vacilou entre várias orientações, com destaque para os seguintes entendimentos:

a) deveria ser cancelada a filiação mais antiga; mantida, portanto, a mais recente, entendimento que, arrisca-se dizer, apresentava-se como o majoritário na época[21];

b) em determinada ocasião, decidiu-se que “quando comprovado a existência de duplicidade de filiação partidária, deve prevalecer aquela em que o filiado expressa-se por escrito sua preferência por uma delas, como resultante de sua vontade”[22];

c) no caso de pré-candidato em relação ao qual foram detectadas 2 (duas) filiações partidárias no mesmo dia, decidiu-se que o cancelamento deveria incidir sobre ambas[23].

Em substituição a esse regime legal extremamente impreciso e num universo relativamente variado de decisões a respeito dessa mesma matéria, sobreveio a Lei 9.096/1995, a atual Lei dos Partidos Políticos, que passou a dispor, em seu art. 22, parágrafo único, in verbis:

Art. 22. O cancelamento imediato da filiação partidária verifica-se nos casos de:

[...]

Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos.

Conforme se extrai da literalidade do dispositivo retro, para que houvesse desfiliação regular do partido, deveria ser feita no dia seguinte à nova filiação uma comunicação ao partido respectivo (por meio de seu Presidente), e, em seguida, ao juiz eleitoral da zona em que inscrito o eleitor. Se observados esses pressupostos, cancelar-se-ia a filiação mais antiga (da qual o eleitor pretendia se desfiliar), mantida a mais recente; caso contrário, configurar-se-ia a duplicidade de filiações, com o efeito de provocar a nulidade de ambas.

Envidaram-se esforços contra o art. 22, parágrafo único, da Lei 9.096/1995, sob o argumento de que criava nova hipótese de inelegibilidade, o que seria reservado somente à lei complementar (CRFB/1988, art. 14, § 9º), e também de que a sanção determinada pelo novo diploma legal deveria ser objeto de regulamentação nos estatutos de cada partido, por força do princípio da autonomia partidária (CRFB/1988, art. 17, § 1º).

Apesar de reconhecida por aquela Corte a constitucionalidade daquela previsão legislativa[24], a verdade é que a novel disposição sempre causou aversão aos Tribunais Eleitorais, por implicar penalidade considerada demasiado severa, ainda mais diante do prazo tão diminuto para a regular desfiliação.

Tanto é assim que a jurisprudência eleitoral, aos poucos, acabou por contornar a excessiva rigidez na aplicação daquele dispositivo em determinadas hipóteses, tais como:

a) “filiações ocorridas sob a égide de legislações distintas não se configura dupla filiação, devendo ser cancelada a mais antiga e mantida a validade da mais recente”[25] e, por conseguinte, “não configura dupla filiação a adesão a duas agremiações partidárias sendo a primeira na vigência da Lei 5.682/71 e a última sob a égide da Lei 9.096/95”[26]. Em suma, entendeu-se que a penalidade de cancelamento de ambas as filiações, instituída pela Lei 9.096/1995, não poderia retroagir para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, se a primeira filiação partidária lhe fosse anterior.

b) “havendo o candidato feito comunicação de sua desfiliação à Justiça Eleitoral e à agremiação partidária antes do envio das listas a que se refere o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, não há falar em dupla filiação”[27]. Esse entendimento acabou por dilatar o prazo de comunicação da desfiliação, o qual, pelo teor do art. 22, parágrafo único, da Lei 9.096/1995, seria no dia seguinte ao da nova filiação.

Porém, fora desses casos, continuava a incidir o cancelamento de ambas as filiações partidárias realizadas na vigência da Lei 9.096/1995, como na situação de o eleitor simplesmente se filiar a um partido e depois a outro sem fazer qualquer comunicação.

A fim de simplificar o procedimento de desfiliação partidária e, também, de reduzir o excesso de rigor da sanção anteriormente imposta, sobreveio mais uma alteração legislativa na matéria, dessa vez promovida pela Lei 12.891/2013, que acrescentou o inciso V ao art. 22 da Lei 9.096/1995 e modificou a redação do respectivo parágrafo único, in verbis:

Art. 22. O cancelamento imediato da filiação partidária verifica-se nos casos de:

[...]

V – filiação a outro partido, desde que a pessoa comunique o fato ao juiz da respectiva zona eleitoral;

[...]

Parágrafo único. Havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais. (grifou-se)

Percebe-se claramente dessa recente inovação legal 3 (três) relevantes inovações em relação ao regime anterior[28]:

a) em caso de pluralidade de filiações partidárias, basta ao filiado uma única providência, a saber, comunicar diretamente ao juiz da respectiva zona eleitoral o partido do qual pretenda se desligar, sem ter de fazer prévia comunicação à respectiva agremiação partidária;[29]

b) não há mais prazo para essa comunicação, ao contrário da redação anterior, que exigia fosse feita no dia seguinte ao da nova filiação. Dessa forma, enquanto o caso não for decidido pela autoridade judiciária eleitoral competente, o filiado pode comunicar, a qualquer momento, sua intenção de se desvincular deste ou daquele partido;[30]

c) ainda que o filiado permaneça inerte – e aqui a principal inovação – terá como sanção o cancelamento das filiações partidárias mais antigas (e não mais ambas), de forma a permanecer apenas a mais recente, por expressa disposição de lei, que agora presume ser a última aquela em relação à qual o eleitor pretende permanecer filiado.[31]

Além disso, registre-se que, agora, por força da nova redação do art. 12 da Resolução-TSE 23.117/2009, serão expedidas notificações aos filiados e aos respectivos partidos, pelo TSE, apenas nos casos de “registros com idêntica data de filiação” (art. 12, caput)[32], caso em que deverá ter vista dos autos o Ministério Público Eleitoral, “por 5 (cinco) dias, após os quais, com ou sem manifestação, o juiz decidirá em idêntico prazo” (art. 12, § 4º). Ainda, a situação dessas filiações com idêntica data – e apenas nesses casos – “permanecerá como sub judice até que haja o registro da decisão da autoridade judiciária eleitoral competente no sistema de filiação partidária” (art. 12, § 5º)[33].

Inegável que a nova legislação se revela mais benéfica ao filiado, porque desburocratiza o processo de desfiliação partidária, para o qual se exige agora tão somente comunicação à autoridade judiciária eleitoral; e, mesmo em caso de inércia do interessado, mantém-lhe a capacidade eleitoral passiva (antes ameaçada pelo cancelamento de ambas as filiações) pela sigla de filiação mais recente, o que também preserva a última manifestação de vontade do filiado.

Além disso, percebe-se que a Lei 12.891/2013, na realidade, resgata em certa medida a antiga jurisprudência dominante no TSE a respeito do tema, na vigência da antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 5.681/1981), segundo a qual deveria prevalecer a apenas a filiação mais recente, orientação rompida pelo advento do art. 22, parágrafo único, da Lei 9.096/1995.

Portanto, verifica-se que houve profundas alterações na disciplina legislativa da pluralidade de filiações partidárias, desde a remota Lei 5.681/1981 até a recente Lei 12.891/2013 e Resolução-TSE 23.421/2014. Resta perquirir, apenas, se esse último diploma legal alterou o processo eleitoral para efeito de invocação do princípio inscrito no art. 16 da CRFB/1988.

2.2 A Lei 12.891/2013 e sua (in)aplicabilidade às Eleições Gerais de 2014: uma proposta de interpretação conforme à Constituição e análise crítica da jurisprudência dos Tribunais Regionais Eleitorais

Apesar de a discussão relativa à aplicação imediata da Lei 12.891/2013, no tocante às consequências da pluralidade de filiação partidária, não ter chegado ainda ao STF nem ao TSE, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Eleitorais tem se orientado, pacificamente, no sentido de que a nova regra não implica alteração do processo eleitoral, de modo a afastar a incidência do art. 16 da CRFB/1988.

O principal argumento dessa corrente jurisprudencial, que vem ganhando corpo nas Cortes Eleitorais, consiste em que a Lei 12.891/2013, ao determinar que prevaleça a filiação mais recente, com exclusão das demais, revela-se mais benéfica ao eleitor, de modo que pode ser aplicada retroativamente em favor deste.

Em outros julgados, ainda, encontram-se as seguintes explicações: a) a novel legislação amplia a capacidade eleitoral passiva, de modo a conferir ao eleitor mais opções de candidaturas, o que recomenda a aplicação imediata daquela em respeito ao princípio democrático; b) a nova redação do art. 22, parágrafo único, da Lei 9.096/1995 não alterou o processo eleitoral, o que afastaria, por si só, a aplicação do art. 16 da CRFB/1988.

É o que se extrai, em síntese, dos seguintes julgados dos Egrégios Tribunais Regionais Eleitorais do Distrito Federal, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina:

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Fato gerador da duplicidade de filiações ocorreu na vigência do art. 22 da Lei n. 9.096/1995, alterado pela Lei n. 12.891, de 11/12/2013. Contendo a nova lei disposição mais favorável ao eleitor é possível aplicá-la retroativamente de modo a cancelar a filiação mais antiga, prevalecendo a mais recente.[34]

EMENTA – RECURSO ELEITORAL – FILIAÇÃO PARTIDÁRIA – DUPLICIDADE DE FILIAÇÃO – CANCELAMENTO – SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 12.891/2013 – REATROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA – COEXISTÊNCIA DE FILIAÇÕES PARTIDÁRIAS – MANUTENÇÃO DA FILIAÇÃO MAIS RECENTE - RECURSO PROVIDO.[35]

1. O disposto no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 9.096/1995, foi alterado, em 11.12.2013. A nova redação do referido dispositivo legal afasta a regra que impunha a nulidade de ambas as filiações, caso não houvesse comunicação de nova filiação, no prazo legal, perante a Justiça Eleitoral.

2. Trata-se de norma de natureza administrativa sancionatória, que foi abrandada em beneficio da sociedade, já que evita a exclusão de candidatos do processo eleitoral, em razão de dupla filiação, ao estabelecer que deverá prevalecer a última realizada pelo candidato. A referida norma, em sua redação atual, não altera o processo eleitoral, e a ela não se aplica o Princípio da Anualidade Eleitoral, previsto no art. 16 da Constituição da República, o que justifica a sua incidência imediata.

3. Às disposições de direito administrativo eleitoral, de natureza sancionatória, aplica-se o principio da retroatividade benéfica, sobretudo se norteadas pelo interesse público. Na hipótese, o propósito do legislador foi o de proporcionar ao eleitor mais opções de candidaturas, em obediência ao Principio Democrático.

4. Deve prevalecer, nos termos da atual redação do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 9.096/1995, a filiação mais recente do recorrente, diante da coexistência de duas filiações.

[...].[36]

- DUPLICIDADE DE FILIAÇÃO.

 A partir da publicação da Lei n. 12.891, de 11/12/2013, que alterou o parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.096/1995, constatada a duplicidade de filiações partidárias, deverá ser cancelada a mais antiga, prevalecendo a inscrição mais recente.

 A prescrição legal mais benéfica deve ser aplicada aos processos em trâmite à época da publicação da nova legislação, uma vez que o cancelamento das filiações encontradas em duplicidade possui caráter sancionatório.[37]

Apesar de evidente que a nova redação do art. 22, parágrafo único, da Lei 9.096/1995 – dada pela Lei 12.891/2013 – corrige distorções do regime anterior e amplia a capacidade eleitoral passiva do filiado, entende-se que deve ser visto com reservas o entendimento pretoriano – hoje majoritário – de aplicação imediata da nova regra no tocante à filiação partidária.

Isso porque a filiação partidária consiste em um dos pressupostos de elegibilidade (CRFB/1988, art. 14, § 3º, V; Lei 9.504/1997, art. 11, § 1º, III), requisito que deve ser atendido pelo candidato ao menos com um ano de antecedência da data do pleito, sem prejuízo da possibilidade de o estatuto da agremiação partidária estipular prazo superior, nos termos dos art. 18 e 20, caput, da Lei 9.096/1995, in verbis:

Art. 18. Para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcionais.

Art. 20. É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas à candidatura a cargos eletivos.

[...]

Complementam esses dispositivos o disposto no art. 9º da Lei 9.504/1997, segundo o qual “para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo”.

Pertinente rememorar, no ponto, as lapidares palavras do eminente Ministro Gilmar Ferreira Mendes, relator no STF do RE 633.703/MG, que discutia a aplicação imediata da LC 135/2010 às Eleições Gerais que ocorreriam no mesmo ano, na parte em que discorre sobre o início da fase pré-eleitoral:

A LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos e vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. Essa fase não pode ser delimitada temporalmente entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem início com a própria filiação partidária do candidato, em outubro do ano anterior. A fase pré-eleitoral de que trata a jurisprudência desta Corte não coincide com as datas de realização das convenções partidárias. Ela começa muito antes, com a própria filiação partidária e a fixação de domicílio eleitoral dos candidatos, assim como o registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral. A competição eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data das eleições e, nesse interregno, o art. 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso.[38]

Dessa forma, uma lei que se proponha a alterar as consequências da pluralidade de filiações partidárias – como o fez a Lei 12.891/2013 – pode acarretar, conforme o caso, inegável influência sobre o processo eleitoral, porquanto uma pessoa que, nos termos da redação originária do art. 22, parágrafo único, da Lei 9.096/1995, não preencheria o requisito de elegibilidade relativo à regular filiação partidária, poderia vir preenchê-lo nos termos da nova legislação.

Deve-se ressaltar que o só fato de a nova lei ser mais benéfica ao eleitor não constitui critério para afastar o princípio da anualidade da norma eleitoral (CRFB/1988, art. 16), visto que a Constituição apenas se refere a lei que altere o processo eleitoral; pouco importa que esta amplie ou restrinja direitos políticos.

Também não se está a falar em Direito Penal, no qual a lei sempre retroage em benefício do réu (CRFB/1988, art. 5º, XL); nem em Direito Administrativo pura e simplesmente. Filiação partidária é matéria afeta ao Direito Eleitoral, o qual possui regras e princípios próprios, de forma que não se revela possível tomar emprestados indistintamente conceitos ou posições de outros ramos jurídicos, com outra base axiológica, para transmudar o sentido e o alcance do art. 16 da CRFB/1988.

Em suma, deve-se frisar que um dos objetivos mais evidentes dessa garantia constitucional é impedir que haja alteração no cenário de disputa e competitividade a menos de um ano das eleições; é isso que importa, não havendo razão para perquirir a quem a nova regra beneficie ou prejudique.

Por isso, irrelevantes quaisquer considerações subjetivas acerca da moralidade ou conveniência das novas regras para fins de aplicação do princípio da anualidade da norma eleitoral, como enfatizado pelo STF no julgamento do RE 633.703/MG, quando se afastou a aplicação imediata da LC 135/2010 às Eleições Gerais de 2010.

Além disso, igualmente frágil o argumento dos Tribunais Regionais Eleitorais de que as alterações promovidas pela Lei 12.891/2013 não alteram o processo eleitoral, o que se contradiz com a própria premissa estabelecida nos respectivos acórdãos, de que a nova regra amplia a capacidade eleitoral passiva do filiado e possibilita ao eleitor maior leque de opções de voto.

Na realidade, em se tratando de pluralidade de filiações partidárias, devem se distinguir 2 (duas) situações:

a) se a última filiação for tardia a ponto de inviabilizar a candidatura, isto é, a menos de 1 (ano) antes da eleição ou o período estabelecido no estatuto do partido (Lei 9.096/1995, arts. 18 e 20, caput), não importa se serão canceladas todas as filiações (como era) ou somente a(s) mais antiga(s) (como prevê a Lei 12.891/2013), uma vez que, em qualquer caso, não se atenderá à condição de elegibilidade relativa à filiação partidária. Nesse caso, portanto, não haveria qualquer alteração do processo eleitoral, de modo que não há prejuízo em se aplicar a nova disciplina legal (manter somente a filiação mais recente);

b) contudo, se a última filiação for tempestiva a ponto de viabilizar eventual candidatura, revela-se inegável que, a depender do caso, poderia haver alteração no processo eleitoral, porque, pelo regime anterior, todas as filiações seriam canceladas (e, portanto, a pessoa não seria elegível); e, pelo novo regramento legal, o eleitor seria elegível (pelo partido de filiação mais recente).

Essa construção jurídica, embora possa parecer extravagante num primeiro momento, na realidade apresenta uma simplicidade tamanha que poderia ser sintetizada na seguinte premissa: se, no último dia do prazo para aferir o requisito da filiação partidária (um ano antes das eleições ou no prazo estabelecido no estatuto de cada partido, se superior – Lei 9.096/1995, arts. 18 e 20, caput), o eleitor não tivesse preenchido essa condição de elegibilidade nos termos do regime anterior, e o atendesse apenas por força da nova legislação, estará configurada a deformação do processo eleitoral, porquanto estar-se-á exercendo inegável influência sobre quem poderia ou não ser candidato. Essa situação se assemelha à toda evidência, mutatis mutandis, àquela trazida pela LC 135/2010, que levou o STF a invocar o princípio da anualidade da norma eleitoral para afastar a aplicação imediata das novas regras.

Nesse contexto, a solução que se reputa mais coerente, além de tecnicamente adequada, consiste em atribuir à Lei 12.891/2013, nesse ponto, interpretação conforme os arts. 14, § 3º, V, e 16 da CRFB/1988, e, por conseguinte, manter apenas a filiação mais recente dos eleitores sub judice, com a ressalva – e aqui a razão da interpretação conforme – de que estarão impossibilitados de concorrer a qualquer cargo eletivo nas Eleições Gerais de 2014, por não atenderem ao pressuposto de elegibilidade relativo à filiação partidária.[39]

Em outras palavras, para que o eleitor envolvido em pluralidade de filiações partidárias preencha a condição de elegibilidade relativa à tempestiva filiação a partido político, com a finalidade de disputar o pleito de 2014, deveria ter regularizado sua situação perante a Justiça Eleitoral no prazo dos arts. 18 e 20 da Lei 9.096/1995, e nos termos do regime anterior (com dupla comunicação, uma ao partido e outra à autoridade judiciária eleitoral, admitida apenas essa última comunicação somente na hipótese prevista no art. 13, § 5º, da Res.-TSE 23.117/2009).

Dessa forma, entende-se que, nessa situação, o pretenso candidato não poderia se valer da nova regra insculpida no inciso V do art. 22 da Lei 9.096/1995 e, com base nela, fazer comunicação tão somente ao juiz eleitoral, sob pena de se emprestar efeitos retroativos à Lei 12.891/2013 nesse tocante, além do malferimento ao art. 16 da CRFB/1988.

Entende-se, ainda, que a própria Corregedoria-Geral Eleitoral do TSE já acenou no sentido remeter a exame posterior, e caso a caso, eventuais pedidos de registro de candidatura, conforme consta ao final do voto da Ministra Laurita Vaz (relatora) no Processo Administrativo 19.096/DF, que deu origem à edição da recente Res.-TSE 23.421/2014. Após discorrer sobre os inegáveis avanços da novel legislação, a insigne relatora consignou o seguinte:

A imediata implementação das alterações ora trazidas à apreciação do Plenário na sistemática de processamento dos dados sobre cidadãos vinculados a partidos políticos, presente a entrega das relações de filiados pelas siglas partidárias durante a segunda semana do corrente mês de abril, na forma do já mencionado art. 19 da Lei de regência e de cronograma aprovado pelo Provimento nº  3-CGE/2014, publicado no DJe de 3.42014, poderá ser feita sem prejuízo do exame – como, aliás, já ocorre hoje –, em sede própria, do requisito legal para eventual e futuro pedido de registro de candidatura.[40]

Portanto, considera-se que a novidade introduzida pela Lei 12.891/2012 no tocante à pluralidade de filiações partidárias, conquanto tenha corrigido certas distorções do regime anterior, deve ser analisada com cautela, de modo que sua incidência imediata ocorra apenas em relação à filiação partidária propriamente dita, mas sem constituir “carta branca” para que filiados que outrora não preencheriam a respectiva condição de elegibilidade possam disputar o pleito de 2014, o que representaria inegável deformação do processo eleitoral (CRFB/1988, art. 16).

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Sobre o autor
Eduardo Henrique Lolli

Analista Judiciário do TRE/PR - Chefe de Cartório da 134a Zona Eleitoral (Palmital/PR). Ex-Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, tendo exercido suas funções na 2ª Câmara de Direito Comercial e na 1ª Câmara de Direito Público. Especialista em "Jurisdição Federal" pela Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina (ESMAFESC) e em "Direito Tributário" pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), instituição de ensino na qual também obteve o grau de bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOLLI, Eduardo Henrique. Pluralidade de filiações partidárias.: Análise crítica das alterações promovidas pela Lei nº 12.891/2013 e sua (in)aplicabilidade às eleições gerais de 2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4002, 16 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29466. Acesso em: 3 mai. 2024.

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