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Instrumentos processuais adequados para questionar a coisa julgada inconstitucional

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27/10/2014 às 12:40
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3. Propostas de lege ferenda

Perscrutando a legislação pátria, não se verifica nenhuma medida judicial específica para defender o indivíduo da coisa julgada inconstitucional. Todavia, os mecanismos anteriormente citados não deixam de ser idôneos a tal mister, cumprindo a contento a necessidade de instrumentos de que possa valer o interessado para rediscutir decisão eivada de inconstitucionalidade. Autores propõem, todavia, aperfeiçoamento em tais mecanismos processuais, de maneira a adequá-los especificamente para impugnação da coisa julgada.

Nesta esteira de entendimento, partindo do pressuposto de que a coisa julgada inconstitucional é, na verdade, decisão nula de pleno iure, e tendo em vista a ausência de previsão expressa da querela nullitatis no nosso Código de Processo Civil, tem defendido alguns doutrinadores sua inserção de forma expressa no ordenamento pátrio, principalmente para melhor assimilação de um instrumento mais específico para reconhecer a nulidade da coisa julgada inconstitucional.

Ainda quanto à querela nullitatis, sustenta o insigne professor Barbosa Moreira (2003), que seria de bom alvitre fosse estipulada como competência originária da mesma o órgão prolator da decisão questionada, a fim de evitar subversão inaceitável que juízo inferior revisse, no mérito, decisão proferida por tribunal (eventualmente pelo STF).

Analisando a situação atual (de lege data), Freitas Câmara (2004) propõe, de lege ferenda, o acréscimo de mais um inciso no artigo 485 do Código de Processo Civil, estabelecendo claramente a possibilidade da sentença de mérito transitada em julgado ser rescindida quando ofendesse a norma constitucional. Defende, todavia, que tal acréscimo, isolado, em nada inovaria no sistema, posto que, a rigor, tal rescisão já é possível com base no inciso V daquele dispositivo, pelo que imperiosa que tal alteração viesse acompanhada de outra inclusão: um novo parágrafo ao artigo 485 do CPC, propondo o nobre autor a seguinte redação:

a sentença de mérito transitada em julgado que ofende a Constituição só deixa de produzir efeitos após rescindida na forma prevista neste capítulo, permitida a concessão, pelo relator, de medida liminar que suspenda temporariamente seus efeitos se houver o risco de que sua imediata eficácia gere dano grave, de difícil ou impossível reparação, sendo relevante a fundamentação da demanda rescisória. (CAMARA, 2004, p.27)

Conclui o autor que seria preciso ainda acrescentar um parágrafo ao artigo 495 do CPC, estabelecendo que sendo a ação rescisória fundada em violação de norma constitucional, o direito à rescisão pode ser exercido a qualquer tempo, não ficando sujeito ao prazo decadencial previsto neste artigo. Tal alteração mostra-se, inclusive, de especial necessidade porque a tendência no NCPC é no sentido de reduzir o prazo para ajuizamento da rescisória (houve emenda no projeto sugerindo prazo de 01 ano, embora tenha sido rejeitada, por ora).

A despeito disso, se é pacífico que o ordenamento pátrio carece de mecanismo específico para impugnar a coisa julgada inconstitucional, também não há discrepância quando se sustenta que a inexistência de tal remédio processual específico não é óbice para que se questione uma decisão judicial eivada de inconstitucionalidade, mesmo porque “entraves processuais e procedimentos não podem tolher o cidadão do acesso ao Judiciário no Estado Democrático de Direito em que vivemos” (ALMEIDA JUNIOR, 2006, p. 233), de maneira que se existe uma sentença proferida contra alguém, que fira direito garantido constitucionalmente, é elementar que o cidadão deva ter à sua disposição meios judiciais aptos a lhe socorrer, cabendo ao mesmo se valer de institutos já existentes, ainda que não especificamente criados para tal mister.

Isso porque a ideologia da processualística moderna, contemporânea, conhecida como processo civil de resultados, requer a necessária revisão e adequação de diversos conceitos que pareciam firmemente estabelecidos no panteão dos dogmas jurídicos, imperando atualmente a concepção de que processo só pode ser aceito como meio de acesso a uma ordem jurídica justa (CAMARA, 2004, p. 28), o que certamente não se verificará quando este processo acobertar uma decisão contrária aos ditames da Constituição da República, sem possibilidade de questionamento.


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Notas

[1] Ver, nesse sentido, decisão proferida no  REsp. No 7.556/RO, 3a Turma - rel. Min. Eduardo Ribeiro - j. 12.05.200, conforme noticia Almeida Júnior (2006, p. 227).

[2] Lei 9.882/99 - artigo 1o

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Sobre o autor
Jeffersson Ferreira Rodrigues

Procurador Federal.<br>Especialista em Direito Processual Civil.<br>Pós-graduando em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Jeffersson Ferreira Rodrigues. Instrumentos processuais adequados para questionar a coisa julgada inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4135, 27 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30207. Acesso em: 20 nov. 2024.

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