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A teoria da empresa no novo Direito de Empresa

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01/08/2002 às 00:00
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4. Relevância jurídica do estabelecimento e sua proteção legal

Por mais que se veja defendida a relevância da empresa, como organismo econômico de produção e circulação de bens e serviços, e a teoria que lhe dá significação jurídica, não se pode desconhecer a existência e a validade de outros elementos que integram o complexo objeto do direito comercial. A azienda (vocábulo de idêntica grafia nos idiomas italiano e português) equivale ao estabelecimento comercial, desde há muito reconhecido entre nós, embora não tenha merecido conceituação e tratamento legal pelo CCom, nem pelo novo CCB.

Procura-se recompor, tanto quanto possível, o cenário do aparecimento e fixação da teoria da empresa no direito italiano. Daí, necessariamente, ter-se de reportar à azienda, objeto de longos e tediosos estudos dos tratadistas peninsulares. Nesse contexto, Francesco Ferrara ocupa espaço nobre, por meio de seu livro Teoria juridica de la hacienda mercantil, cujo texto, adiante citado, encontra-se vertido para o espanhol por Jose Maria Navas . (31)

Rememore-se que a figura da azienda não é nova, porquanto os romanos se referiam ao negotium, negotiatio, ponto de partida, na evolução do direito comercial, para nominar-se, na França e na Bélgica, fonds de commerce; na Alemanha, geschaft e handelgeschaft; nos EUA e Inglaterra, goodwill e goodwill of a trade; na Espanha, hacienda; na Itália, azienda. No Brasil, é o estabelecimento, também chamado de fundo de negócio ou fundo de comércio . (32)

Ferrara partiu de conceitos preliminares para atingir a natureza jurídica da azienda, à luz do direito italiano. Assim:

Desde el punto de vista económico, constituye la empresa, en su sentido más elemental, una combinación de coyunturas favorables para obtener un beneficio;

La azienda es el instrumento creado para explotar una situación económica favorable;

Consiste esta en la organización con fines productivos de múltiples elementos que en armonia con un criterio empírico pueden, respectivamente, agruparse en bienes, servicios y relaciones económicas . (33)

A construção doutrinária do conceito jurídico de azienda propiciou a sua apreensão, pelo CCit de 1942, que a definiu como "il complesso dei beni organizzati dall´imprenditore per l´esercizio dell´impresa" (art. 2.555). Esta apreensão do conceito econômico pelo legislador deu à azienda a natureza de uma universalidade de direito. A falta dessa regulação legal gera dificuldades para se enquadrar a azienda nas tradicionais categorias jurídicas, nos países que a reconhecem, como o Brasil, mais propriamente pelo estabelecimento comercial, mas sem lhe dar adequado respaldo jurídico. Daí discutir-se se trata de universitas juris, como no direito italiano pós regio decreto 16 marzo 1942; patrimônio de afetação, porque destinado a uma exploração determinada; ou, finalmente, universitas facti (um conjunto de bens que se mantém unidos, destinados a um fim, por vontade e determinação de seu proprietário, que pode, a qualquer instante, desintegrá-lo, retornando seus componentes à expressão unitária).

Cuidou a doutrina italiana de estabelecer uma relação entre azienda e empresa, não uma distinção como pareceria pertinente. Asquini, na cuidadosa investigação empreendida, chegou ao resultado de que a palavra empresa (impresa), no CCit, embora usada com significados e em acepções diversas (umas vezes para indicar o sujeito que exercita a atividade organizada; outras, o conjunto de bens organizados; outras vezes, o exercício da atividade organizada; e outras, ainda, a organização de pessoas que exercitam em colaboração a atividade econômica), na verdade, para indicar um aspecto jurídico próprio de empresa econômica, o código adotou um particular nome juris, que deve ser respeitado. Mas, nos demais casos em que a palavra empresa é usada pelo código, por prática de linguagem ou por pobreza de vocabulário, com sentido jurídico diverso, caberia ao intérprete aclarar os diferentes significados. Trata-se da empresa ser, no plano jurídico, um fenômeno poliédrico; tem não um, mas diversos conceitos, aplicáveis segundo a conotação jurídico-legal pretendida pelo legislador . (34)

Assim é que Ferrara contesta a descrição de empresa como organização pessoal, porquanto nenhuma norma jurídica atribuiria conotação jurídica ao grupo de colaboradores da empresa, e daí os quatro perfis reduzir-se-iam a três. Diz mais:

Puede observarse que, fuera de los casos em que la palabra se emplea en sentido improprio y figurado de empresário ou de azienda, la única significación que queda es la de la actividad económica organizada . (35)

No entanto, o mesmo Ferrara reconhece uma relação entre azienda e empresa: "La hacienda es aquella organización productiva que constituye um capital; la empresa es la actividad profesional del empresario". E, ainda nas suas palavras, os dois conceitos estão intimamente ligados porque a organização produtiva é colocada em marcha pelo exercício de atividade profissional do empresário, ou seja, pelo exercício da empresa. E a empresa supõe, por sua vez, uma organização por meio da qual se exercita a atividade . (36)

Valorizando em demasia a azienda, prossegue Ferrara:

Sin embargo, el concepto de la empresa no tiene, en realidad, relevancia jurídica. La actividad profesional se resuelve, en efecto, en un momento o situación personal del sujeto, de suerte que los efectos de la empresa no son sino efectos e cargo del sujeto que la ejercita, siendo por ello estudiados con ocasión del análisis de la figura del empresario y de la especie correspondiente en que dicha actividad se distingue. Así, pues, las figuras en torno a las que se polarizan los efectos jurídicos son, respectivamente, el empresario y la hacienda . (37)

Ainda no dizer de Ferrara, em outra passagem:

Los bienes singulares organizados en la hacienda no reclaman tutela especial, siendo suficiente la defensa que brindan las normas del derecho común. Si alguien roba la mercancía del almacém o causa daños en la maquinaria de un estabelecimiento, el titular de la hacienda encuentra protección en virtud del derecho que sobre estos bienes le corresponde y que le aseguran la indemnización de los daños sofridos . (38)

Em prosseguimento, Ferrara expõe seu pensar no sentido de que o problema não se encerra com os elementos singulares, mas com aqueles que afetam a organização, que, por sua vez, representa um investimento e um valor, uma riqueza por sua capacidade para produzir um rendimento, aprofundando, dessa maneira, a sua teoria jurídica do estabelecimento:

Y el problema se doble: se trata, de uma parte, de crear las condiciones precisas para dar a la organización el natural desarrollo de su aptitud productiva; de otra parte, ha de procurarse mantener intacta la organización, a pesar de que quién está al frente de ella desaparezca por alguna razón en un momento dado. Bajo el primer aspecto, se procura garantizar a la hacienda la posibilidad de existir; bajo el segundo, se tiende a impedir su muerte o disgregación . (39)

Veja-se que Ferrara não deixa de ter razão, porque o CCit, no art. 2.556, refere-se à transferência da azienda (cujo contrato deve-se provar exclusivamente por escrito, observando-se, ademais, a forma de transferência de seus bens quando a lei exige uma particular natureza de contrato). No art. 2.557, fixa o prazo de cinco anos para o não restabelecimento, e nos artigos seguintes trata da sucessão nos contratos, nos débitos e créditos, e da possibilidade de usufruto do estabelecimento, tudo a indicar que o conjunto de bens do empresário tem valor jurídico muito superior à importância da empresa considerada em si mesma; a empresa continua abstrata e o estabelecimento, concreto, real, palpável, material, de valor intrínseco, afora, naturalmente, o valor extrínseco a ele agregado pela utilização com fito empresarial.

Nem o antigo CCom, nem o novo CCB, no livro "do direito de empresa", dá maior importância ao estabelecimento como objeto de negócios pelo empresário, não lhe atribuindo a condição de instituto jurídico, sujeito à apreciação teórica e considerações exclusivamente científico-jurídicas. Mas jamais se considerou o silêncio como uma proibição velada, na ciência do direito, muito menos porque as leis civis em geral sobre a transmissão de bens e direitos se prestam a regrar o negócio jurídico mercantil resultante da compra e venda do estabelecimento.

O direito espanhol, que, como o nosso, tem apenas regras comuns sobre compra e venda, inspirou o seguinte comentário de Francisco Vicent Chulia:

La transmisión del estabelecimiento, consiguiendo que el adquirente obtenga la disponibilidad de todos sus elementos, tanti los quie constituyen objeto de derechos como los que son meras situaciones de hecho (clientela, expectativas de ganancias), plantea tres problemas fundamentales. 1) la necessidad de cumplir el contrato respetando los diversos modos o leyes de transmisión de cada elemento; 2) la configuración de la prohibición de competencia; y 3) la protección de los terceros, mediante la adecuada publicidad de la transmisión . (40)

Entendemos que, em linha de princípio, o novo CCB atende às três exigências. Com efeito, pelo art. 1.143 pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, traslativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza. Pelo art. 1.147, salvo a existência de autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência, persistindo durante contrato de arrendamento ou usufruto de que eventualmente for objeto. E, por fim, o terceiro requisito do elenco de Chulia encontra-se satisfeito no art. 1.144, porque o contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (RPEMAA), e de publicado na imprensa oficial.

Todavia, essa característica comum no legislador italiano e no brasileiro está a retirar, a nosso ver, muito do glamour do que seria uma teoria fruto da inteligência e da ousadia, capaz de se apropriar de conceito estranho ao Direito e com habilidade de aprimorá-lo a ponto de servir à ciência jurídica. Seria uma oportunidade de aproximar os institutos jurídicos da realidade prática, sem ficções e sem considerações sustentadas exclusivamente na força cogente do direito estatal. Afinal, o legislador não abandonou critérios práticos, prestigiando um perfil patrimonial e objetivo da empresa . (41) Tampouco, utilizou-se de critério inovador, como comemorado em princípio, porque se limitou à disciplina jurídica de conceitos econômicos preexistentes.


5. A posição do empresário na teoria geral da empresa

Em lugar de disciplinar a empresa, o legislador, tanto italiano quanto brasileiro, manteve-se alheio ao fenômeno econômico que estavam apreendendo, sem nada lhe acrescentar – e reprisaram o que os códigos revogados tinham feito a contento, não obstante a figura do empresário calhar melhor, no novo direito de empresa, que a antiga noção de comerciante, considerada insuficiente pela doutrina para explicar a atuação profissional da pessoa natural e da sociedade mercantil. Alguns autores, na época da edição do CCit, diziam que a empresa era a célula fundamental de qualquer tipo de economia organizada. Estava sujeita às leis de mercado no sistema de economia liberal, enquanto que as regras naturais de concorrência reservavam ao Estado a função de garantir a lealdade dos procedimentos. Em outros sistemas de economia capitalista do mundo moderno, a empresa tornou-se parte da organização da produção, esta em grande medida controlada pelo Estado na maioria dos países . (42)

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O próprio Asquini reportou-se às premissas econômicas vigentes para justificar que "o conceito de atividade empresarial implica uma atividade voltada, de um lado, a recolher e organizar a força de trabalho e o capital necessários para a produção ou distribuição de determinados bens e serviços". Anota, ainda, que o art. 2.082 do CCit faz "direta referência da noção jurídica do empresário à noção econômica da empresa" . (43)

O art. 966 da Lei n. 10.406/2002, na abertura do livro Do direito de empresa do novo CCB, caracteriza o empresário como "quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços". E como se fosse necessário extremar "outras atividades" (nem econômicas, nem de produção ou circulação, no conceito corrente, para o qual é indiferente a figura do prestador e do recebedor dos serviços), o parágrafo único do art. 966 diz não se considerar empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento da empresa.

Ambos os artigos (do CCit e do CCB) podem ser analisados em conjunto, fazendo-se aflorar a importância que os legisladores atribuíram aos aspectos econômicos e jurídicos de mais relevância: a empresa e o empresário. Vale dizer: reconheceram expressamente dois perfis, o perfil objetivo e o perfil patrimonial, sem, no entanto, desprezar os perfis institucional e funcional.

Eis a definição de empresário dada por Asquini, à luz do art. 2.082 do CCit:

empresário é a) ‘quem exerce’, esto é, o sujeito de direito que exerce em nome próprio; e b) ‘uma atividade econômica organizada’, isto é, uma atividade empresarial que implica de parte do empresário a prestação de um trabalho autônomo de caráter organizador e a assunção do risco técnico e econômico correlato . (44)

A atividade, assim organizada, exercida pelo empresário, qualifica-se, ademais, pelo fato da profissionalidade, isto é, seu exercício não ocorre ocasionalmente, mas com caráter de continuidade. A confusão com profissão, como a que exercem os profissionais liberais, faz por merecer alguma análise, ainda que perfunctória. Daí Asquini esclarecer:

A profissionalidade da atividade empresarial implica ademais o elemento da constância, no tempo, dessa série de operações e, normalmente, o seu pré-ordenamento com o fito de lucro, inerente, se não essencial, à empresa econômica . (45)

Idêntica preocupação revela Francesco Galgano:

      L´attività di produzione o di scambio di beni o di servizi deve essere, per l´art 2082, un´attività ‘professionalmente’ esercitata. Il concetto di professionalità ha, in rapporto all´imprenditore, un significato più limitato di quello che il medesimo concetto assume nel linguagio corrente (e, nello stesso codice civile, in rapporto al ‘professionisti’ intellettuali): esso´non designa uno stato personale o uma condizione sociale, ma solo la stabilità o non occasionalità dell´attività esercitata . (46)

Deve-se dizer, outrossim, que o legislador foi cauteloso na composição da roupagem jurídica do empresário. Abandonando o pensamento que imperou em relação à empresa (que não foi definida), o novo CCB, no art. 966, estabelece: "Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços".

Sylvio Marcondes, um dos autores do anteprojeto, diz, sobre a proposta ao final acolhida, sem troca de uma vírgula sequer, que considera atividade profissional "a habitualidade da prática da atividade, a sistemática dessa atividade e que, por ser profissional, tem implícito que é exercida em nome próprio e com ânimo de lucro" . (47)

E é interessante saber que a definição legislativa de empresário foi dada em relação ao empresário pessoa física, "porque é o conceito básico, para, depois, distinguir as sociedades, em sociedades empresárias e sociedades não-empresárias" . (48)

Nesse ponto a análise deflete, necessariamente, para o que dispôs o legislador acerca do empresário.

5.1. Caracterização do empresário

A proposta de Sylvio Marcondes, vista linhas atrás, foi mantida até o texto final do novo CCB, apesar do comedimento com que expõe, em um artigo, o que (ou melhor, quem) se considera empresário (art. 966 e seu parágrafo único): quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. A ressalva do parágrafo único é totalmente dispensável para qualificação do empresário, pois, se não se constitui elemento de empresa, o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, não se enquadra na definição do caput.

Sucede-se, assim, que as chamadas profissões liberais podem ser exercidas por empresários, desde que organizadas em empresa, sujeitas, outrossim, às particularidades inerentes a cada profissão. Marcondes esclarece a posição que adotou no anteprojeto:

Há pessoas que exercem profissionalmente uma atividade criadora de bens ou de serviços, mas não devem e não podem ser consideradas empresários – referimo-nos às pessoas que exercem profissão intelectual – pela simples razão de que o profissional intelectual pode produzir bens, como o fazem os artistas; podem produzir serviços, como o fazem os chamados profissionais liberais; mas nessa atividade profissional, exercida por essas pessoas, falta aquele elemento de organização dos fatores de produção; porque na prestação desse serviço ou na criação desse bem, os fatores de produção, ou a coordenação de fatores, é meramente acidental: o esforço criador se implanta na própria mente do autor, que cria o bem ou o serviço. Portanto, não podem – embora sejam profissionais e produzam bens ou serviços – ser considerados empresários.

A não ser que, organizando-se em empresa, assumam a veste de empresários. Parece um exemplo bem claro a posição do médico, o qual, quando opera, ou faz diagnóstico, ou dá a terapêutica, está prestando um serviço resultante de sua atividade intelectual, e por isso não é empresário. Entretanto, se ele organiza fatores de produção, isto é, une capital, trabalho de outros médicos, enfermeiros, ajudantes etc., e se utiliza de imóvel e equipamentos para a instalação de um hospital, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, será considerado empresário, porque está, realmente, organizando os fatores da produção, para produzir serviços . (49)

Figura neutra em relação aos conceitos de empresário e não-empresário, quem desempenha atividade rural como sua principal profissão, o empresário rural equipara-se ao empresário para todos os efeitos, desde que se submeta ao registro próprio de empresas (art. 971). O caráter facultativo do empresário rural atende à realidade atual do campo, em que verdadeiras empresas agregam capital e trabalho exclusivamente para a exploração agrícola, pecuária e extrativa. É fruto da evolução do anteprojeto nas comissões legislativas por que passou, acabando por receber tratamento facultativo, não proposto originariamente. É, novamente, Sylvio Marcondes que esclarece:

O empresário rural será tratado como empresário se assim o quiser, isto é, se se inscrever no registro de empresas, caso em que será considerado um empresário, igual aos outros.

Como a idéia é nova, para implantá-la na imensidão do nosso território e diversidade de nossa gente, achou-se importante deixá-la em termos facultativos, o que, aliás, não é invenção do Projeto: é o sistema do CCom alemão, onde se admite que empresas não-comerciais, mas organizadas como empresas, possam ser consideradas comerciais, se inscritas no registro competente . (50)

5.2. A sociedade empresária

O empresário característico, no regime do novo CCB, equivale ao antigo comerciante do CCom. Ao seu lado estava a sociedade mercantil; ao lado do empresário está a sociedade empresária. Sociedade empresária e empresário são espécies do gênero empresário lato sensu. Inexiste um equivalente individual da sociedade civil de fins lucrativos (empresa destinada aos profissionais intelectuais e afins), que é o trabalhador autônomo, que sem vínculo empregatício presta serviços individuais não intelectuais a terceiros. Sua disciplina não pertence ao direito de empresa, mas ao direito trabalhista e previdenciário.

Invoca-se o esclarecimento de Sylvio Marcondes, mais uma vez, que se reporta ao projeto, ora transformado na Lei n. 10.406/2002:

No Projeto de CC, a associação e as sociedades têm um tratamento diverso, inclusive pela natureza jurídica dos respectivos institutos. A associação é ato de união de pessoas... Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

Ao passo que a sociedade é contrato, cuja natureza parece hoje bem assentada na doutrina de Ascarelli: um contrato plurilateral, dadas as relações dos sócios, reciprocamente, entre si, dos sócios com a sociedade, da sociedade com terceiros e dos sócios com terceiros. É nesta qualificação de contrato plurilateral que o projeto define a sociedade... . (51)

Contrariando a fórmula tradicional, que pressupõe pluralidade de atos e continuidade na realização da atividade mercantil, a sociedade, na teoria da empresa, pode se destinar à realização de um ou mais negócios determinados. Em vez de caracterizar a sociedade, trata-se de definir o contrato pelo qual se constituem, bem como cuida-se de disciplinar os institutos que lhe são afins.

Por esse sistema, o direito reconhece nas formas individual e coletiva as maneiras de efetivação da empresa, acolhendo-as e disciplinado a regularização e a forma de publicização de seus atos. A simplicidade, porém, não é a marca característica do direito positivo, que, ao longo do tempo, dispôs sobre figuras especiais e permitiu a existência de formas anômalas, de modo que a teoria da empresa encontra uma determinada realidade jurídica, criada, antes de sua adoção oficial pelo direito brasileiro, para dar validade ao complexo sistema jurídico-empresarial (no n/ livro Direito de Empresa no Código Civil de 2002 – Ed. Juarez de Oliveira, 2002, analisamos, em prosseguimento, a empresa e suas formas jurídicas).

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Sobre o autor
Luiz Antonio Soares Hentz

advogado em Ribeirão Preto (SP), mestre e doutor em Direito, juiz de Direito aposentado, professor de Direito, diretor da UNESP em Franca

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENTZ, Luiz Antonio Soares. A teoria da empresa no novo Direito de Empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3085. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

O presente texto reproduz, em grande parte, o capítulo I do livro "Direito de Empresa no Código Civil de 2002", ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002.

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