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A aposentadoria por idade mista – entre o segurado especial e o trabalhador urbano

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03/11/2014 às 13:45
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4       APOSENTADORIA POR IDADE MISTA

Como visto, o trabalhador poderá aposentar-se por idade quando satisfizer os requisitos da idade mínima e da carência, necessitando, para os segurados especiais, que ostentem esta condição quando do requerimento.

Ocorre que, na linha da introdução deste trabalho, considerando as várias intercorrências do mercado de trabalho no mundo atual, associado ao fato de que as atividades rurais nem sempre podem ser contínuas, não é raro que muitos trabalhadores tenham laborado parte de sua vida na qualidade de segurado especial e outra parte em umas das demais categorias de segurados obrigatórios. Assim, pode acontecer de o trabalhador não lograr tempo suficiente para aposentar-se como segurado especial tampouco tempo suficiente para aposentar-se sob outra categoria de segurado.  A pessoa, então, sente-se em um dilema, pois trabalhou por longos anos de sua vida, mas de nada pareceria ter servido tamanho esforço para efeitos de previdência.

Para resolver esta aparente discrepância, a Lei 11.718/2008 conferiu nova redação ao art. 48 da Lei 8.213/91, sobretudo quanto ao acréscimo do § 3º no mesmo. Vejamos:

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)

§ 2º  Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período  a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)

§ 3º  Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008) (Grifos nossos).

§ 4º  Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto  no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)

Assim, os trabalhadores rurais que não comprovarem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento da aposentadoria por idade, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício para as demais categorias de segurado, poderão utilizar períodos de contribuição sob outras categorias de segurado. Obterá, então, uma aposentadoria, que não se poderá dizer que é exclusivamente urbana nem rural. A aposentadoria é híbrida, mista de dois sistemas, um contributivo e outro não. Neste caso, não haverá a redução da idade para este fim, devendo aposentar-se com a mesma idade exigida para as demais categorias de segurado.

Quanto ao tempo a ser considerado sob cada categoria, percebe-se que a lei nada estipula, de modo que basta que a soma dos períodos, sejam os períodos de que categoria for, atinjam a carência mínima de 180 meses (regime permanente), não importando qual a qualidade de segurado que o trabalhador ostente quando do requerimento.

Logo, ao contrário do que a primeira leitura do §3º pode levar a entender, a benesse não pode proteger apenas aquele que veio a ser trabalhador rural quando do avançar da idade, mas deve proteger aquele que um dia foi, mas que por razões variadas teve de migrar para a zona urbana e na qualidade de segurado urbano veio a requerer o benefício.

É que, apesar de a lei referir-se claramente a “trabalhadores rurais”, o dispositivo deve ser interpretado à luz do princípio da igualdade, que vem na constituição sob o manto do princípio específico da “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais” (art. 194, inciso II, da CF/88).

De acordo com a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às duas populações, o legislador assegura a isonomia dos direitos, tornando a concessão em igualdade de condições, quer seja para um trabalhador do ambiente rural, ou urbano.

A uniformidade determina que a seleção das contingências ou eventos a serem protegidos pela seguridade social necessita ser feita de maneira homogênea, devendo os serviços e benefícios que virão a acobertá-los ser prestados às duas populações. Ao observarmos os riscos listados pela Constituição da República Federativa do Brasil que possuem cobertura pelo sistema de seguridade, é possível perceber que há a homogeneidade, bem como, ao observarmos os sujeitos que terão direito, concluímos que todas as espécies de trabalhadores estão incluídas.

A equivalência é outro aspecto a ser respeitado pelo princípio em consideração, o qual busca garantir que os benefícios e serviços devem ser prestados de maneira equivalente, em quantidade e qualidade, às populações urbanas e rurais.

Foi para corrigir este lapso normativo que o Decreto nº 6.722/2008, ao regulamentar a inovação legislativa, incluiu o §4º ao art. 51 do Decreto nº 3.048/1999, in verbis:

Art. 51.  A aposentadoria por idade, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado que completar sessenta e cinco anos de idade, se homem, ou sessenta, se mulher, reduzidos esses limites para sessenta e cinqüenta e cinco anos de idade para os trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "j" do inciso V e nos incisos VI e VII do caput do art. 9º, bem como para os segurados garimpeiros que trabalhem, comprovadamente, em regime de economia familiar, conforme definido no § 5º do art. 9º. (Redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 1999)

[...]

§ 2º  Os trabalhadores rurais de que trata o caput que não atendam ao disposto no § 1o, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

§ 3º  Para efeito do § 2º, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado na forma do disposto no inciso II do caput do art. 32, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo do salário-de-contribuição da previdência social. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

§ 4º  Aplica-se o disposto nos §§ 2º e 3º ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como trabalhador rural. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008). (Grifos nossos).

Porém, há quem entenda que a aposentadoria mista dirige-se apenas ao trabalhador rural, não alcançando o trabalhador urbano, mesmo sendo notório que o fato de laborar em zona urbana não foi uma ocorrência de livre escolha, mas muitas vezes motivada pela impossibilidade de continuar no sofrimento campesino que muitas regiões brasileiras oferecem.

Pois bem, a Turma Regional de Uniformização entendeu que o benefício de que trata o art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 é devido apenas aos trabalhadores rurais que implementam o requisito etário enquanto vinculados ao campo, não alcançando aquele que, ainda por muitos longos anos, laborou no campo, mas que, ao avançar da idade, teve que mudar-se para a cidade em busca de trabalho. Vejamos:

EMENTA: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. CÔMPUTO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL COMO CARÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 48, §3º, DA LEI 8.213/1991, COM ALTERAÇÕES DA LEI 11.718/20081. 

1. O benefício de que trata o art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 é devido aos trabalhadores rurais que implementam o requisito etário enquanto vinculados ao campo. Não se enquadra às novas normas de aposentadoria por idade aquele que, por determinado tempo em remoto passado, desempenhou atividade de natureza rural e se desvinculou definitivamente do trabalho campesino.

2. A Lei 11.718/2008 não revogou o disposto no artigo 55, §2º, da Lei 8.213/1991, de maneira que continua sendo vedado o cômputo de tempo rural para fins de carência sem que tenha havido contribuições previdenciárias. 

3. Precedentes da TRU 4ª Região. 

4. Incidente conhecido e provido. 

(IUJEF 0000341-03.2010.404.7251, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Osório Ávila Neto, D.E. 28/02/2012).(Grifos nossos).

De qualquer maneira, o avanço foi grande em termos legislativos, ainda mais quando, em termos legais, o segurado não está obrigado a perceber o benefício no valor mínimo.  Para efeito da concessão da aposentadoria mista, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado considerando-se os salários-de-contribuições mensais referentes aos períodos de trabalho na condição de urbana ou rural contributiva, sendo que, para o período como segurado especial sem contribuição facultativa, o valor a integrar o período básico de calculo - PBC será o salário-mínimo nacional.


5       CONCLUSÃO

O suporte público ao segurado especial por muitas vezes resta incompreendido, de modo que se entende mais como uma benesse do Estado que um direito subjetivo, daí o surgimento de posições cada vez mais restritivas, com o fito de negar proteção a esta espécie de trabalhador.

Em verdade, a proteção do trabalhador rural tem relevante significado histórico, econômico e social. Garantir proteção ao campesino acaba por estimular que as pessoas encontrem vantagens em fixar o homem no campo, de modo a conter o êxodo rural que assolou o Brasil por muitos anos, causando inchaço populacional nos grandes centros urbanos, com reflexos significativos nas precárias condições de vida, incremento da violência e demanda por serviços médicos.

Assim, a conquista dos benefícios mínimos para os trabalhadores rurais, longe de ser um gasto inútil e um favor para os ditos segurados, acaba por trazer maiores recompensas socioeconômicas para a nação, tudo isto partindo do pressuposto de um valor positivo do trabalho rural.

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Porém, o fato de se reconhecer valor ao trabalho no campo, bem como entender a opção da constituinte, não induz a uma autorização irrestrita a se conceder benefícios previdenciários sem um mínimo de cautela, tampouco em aplicar a lei ao arrepio do princípio da igualdade. Deve o julgador posicionar-se no sentido de não transformar os benefícios rurais em uma afronta ao trabalho urbano.  É por isto que, neste artigo, defendemos que a aposentadoria mista (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91) também deve abranger aquele trabalhador que não mais se enquadra como rurícola no momento do requerimento, mas que já ostentou esta condição por período de sua vida.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei Ordinária nº 8.213 / 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L8213cons.htm >.   Acesso em: 07 de janeiro de 2014.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 11. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009.

DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010.

FREUDENTHAL, Sergio Pardal. A Previdência Social hoje: homenagem a Anníbal Fernandes. São Paulo: LTr, 2004.

KERBAUY, Luís. A Previdência na Área Rural: Benefício e Custeio. São Paulo: LTr, 2009.

LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria por Idade. Curitiba: Juruá, 2009.

MORALES, Cláudio Rodrigues. O Direito Previdenciário Moderno e sua Aplicabilidade ante o Princípio da Segurança Jurídica. São Paulo: LTr, 2009.

SILVA, Patrícia Vianna Meirelles Freire e. Aposentadoria por idade. In: LEITÃO, André Studart; MEIRINHO, Augusto Grieco Sant’anna (coords). Prática Previdenciária: a Defesa do INSS em Juízo. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário: Regime Geral de Previdência Social e Regimes Próprios de Previdência Social. 10. Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

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Sobre o autor
Wesley Adileu Gomes e Silva

Procurador Federal - AGU. Especialista em Direito Público pela Facape e Especialista em Direito Previdenciário pelo Juspodivm. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9722241243723112

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADILEU, Wesley Gomes Silva. A aposentadoria por idade mista – entre o segurado especial e o trabalhador urbano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4142, 3 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29878. Acesso em: 2 mai. 2024.

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