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A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda

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01/08/2002 às 00:00
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1. Introdução

O Estado, desde que chamou para si o direito de solucionar os conflitos, tem o dever de prestar a jurisdição eficaz. A preocupação com a segurança das decisões fez com que o processo demandasse certo tempo para chegar ao momento da prolação da sentença.

Entretanto, muitas vezes a parte não pode esperar esse tempo necessário para o convencimento judicial, já que se a sua pretensão não for satisfeita urgentemente, de nada adiantará esperar o resultado do processo, pois mesmo que seu direito seja reconhecido, ele não mais poderá ser exercido. Ou então, quando o réu sabendo que o autor terá o seu direito reconhecido, resiste ao processo só para protelar a decisão judicial, prejudicando ainda mais o autor.

Assim, o legislador, com a reforma de 1994, criou um instituto que permite, desde que presentes os seus requisitos, a antecipação de efeitos concretos da sentença.

A doutrina moderna vem abordando a possibilidade de antecipação desses efeitos, também com relação àquela parte da demanda que não está mais controvertida, satisfazendo assim o direito do autor, sem que este tenha que esperar até o provimento final.

A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda é uma solução que foi encontrada para os casos em que a demanda está parcialmente resolvida seja porque o réu não contestou determinados fatos, ou reconheceu uma parte do pedido, ou ainda, quando existem pedidos cumulados e alguns deles não se encontram mais controvertidos.

Além de verificar a tutela antecipada quando existe a urgência, busca-se estudar o instituto quando o réu, de maneira protelatória deixa de cumprir com o seu dever de lealdade com o processo, ou seja, quando não há mais controvérsia a respeito de determinado fato ou direito e o réu deixa de satisfazer o direito do autor.


2. Tutela antecipada

2.1. Breve histórico

A tutela antecipada, apesar de ter sido criada com essa denominação em 1994 com o novo art. 273 do Código de Processo Civil, já existia em nosso ordenamento jurídico, muitas vezes com natureza diversa da atual, mas sempre procurando antecipar os efeitos da sentença diante da urgência.

Nelson Nery Jr. ressalta a semelhança estrutural da tutela antecipada com os interditos possessórios, "pois os interditos adiantam os efeitos executivos do provimento jurisdicional de mérito". [1]

Além das possessórias, Nelson Nery Jr. [2] esclarece que existiam ainda no direito brasileiro outros instrumentos destinados a antecipar os efeitos da tutela de mérito, como a liminar nos writs constitucionais; em ação civil pública; na ação de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente; na busca e apreensão de menor em poder de terceiro, quando desnecessária a propositura da ação principal; nos embargos de terceiro, etc.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 84, também possui uma figura muito semelhante com o atual art. 461 do Código de Processo Civil.

Willian Santos Ferreira [3] cita ainda as liminares previstas na Lei 8.245/91, Lei do Inquilinato, nas hipóteses do art. 59, § 1º, que prevê a desocupação do imóvel, e do art. 68, II, que trata da revisional de aluguel. Ressalta, entretanto, que apesar de tais providências se assemelharem à tutela antecipada, são de natureza diversa.

Além desses institutos, há ainda o que se denominou impropriamente de "cautelar satisfativa", onde se antecipava o próprio bem da vida pretendido pela parte requerente. As cautelares satisfativas contrariavam a natureza jurídica da tutela cautelar, mas como não havia outra medida eficaz, permitia-se o uso da cautelar como tutela satisfativa e não apenas assegurativa. Atualmente, com o advento do art. 273 do Código de Processo Civil, esse tipo de cautelar não pode mais ser admitida.

Portanto, a tutela antecipada não é um instituto totalmente novo, mas surgiu para organizar as situações que muitas vezes a jurisprudência, verificando a urgência que era necessária, antecipava efeitos ou o próprio provimento final.

O estudo sobre a tutela antecipada, propriamente dita, iniciou-se segundo Nelson Nery Jr. [4], no 1º Congresso Nacional de Direito Processual Civil, que aconteceu em Porto Alegre, em julho de 1983, organizado pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, coordenado pelo Prof. Dr. Ovídio Araújo Baptista da Silva.

Em 1985, uma comissão formada pelos Profs. Drs. Luiz Antônio de Andrade, José Joaquim Calmon de Passos, Kazuo Watanabe, Joaquim Correia de Carvalho Jr. e Sérgio Bermudes, apresentou anteprojeto de modificação do Código de Processo Civil. Nelson Nery Jr. comenta que neste projeto: "colocou-se a tutela antecipatória junto com a tutela cautelar, tratando duas realidades distintas como se fossem a mesma coisa". [5]

A Comissão da Escola Nacional da Magistratura, em 1991, reformulou os antigos projetos, colocando a tutela antecipada no livro do processo de conhecimento.

Em 1992, foi publicada a primeira obra sobre o tema, de autoria de Luiz Guilherme Marinoni – Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória.

Finalmente, em 1994, pela Lei 8.952/94 inseriu-se no ordenamento jurídico brasileiro a tutela antecipada, dando nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil. No mesmo ano, a regra do art. 84, § 3º do Código de Defesa do Consumidor e do art. 213 do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo a antecipação da tutela específica nas obrigações de fazer e não-fazer, estendeu-se a todo processo civil, através do art. 461 do CPC.

2.2. Generalidades

Antes de adentrarmos ao estudo da tutela antecipada, cumpre-nos fazer algumas observações essenciais à perfeita compreensão da antecipação da tutela, diferenciando alguns institutos.

2.2.1. Tutela e Provimento

Entende-se por tutela aquilo que se visa com o processo, ou seja, o pedido mediato do autor; já o provimento é a resposta ao pedido do autor, a prestação jurisdicional, ou seja, o pedido imediato.

Esclarecendo a diferença entre pedido imediato e pedido mediato, diz Humberto Theodoro Jr.: "o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1º, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e 2º, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência de direito material". [6]

Em outras palavras, o provimento tem relação com o direito processual, é a resposta jurisdicional ao pedido do autor; e a tutela tem relação com o direito material, é o bem da vida que o autor visa obter com a prestação jurisdicional.

Como explica Willian Santos Ferreira:

"(...) anteriormente ao processo, verifica-se a previsão legal aplicável (sem a eficácia concreta); no segundo momento, durante o processo, ter-se-á o reconhecimento da previsão legal aplicável (provimento – não importando se a ação é julgada procedente ou improcedente), e, por último, a concretização, materialização deste reconhecimento (tutela efetiva)." [7] (grifos nossos)

Como se percebe, a tutela encontra-se após o provimento, somente depois deste é que ela será obtida. Conclui-se, então, que o provimento é o meio para se alcançar a tutela. Assim:

"(...) alcançar o bem da vida almejado através do provimento satisfativo (caráter instrumental = meio) é a concretização do preconizado direito material.

Daí parece claro que a tutela só pode considerar-se efetivamente alcançada quando verificar-se esta concretização. E aqui temos a instrumentalidade executada no escopo de alcançar-se a tão almejada efetividade, ou seja, a concretização do preconizado no direito material." [8]

Portanto, com o instituto da tutela antecipada, visa-se antecipar os efeitos da tutela e não do provimento, ou seja, antecipar os efeitos concretos do pedido mediato.

2.2.2. Antecipação dos Efeitos da Tutela e Antecipação da Tutela

O art. 273 do Código de Processo Civil fala em antecipar os efeitos da tutela pretendida. Verifica-se, portanto, que antecipar os efeitos da tutela não é o mesmo que antecipar a tutela.

Não se antecipa a tutela condenatória, declaratória ou constitutiva, mas sim os efeitos que qualquer uma delas produziria no plano de direito material.

Confirmando essa diferenciação, diz José Roberto Bedaque:

"Assim, na tutela condenatória, a própria satisfação do direito é antecipada, ainda que parcialmente, com o início dos atos materiais de execução, mesmo sem que haja condenação prévia e, portanto, sem o título executivo." [9]

2.3. Alcance da antecipação

Os efeitos do pedido da parte podem ser antecipados total ou parcialmente. A fixação dos limites da tutela antecipada não é ato discricionário do juiz, devendo estar sempre vinculado ao princípio da necessidade. [10]

Assim como na sentença, o juiz não pode conceder mais, diversamente, ou menos do que o requerido pela parte, mas pode antecipar parcialmente o pedido da parte. Esse requerimento refere-se ao pedido de antecipação e não ao pedido final.

2.4. Oportunidade para requerimento e concessão

A antecipação dos efeitos da sentença final pode ser requerida pela parte legitimada, desde que presentes os requisitos, na inicial, após a contestação, durante o processo e até mesmo em grau de recurso, já que não existe na lei nenhuma limitação à concessão desta na hipótese do inciso I do art. 273.

O juiz pode conceder a antecipação da tutela a qualquer tempo, até mesmo inaudita altera parte, ou seja, antes da entrada do réu no processo. Tal medida se justifica, porque muitas vezes a urgência não permite que se espere pela citação e contestação do réu, podendo tornar ineficaz a antecipação.

O princípio do contraditório não constitui óbice para a concessão da tutela antecipada inaudita altera parte, pois neste caso haverá um contraditório diferido, realizado num momento posterior. Além disso, a reversibilidade da tutela antecipada, garante que o réu não sofrerá qualquer prejuízo com a sua manifestação posterior à decisão.

A liminar antecipatória jamais poderá assumir o efeito exauriente da tutela jurisdicional. Mesmo deferida in limine, o processo forçosamente terá de prosseguir até o julgamento final de mérito (§ 5º). Por isso a liminar prevista no novo art. 273 pode conviver com o princípio do contraditório. [11]

Se o juiz não conceder a tutela antecipada de plano, poderá marcar audiência de justificação prévia, citando-se para tanto o réu. Willian Santos Ferreira [12] entende que essa audiência poderá ser marcada também para permitir ao requerente da tutela antecipada a produção de prova testemunhal, já que a lei não restringiu a comprovação dos requisitos da prova inequívoca e verrossimilhança apenas às provas documentais.

Já na hipótese do inciso II, do art. 273, onde se pressupõe um abuso de defesa ou propósito protelatório do réu, o momento de requerimento e a concessão é controvertido na doutrina. Uma corrente diz que "somente pode ocorrer após a resposta" [13]. Entretanto, outra corrente diz que a antecipação, nesta hipótese, poderia ocorrer antes da citação e da contestação do réu, ao menos em uma de suas modalidades.

2.5. Legitimidade para o requerimento

Pode requerer a tutela antecipada aquele que pretende antecipar um ou alguns dos efeitos que só alcançaria com o provimento final. Portanto, não restam dúvidas de que o autor da ação tem legitimidade para requerer a antecipação, pois é ele quem faz o pedido.

Se somente quem pede pode requerer a concessão da tutela antecipada, todos os que podem pedir, tem o direito de requerer a antecipação dos efeitos de sua pretensão.

Além do autor, têm legitimidade, segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, o denunciante, na denunciação da lide; o opoente, na oposição; o autor da ação declaratória incidental (...). O assistente simples do autor pode pedir a tutela antecipada, desde que não se oponha ao assistido. O assistente litisconsorcial, quando no pólo ativo, pode requerer a tutela antecipada, independentemente da vontade do assistido. Saliente-se que, neste caso, o assistente não estará fazendo pedido em sentido estrito, mas apenas pleiteando seja concedida a antecipação dos efeitos da sentença. [14]

O réu também pode requerer a tutela antecipada quando formula pedido, ou seja, na reconvenção, pois é o autor desta; nas ações de natureza dúplice, pois nestas pode oferecer pedido contraposto e requerer a sua antecipação; ou ainda, quando é autor da ação declaratória incidental, já que assume posição ativa.

Tratando-se de ação declaratória incidental, como observa Willian Santos Ferreira citando Antonio Cláudio da Costa Machado: "(...) se for ajuizada pelo réu este deverá ter contestado, uma vez que deverá haver impugnação específica para tornar controvertida a relação jurídica prejudicial (...)". [15]

Ainda seria cabível ao réu propugnar pela tutela recursal antecipada, quando este é o autor do recurso. Willian Santos Ferreira esclarece que: "não é tutela antecipada propriamente dita, uma vez que não se está concedendo o bem da vida almejado (...), estará havendo uma antecipação dos efeitos de um eventual e provável provimento de recurso". [16]

Na simples contestação, a princípio não seria possível ao réu requerer a antecipação da tutela, mas Luiz Guilherme Marinoni lembra que o réu na contestação não formula pedido, mas solicita a improcedência do pedido, ou seja, uma declaração. Neste caso poderia o réu requerer a tutela antecipada desde que estivessem presentes circunstâncias que o fizessem crer que o autor o impediria de praticar atos que seriam legítimos se a ação fosse improcedente. [17]

Luiz Guilherme Marinoni cita ainda a hipótese do chamamento ao processo, dizendo que "o autor pode requerer a tutela antecipatória contra o réu originário ou contra os chamados. Se a tutela antecipatória é concedida, a parte que a satisfez deve ser autorizada a executar (também antecipadamente) o devedor principal ou os outros devedores". [18]

O Ministério Público também poderá requerer a antecipação [19], atuando como parte ou como fiscal da lei, pois tem os mesmos poderes e ônus que as partes. [20]

2.6. Cabimento

2.6.1. Ações condenatórias

Não há dúvidas sobre o cabimento da tutela antecipada nas ações condenatórias. Sobre esse assunto não há divergência na doutrina.

Discute-se, todavia, se o cumprimento da decisão antecipatória sujeita-se a ação autônoma ou se a medida é cumprida na própria ação de conhecimento. Procurando solucionar a questão, Teori Albino Zavascki, diz que a melhor solução é cumprir a decisão da tutela antecipada na própria ação de conhecimento, mediante ordens ou mandados. Salvo quando se tratar de antecipação de pagamento de quantia certa, pois em tal caso depende-se da vontade do executado ou de atos de expropriação, insuscetíveis de serem realizados na própria ação; devendo nesta hipótese entrar com ação de execução provisória por quantia certa. Outra exceção ocorreria quando a obrigação fosse ilíquida. [21]

2.6.2. Ações Declaratórias

As ações declaratórias visam apenas a declaração da existência ou inexistência da relação jurídica; excepcionalmente a lei pode prever a declaração de meros fatos. O provimento jurisdicional invocado exaure-se, nessa hipótese, na decisão quanto à existência ou à inexistência da relação jurídica. [22]

Assim, verifica-se que o pedido imediato deste tipo de ação (pronunciamento), confunde-se com o pedido mediato (tutela), pois se visa apenas uma declaração e sendo esta feita na sentença, exaure-se também a pretensão material da parte.

Por este motivo, a doutrina discute a possibilidade de antecipar os efeitos da sentença desse tipo de ação, já que aparentemente o pronunciamento não teria outros efeitos a produzir, além da própria declaração.

Sobre este tema, Teori Albino Zavascki, prevê a possibilidade de antecipação da tutela somente quando a ação declaratória tiver cunho negativo, dizendo que:

"Ora, essa eficácia negativa é, certamente, passível de antecipação, o que se dá, necessariamente, mediante ordens de não fazer contra o preceito, ou seja, ordens de abstenção, de sustação, de suspensão, de atos ou comportamentos." [23]

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Seguindo a mesma linha de raciocínio, verifica-se que a tutela antecipada pode ser requerida em ações declaratórias sempre que, além da simples declaração, exista algum efeito concreto desta declaração, como numa ação declaratória de nulidade de título cambial, o efeito concreto dessa declaração de nulidade é a insubsistência do protesto efetuado.

Portanto, "na ação declaratória é possível a antecipação da tutela quanto a algum efeito executivo ou mandamental da sentença". [24]

Com relação aos efeitos da ação declaratória, diz José Roberto Bedaque: "os provimentos declaratórios e constitutivos não são antecipados, o que ocorre com apenas alguns dos efeitos a ele inerentes". [25]

Willian Santos Ferreira entende que cabe tutela antecipada nas ações declaratórias em que forem necessárias "determinadas providências para ajustar-se a realidade reconhecida na sentença" [26]. Continua o autor dizendo que referidas ações são aquelas denominadas de "ações declaratórias que tenham repercussões práticas", nos ensinamentos de Kazuo Watanabe, como "a ação declaratória de paternidade em relação aos alimentos; ou as que contenham alguma carga constitutiva, como a de desfazimento da eficácia de um ato nulo, ou a sua propriedade de, apesar de nulo, produzir efeitos". [27]

2.6.3. Ações Constitutivas

Processo constitutivo é aquele que visa um provimento jurisdicional que constitua, modifique ou extinga uma situação jurídica. [28]

Também é grande a divergência quanto ao cabimento da tutela antecipada nas ações constitutivas.

Doutrinadores renomados, como Teori Albino Zavascki [29], dizem que é incabível antecipar simplesmente efeitos declaratórios ou constitutivos. Referido doutrinador, justifica seu posicionamento afirmando que a antecipação dessas tutelas não traria qualquer efetividade, não sendo compatível com o princípio da necessidade.

Admitindo o cabimento da tutela antecipada nas ações constitutivas, esclarece Luiz Guilherme Marinoni:

"É preciso dizer, antes de mais nada, que depois de muita meditação chegamos à conclusão, contrária à doutrina dominante, que não há motivo que possa impedir, na perspectiva técnico-processual, uma constituição ou uma declaração fundada em cognição sumária." [30]

O raciocínio a ser realizado para se chegar à conclusão do cabimento ou não da antecipação da tutela neste tipo de ação é o mesmo realizado para verificar o cabimento na ação declaratória, atentando para a eficácia ou não dos efeitos antecipados.

Ora, é claro que não se pode antecipar a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica. Entretanto, nada impede que, presentes os requisitos e verificando que referida antecipação terá utilidade para a parte requerente, possam ser antecipados alguns dos efeitos dessa criação, modificação ou extinção. Exemplificando, diz Kazuo Watanabe:

"Na ação em que se peça a anulação de uma decisão assemblear de sociedade anônima de aumento de capital, em vez de antecipar desde logo o provimento desconstitutivo, deverá ater-se à antecipação de alguns efeitos do provimento postulado, como o exercício do direito de voto correspondente segundo a situação existente antes do aumento de capital objeto da demanda ou a distribuição de dividendos segundo a participação acionária anterior ao aumento de capital impugnado, etc." [31]

2.7. Requisitos

Para a concessão da tutela antecipada exige-se a presença dos requisitos previstos pelo art. 273 do Código de Processo Civil. Podemos dividi-los em requisitos genéricos, que sempre devem estar presentes, e requisitos específicos, que são alternativos, ou seja, apenas o preenchimento de um deles permite a antecipação da tutela.

2.7.1. Requisitos Genéricos

2.7.1.1. Requerimento da parte

Ao juiz é vedada a concessão da tutela antecipada ex officio, ou seja, para que possa ser concedida deve ser requerida pela parte. Como visto anteriormente, o requerimento pode ser feito por qualquer um dos sujeitos legitimados, quais sejam, o autor, o opoente, o denunciante, o autor da ação declaratória incidental, o assistente, o autor do chamamento ao processo, o Ministério Público. Podendo, ainda, ser legitimado o réu, na reconvenção, nas ações de natureza dúplice, na declaratória incidental (quando é o autor), ou quando é recorrente.

2.7.1.2. Prova inequívoca e verossimilhança da alegação

Muita divergência existe com relação a exata conceituação desses requisitos. Alguns citam os requisitos como expressões sinônimas, outros os definem com sentido diverso, e outros ainda, conceituam os dois requisitos de forma conjugada.

A princípio, verificando o sentido literal de cada requisito separadamente, chega-se à conclusão de que são antagônicos, pois prova inequívoca seria uma certeza e não uma verossimilhança.

João Batista Lopes, tentando solucionar essa questão, diz que:

"para que a norma não perca sua operatividade não deverão os juízes interpretar literalmente seu enunciado, mas tomar em atenção a ratio legis e, pois, satisfazer-se com prova segura das alegações do autor." [32]

No mesmo sentido diz Teori Albino Zavascki:

"O que a lei exige não é certamente, prova de verdade absoluta -, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução – mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade." [33]

Conjugam-se os elementos prova inequívoca e verossimilhança: aquela haverá de ser suficiente para emprestar verossimilhança à alegação contida na inicial, que constitui causa de pedir [34], atrelando-se à verossimilhança da alegação e não à absoluta certeza de procedência da demanda.

Para conciliar as expressões "prova inequívoca" e "verossimilhança", aparentemente contraditórias, exigidas como requisitos para a antecipação da tutela de mérito, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre elas, o que se consegue com o conceito probabilidade, mais forte do que verossimilhança, mas não tão peremptório quanto à exigência da prova inequívoca. [35]

Assim, a parte "deverá oferecer prova inequívoca que confira verossimilhança à alegação (rectius, dos efeitos práticos do provimento)." [36]

Em acórdão do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo decidiu-se que:

"(...) as expressões ‘prova inequívoca’e verossimilhança da alegação’, embora se mostrem contraditórias entre si, exigem um juízo valorativo de alta probabilidade, bem próximo da certeza do direito e completamente afastado da situação de dúvida. Somente assim poder-se-á admitir a presença do requisito da irreparabilidade do dano do direito alegado, em confronto com a excludente da irreversibilidade do provimento." [37]

"Inexistindo prova inequívoca que impeça se convença o juiz da verossimilhança da alegação, e havendo a necessidade da produção da prova, descabe a outorga da tutela antecipada." [38]

2.7.1.3. Reversibilidade

A tutela não será concedida se for impossível o retorno ao status quo ante, isto é, se tiver caráter absolutamente satisfativo.

Mas essa regra deve ser entendida com ressalvas, pois em seu sentido literal chegar-se-ia à conclusão de que nada poderia ser antecipado, pelo perigo da irreversibilidade.

Para, de forma justa, obedecer este requisito deve-se sopesar as posições do autor e do réu, verificar se a antecipação realmente seria irreversível para o réu ou se a sua não concessão seria irreversível para o autor.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery entendem que:

"(...) a norma fala na inadmissibilidade da concessão da tutela antecipada, quando o provimento for irreversível. O provimento nunca é irreversível, porque provisório e revogável. O que pode ser irreversível são as conseqüências de fato ocorridas pela execução da medida, ou seja, os efeitos decorrentes de sua execução. De toda a sorte, essa irreversibilidade não é óbice intransponível à concessão do adiantamento, pois, caso o autor seja vencido na demanda, deve indenizar a parte contrária pelos prejuízos que ela sofreu com a execução da medida" [39]

Eduardo Talamini entende que a determinação do § 2º de não se conceder a tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade não é absoluta. E deve ceder "toda a vez que o interesse que vier a ser gravemente prejudicado pela falta da medida antecipatória for mais urgente e relevante do que aquele que seria afetado pelos efeitos irreversíveis da antecipação. Aplicar-se-á o princípio da proporcionalidade". [40]

Conclui-se que esse requisito não é absoluto, podendo deixar de cumpri-lo quando o autor for mais onerado pela não concessão do que o perigo de irreversibilidade que o réu poderia sofrer. E se, realmente houver a improcedência da ação e for impossível retornar-se ao status quo ante, deve o autor indenizar o réu pelos prejuízos sofridos.

Deve-se ainda ressaltar que, como anteriormente se disse, tutela e provimento não se confundem. Tutela se refere ao direito material, ao bem da vida almejado pelo autor. Já o provimento é o pedido imediato, procedência ou não da ação. Dessa forma, provimento é o meio pelo qual se viabiliza a tutela.

Nessa esteira, o § 2º do art. 273 se refere ao provimento e não a tutela, deve-se então, para atender esse requisito, verificar no caso concreto se o provimento é irreversível, ou seja, se o pedido imediato for reversível, nada obsta a antecipação dos efeitos da tutela. De outra vértice, se a tutela, ou seja, o pedido mediato da ação for irreversível, ainda assim, será perfeitamente possível a concessão da tutela antecipada.

2.7.2. Requisitos Específicos

2.7.2.1. Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

Esta hipótese está prevista no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil. Também é denominada de antecipação assecuratória ou protetiva, pois antecipa por segurança.

Exige-se como condição para a concessão da tutela antecipada que exista urgência, ou seja, que a parte não possa esperar o tempo necessário para o provimento final, pois se assim o fizesse correria o risco de não conseguir a satisfação de sua pretensão, ocorrendo um dano irreparável ou de difícil reparação.

É o periculum in mora da tutela cautelar, porém não se confunde com esta como veremos adiante.

Vicente Greco Filho, conceitua o periculum in mora como: "a probabilidade de dano a uma das partes de futura ou atual ação principal, resultante da demora do ajuizamento ou processamento e julgamento desta e até que seja possível medida definitiva". [41]

Receio fundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave. [42]

O risco de dano irreparável ou de difícil reparação é risco concreto, atual e grave. Se o risco é iminente não se justifica a antecipação da tutela. É indispensável a ocorrência do risco de dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte. [43]

Note-se, que tal reparabilidade do dano pode ser auferida tanto do ponto de vista objetivo como subjetivo. Portanto, considera-se irreparável o dano que não permite nem sua reparação específica e seu respectivo equivalente e, também quando o responsável não tenha condições para efetuar sua restauração.

Ademais, sempre que ocorrer a supressão total ou inutilização, pelo menos de grande monta, do interesse que se espera com a composição da lide, há dano grave e, conseqüentemente, de difícil reparação.

2.7.2.2. Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu

Previsto no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil. Teori Albino Zavascki denomina essa hipótese de antecipação punitiva, ressaltando que tem semelhança com as causas originantes das penalidades impostas a quem põe obstáculos à seriedade e à celeridade da função jurisdicional, previstas no Código de Processo Civil. [44]

Nessa hipótese não é exigida a urgência como ocorre no inciso I.

Não há um consenso sobre o significado de abuso de direito de defesa e manifesto propósito protelatório do réu.

Humberto Theodoro Jr. afirma que ocorre o abuso de direito de defesa "quando o réu apresenta resistência à pretensão do autor, totalmente infundada, ou contra direito expresso, e ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa." [45]

Beatriz Catarina Dias distingue as expressões da seguinte forma:

"A referência a abuso de direito de defesa demonstra que o legislador está se referindo a atos praticados para defender-se, ou seja, a atos processuais. Por abuso de defesa seriam entendidos os atos protelatórios praticados no processo (...)

Já o manifesto propósito protelatório seria decorrente do comportamento do réu, abrangendo atos e omissões fora do processo, não obstante com ele relacionados." [46]

Outra discussão consiste na possibilidade de o réu praticar atos de abuso de defesa ou de propósito protelatório antes da contestação e até mesmo antes da sua citação.

Duas correntes existem na doutrina brasileira. A primeira que entende que só seria possível a antecipação da tutela com fundamento no inciso II do art. 273, após a citação do réu. A segunda corrente, a qual Humberto Theodoro Jr. faz parte, admite a possibilidade da antecipação até mesmo antes da citação, pois o abuso de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu "tanto pode ocorrer na contestação como em atos anteriores à propositura da ação, como notificação, interpelações, protestos ou troca de correspondência entre os litigantes". [47]

2.8. Fundamentação da decisão

Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento. [48]

A norma fala da decisão que antecipar a tutela, mas deve ser fundamentada também a decisão que denegar a antecipação.

Essa exigência de fundamentação para a decisão que concede ou denega a antecipação da tutela só veio para reforçar uma exigência do Código de Processo Civil, em seu art. 165, que dispõe: "as sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso."

Da mesma forma a Constituição Federal, em seu art. 93, IX, não autoriza ao juiz decidir sem fundamentar, demonstrando as razões de seu convencimento.

2.9. Executividade

O § 3º do art. 273 diz que a execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588. Ressalta-se que essa norma somente será aplicada "no que couber".

O art. 588 refere-se a execução provisória da sentença e seus princípios. Daí, conclui-se a execução da tutela antecipada será sempre provisória.

Para referida execução provisória da tutela antecipada não será exigida caução, já que excluiu-se o inciso I do art. 588. Porém o restante desse primeiro inciso deve ser seguido, ou seja, a execução provisória corre por conta e responsabilidade do credor, obrigando-o a reparar os danos causados ao devedor. Essa responsabilidade é objetiva, ou seja, não necessita da prova de culpa. [49]

A execução provisória não abrange atos que importem alienação de domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro [50].

Sobrevindo sentença que modifique ou anule a decisão que foi objeto da execução provisória, esta ficará sem efeito, restituindo-se as coisas no estado anterior. Entretanto, se referida decisão for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução. [51]

Willian Santos Ferreira, ressalta que a execução normalmente será realizada nos próprios autos, salvo na hipótese de deferimento por juízo superior em grau recursal ou quando proferida na sentença ou pouco antes desta, devendo ser extraída carta para possibilitar a execução. Por ser execução lato sensu, há a impossibilidade de ajuizamento de embargos à execução. [52]

2.10. Revogabilidade

A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, conforme o § 4º do art. 273.

Teresa Arruda Alvim Wambier ao comentar essa disposição, aduz :

"Parece, todavia, que se deve entender que esta modificação só pode ter lugar se a situação de fato subjacente ao processo também se alterar e fizer com que, por exemplo, desapareçam os pressupostos da manutenção da medida concedida ou surjam os pressupostos que determinem sua concessão.

Assim, e mais rigorosamente, não se poderá dizer que a decisão terá sido propriamente alterada, mas o que terá havido terá sido a prolação de outra decisão, para outra situação." [53]

A modificação da tutela antecipada não pode ser realizada de ofício pelo juiz, mesmo que a situação tenha se alterado, somente sendo admissível quando ocorrer provocação da parte, como a interposição de recurso. Devendo-se utilizar como parâmetro as liminares possessórias. [54]

Da mesma forma, um pedido de reconsideração da decisão que concedeu ou não a tutela antecipada, não poderia ser apreciado pelo juiz, pois neste caso ocorreu a preclusão pro judicato e como o pedido de reconsideração não é tecnicamente provocação da parte, o juiz nada poderia decidir. [55]

Essa conduta se justifica, pois se para a antecipação da tutela se exige, embora em cognição sumária, uma convicção mais firme que a exigida para a tutela cautelar, esta idéia de variabilidade da posição do juiz não se coaduna com a solidez da argumentação exigida para a antecipação da tutela. O juiz pode alterar sua decisão se modificados os fatos, e não se modificada a sua percepção a respeito dos fatos. [56]

Portanto, o juiz não pode modificar ou revogar a tutela antecipada, ex officio, necessitando para tanto da provocação da parte. Willian Santos Ferreira entende que: "da mesma forma que a concessão só pode ocorrer mediante requerimento expresso da parte, a revogação ou modificação também dependem de requerimento", salvo quando se tratar de sentença de mérito, que é fundada em cognição exauriente.

Quando a tutela antecipada é concedida e ao final a sentença é de procedência, coincidindo com os efeitos antecipados, desde que não sejam inferiores, não haverá a revogação da tutela antecipada. Neste caso não há sequer a exigência de que o magistrado se manifeste sobre a sua manutenção quando da sentença [57]. Até mesmo, se houver apelação, com efeito suspensivo, não haverá a revogação, porque a duração da tutela antecipada tem início no momento de sua concessão, ou seja, da decisão interlocutória e a suspensividade da apelação não atingirá provimentos pretéritos como essa decisão. Mas, se a apelação é provida, haverá a revogação da tutela. [58]

Em contrapartida, a improcedência do pedido na sentença de mérito, trará como conseqüência a revogação da antecipação concedida.

2.11. Recurso cabível

A decisão que concede ou não a antecipação da tutela é decisão interlocutória e pela regra do art. 522 do Código de Processo Civil, o recurso cabível é o agravo.

Resta saber qual das formas de agravo seria cabível, se poderia ser retido ou por instrumento.

O agravo retido não seria pertinente por falta de interesse da parte recorrente, pois o que interessa para esta é a cassação ou concessão imediata da tutela antecipada e, de nada adiantaria aguardar até a eventual propositura do recurso de apelação para ver apreciado o agravo retido.

Dessa forma, o recurso cabível é o agravo, somente na modalidade de instrumento.

2.12. Distinção com tutela cautelar

Muita confusão existe no tocante a diferenciação entre a tutela cautelar e tutela antecipada, alguns doutrinadores entendem que não haveria qualquer diferença, enquanto outros citam algumas distinções.

O primeiro inciso do art. 273 do Código de Processo Civil, que prevê a hipótese da urgência, ou seja, o perigo da demora, é o que mais se aproxima da tutela cautelar, mas ainda assim difere sob alguns pontos. Na tutela antecipada não se antecipa o provimento judicial em si (que definirá a relação jurídica), nem apenas se assegura o resultado. O que se verifica é a antecipação dos efeitos da tutela definitiva, que, na verdade, coincide com o bem da vida almejado pelo autor, é a tutela satisfativa nos planos dos fatos, já que realiza o direito. O que o autor obtém, ainda que provisoriamente, é a admissão de seu pedido mediato, e não do seu pedido imediato, já que este último somente na sentença é que será apreciado.

De acordo com o entendimento de José Frederico Marques, tutela cautelar:

"(...) é o conjunto de medidas de ordem processual destinadas a garantir o resultado final do processo de conhecimento, ou do processo executivo". Dispõe ainda que "no processo cautelar, visa-se garantir outro processo, e indiretamente, a pretensão que dele é objeto. O processo cautelar é meio e modo para garantir, complexivamente, o resultado de outro processo, por existir o periculum in mora." [59]

Portanto, a tutela cautelar gera efeitos no âmbito processual, pois garante a efetividade da demanda principal e jamais será satisfativa.

Nesse mesmo sentido Willian Santos Ferreira diz que:

"A tutela cautelar destina-se a assegurar a eficácia (prática) do processo de conhecimento ou de execução, não se concedendo, portanto, o próprio bem da vida almejado, mas apenas assegurando que, uma vez reconhecido judicialmente o cabimento de tal pretensão, aí sim o bem da vida seja entregue, sendo isto possível porque a eficácia prática da sentença foi protegida, acautelada". Cita Piero Calamandrei que se refere à cautelar como: "dar tiempo a la justicia de cumplir eficazmente su obra." [60]

Enquanto na tutela cautelar concede-se no presente a proteção do que provavelmente será obtido no futuro, na tutela antecipada concede-se no presente o que só provavelmente seria obtido no futuro. A tutela antecipada diz respeito ao próprio direito objeto da ação, enquanto que a tutela cautelar consiste num meio colateral de ampará-los.

A tutela antecipada pode ser requerida dentro do próprio processo, na petição inicial, ou a qualquer tempo. Portanto, não é requerida através de processo autônomo. A tutela cautelar é requerida em processo autônomo, porém, acessório ao principal.

Para a concessão de tutela antecipada faz-se necessária a conjugação dos dois requisitos gerais, quais sejam: prova inequívoca e verossimilhança da alegação. Assim, exige-se para a sua concessão uma cognição sumária. Na tutela cautelar exige-se apenas o fumus boni iuris, ou seja, a verossimilhança, necessitando apenas de cognição superficial para a sua concessão.

Ressaltando outra diferença Willian Santos Ferreira diz que:

"(...) no art. 273 a preocupação é com a irreparabilidade ou sua difícil reparação, enquanto no artigo 798 fala-se em lesão grave, como se fosse possível admitir a concretização de uma lesão menos grave. Na tutela antecipada concede-se o bem da vida para evitar a imprestabilidade da decisão final, na cautelar apenas se protege o bem da vida almejado para evitar a imprestabilidade da decisão final."

O segundo inciso do art. 273 prevê a hipótese da tutela antecipada punitiva, pois só será concedida quando houver abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Neste caso não há como se confundir com tutela cautelar, pois para a concessão desta é sempre necessária a urgência e nesta hipótese de tutela antecipada não se exige a urgência.

A dúvida surge quando a tutela cautelar pode evitar o dano, se seria possível a utilização da tutela antecipada ou se esta não seria possível por falta de interesse. Ana Cláudia da Silveira Leal soluciona a questão dizendo que: "se o autor tem de preencher requisitos legais mais rigorosos (art. 273), faz ele jus a uma medida mais direta em face do adversário". [61]

Além de todo o exposto, verifica-se ainda que a tutela antecipada é provisória, enquanto que a tutela cautelar é temporária. A distinção dos conceitos de provisoriedade e temporariedade é colocada por Ovídio A. Baptista da Silva com base na doutrina de Calamandrei, mostrando que temporário é simplesmente aquilo que não dura sempre, sem que se pressuponha a ocorrência de outro evento subseqüente que o substitua, enquanto o provisório, sendo como o primeiro também alguma coisa destinada a não durar para sempre, ao contrário daquele, está destinado a durar até que sobrevenha um evento sucessivo que o torne desnecessário. Afirma ainda, utilizando-se de um exemplo de Lopes da Costa, que os andaimes são temporários, e não provisórios, pois devem permanecer até que o trabalho exterior de construção seja ultimado; sendo, porém definitivos no sentido de que nada virá substituí-los. [62]

Além de serem diferentes, não é admissível a concessão de tutela antecipada em processo cautelar, como diz o julgado: "Impossível a tutela nas cautelares, porque nelas não há julgamento de mérito." [63]

2.13. Distinções com outros institutos

2.13.1. Julgamento Antecipado da Lide

No julgamento antecipado da lide, o juiz verificando que não é necessária a instrução probatória, profere antecipadamente a sua sentença, solucionando a lide.

Ocorrerá o julgamento antecipado da lide quando a questão de mérito for unicamente de direito; quando a questão de mérito mesmo sendo de fato não necessite de produção de provas em audiência; e quando ocorrer a revelia.

Essa providência difere da tutela antecipada, pois no julgamento antecipado profere-se uma sentença definitiva, de cognição exauriente, tendo a mesma natureza e peculiaridades daquela que se profere no estado normal do processo. Enquanto que, a tutela antecipada é uma decisão provisória, de cognição sumária, tendo natureza de decisão interlocutória.

2.14. Concessão da tutela contra o Poder Público

A Lei não prevê expressamente a possibilidade ou não de concessão da tutela antecipada em face do Poder Público. A doutrina, por sua vez, possui dois entendimentos: um que não admite e outro que admite a antecipação da tutela em face da Fazenda Pública.

Os autores que se filiam à primeira corrente, colocam como óbice à concessão da tutela antecipada em face da Fazenda Pública a Lei 8.437/92 que em seu art. 1º, não admite a concessão de liminares contra atos do Poder Público. Os adeptos da segunda corrente dizem que esta lei apenas veda a concessão de liminares, em ações cautelares ou preventivas que esgotem, no todo ou em parte, o objeto do processo, e, não se confundindo a tutela antecipada com a tutela cautelar ou preventiva, esse artigo não proibiria a tutela antecipatória.

Outro argumento desfavorável à concessão da tutela antecipada nas ações em que a Fazenda Pública é ré, encontra-se no art. 475, II do CPC, que diz: "Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal, a sentença: II - proferida contra a União, o Estado e o Município, III – que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública."

A corrente que admite a antecipação diz que referido artigo não pode ser aplicado na decisão que concede a tutela antecipada, pois esta seria uma decisão interlocutória e não uma sentença como prevê o inciso II do art. 475, do CPC.

A Medida Provisória 1.570/97, convertida na Lei nº 9.494/97, criou medidas protetivas à Fazenda Pública quanto à concessão da tutela antecipatória, determinando-se a aplicação das seguintes regras:

a) não concessão de medida liminar, visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens (art. 5º, caput, Lei 4.348/64).

b) a execução dos provimentos finais referidos no art. 5º só poderá ocorrer após o trânsito em julgado da respectiva sentença (parágrafo único, art. 5º, Lei 4.348/64).

c) o recurso voluntário ou ex officio, interposto da decisão concessiva que importe outorga ou adição de vencimento ou ainda reclassificação funcional terá efeito suspensivo (art. 7º, caput, Lei 4.348/64 e art. 3º, caput, da Lei 8.437/92).

d) o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença final, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial (art. 1º, caput, da Lei 5.021/66).

e) não concessão de medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias (§ 4º, art. 1º, da Lei 5.021/66).

f) não cabimento de medida liminar, contra atos do Poder Público, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal (art. 1º, caput, Lei 8.437/92).

g) vedação, no juízo de primeiro grau, de medida cautelar inominada ou sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária do tribunal (§ 1º, art. 1º, da Lei 8.437/92), exceto quando se tratar de processos de ação popular e de ação civil pública (§ 2º, art. 1º, da Lei 8.437/92).

h) não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. (§ 3º, art. 1º, da Lei 8.437/92).

i) havendo a possibilidade de a pessoa jurídica de direito público ré vir a sofrer dano, em virtude da concessão da liminar ou de qualquer medida de caráter antecipatório, será determinada a prestação de garantia real ou fidejussória (§ 4º, art. 1º, da Lei 8.437/92).

j) compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a exceção da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 4º, caput, Lei 8.437/92). O presidente do tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em cinco dias (§ 2º). Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias (§ 3º). Aplica-se o disposto no art. 4º à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado (§ 1º).

Como referida Lei surgiu para restringir a aplicação da tutela antecipada, presume-se cabível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública.

Eduardo Talamini, ao comentar esta Lei, diz que algumas das vedações previstas por ela dizem respeito somente à "medida liminar", não abrangendo dessa forma as hipóteses de antecipação da tutela em outros momentos do processo, diversos daquele inicial, em que o demandado não teve o direito de defesa. [64]

Já Cássio Scarpinella Bueno, diz que:

"O juiz deverá antecipar a tutela – analisados e sopesados todos os valores incidentes na hipótese – toda vez que for o caso da mesma dever ser concedida. As presunções que recobrem o ato estatal – e que justificariam a proteção do interesse público subjacente, não há dúvidas, aos arts. 1º e 2º da Med. Prov. 1.570/97, convertida na Lei 9.494/97 – deverão ser afastadas, na exata medida em que, por iniciativa do particular, comprovar-se, em plena consonância com os valores prestigiados pelos ordenamentos constitucional e processual codificado mais recente, e, pois, ainda em cognição sumária do magistrado, a invalidade do comportamento estatal." [65]

Nesse mesmo sentido, afastando a aplicação da Lei 9.494/97, Luiz Guilherme Marinoni diz que, se verificado que o autor não tem patrimônio e depende do bem reivindicado para ter tutelado um direito não patrimonial, não será possível a exigência do § 4º, do art. 1º, da Lei 8.437/92. Aliás, a prestação de garantia real ou fidejussória, jamais poderá impedir que o autor sem patrimônio execute a tutela antecipatória, ainda que fundada em abuso de direito de defesa [66]. Em decisão do STF, em 16.04.97, foi concedida liminar para suspender a eficácia do § 4º, do art. 1º, da Lei 8.437/92. [67]

Os doutrinadores Cássio Scarpinella Bueno e Eduardo Talamini questionam sobre a constitucionalidade de referida Lei, que restringe a concessão da tutela antecipada nas ações em que o Poder Público for réu. O STF, em 11/02/98, deferiu medida cautelar para suspender, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante até o final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97, sustando ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros dessas decisões antecipatórias de tutela já proferidas contra a Fazenda Pública. [68]

Porém, além das restrições previstas na Lei 9.494/97, deve-se atentar ao art. 100 da Constituição Federal, que diz que os pagamentos devidos pela Fazenda Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos. Da mesma forma, deve ser aplicado o art. 730 do Código de Processo Civil, que trata da execução contra a Fazenda Pública.

Entretanto, Luiz Guilherme Marinoni, diz que:

"(...) no caso em que o autor postula, por exemplo, o reajuste do seu salário, o juiz pode ordenar, em virtude da tutela antecipatória, a implantação do reajuste em folha, permitindo a satisfação imediata de um direito que, de outra forma, somente poderia ser realizado ao final do processo de conhecimento." [69]

O STF, em recente decisão, admitiu o cabimento da antecipação da tutela em ação contra o Estado do Rio Grande do Sul, determinando que o Estado-réu pagasse aos autores, magistrados sul-rio-grandenses, a partir das futuras férias a serem usufruídas, a gratificação de férias prevista na Constituição, calculada sobre o total das férias a que fazem jus. [70]

Também o STJ, entende cabível a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública: "Afora a exceção restritiva prevista na Lei n. 9.494, de 10.9.997, é admissível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública". [71]

Luiz Guilherme Marinoni, ressalta, ainda, que também é possível, contra a Fazenda Pública, a tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados [72], como explicaremos mais adiante.

Diante do acima exposto, conclui-se que é possível a antecipação da tutela em ações onde a Fazenda Pública atue como ré, devendo, entretanto, atender às restrições legais.

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Sobre a autora
Cecília Rodrigues Frutuoso

advogada em Leme (SP), especializanda em Processo Civil na Unifian

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRUTUOSO, Cecília Rodrigues. A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3059. Acesso em: 29 dez. 2024.

Mais informações

O texto se refere ao Projeto de Lei nº 3.476/2000, o qual deu origem à Lei nº 10.444/2002, que positivou a tese em que se baseia este trabalho. Monografia escrita sob orientação do professor André Antonio da Silveira Alcântara.

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