Um novo olhar sobre a hipótese de afastamento do empregado por motivo de gala, em casos de união estável homo ou heteroafetiva.

Aplicação do inciso II do artigo 473 da CLT

11/08/2014 às 16:27
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O presente artigo tem como finalidade expor a possibilidade jurídica existente na concessão de licença gala para casais que convivem em união estável, homossexual ou heterossexual.

RESUMO
 

O presente artigo tem como finalidade, expor a possibilidade jurídica existente na concessão de licença gala para casais que convivem em união estável, homossexual ou heterossexual, com base em jurisprudências e em exemplos citados em notas de rodapé. Retratando a influência da moral sobre o direito e a consequente evolução do pensamento jurídico, com demonstração de doutrina, jurisprudência e da tentativa de mudança da redação do inciso II do art. 473 da CLT (PL 7.754/2010). A necessidade de contrato escrito para fins de segurança jurídica na concessão da licença para os casais que a requererem.

PALAVRAS-CHAVE

União Estável. Contrato escrito. Licença gala.

ABSTRACT

This article aims to expose the existing legal possibility in licensing gala for couples who live in stable, homosexual or heterosexual, based on case law and examples cited in footnotes. Portraying the influence of morality on the law and the consequent evolution of legal thought, with demonstration of doctrine, case law and attempt to change the wording of item II of art. 473 of the Labor Code (PL 7.754/2010). The need for a written contract for the purposes of legal certainty in the grant of the license for couples that desire.

KEYWORD
 

Stable Union. Written contract. Gala License.

1. INTRODUÇÃO

Com fundamento na dinamização das relações sociais e nos efeitos que tal dinamismo produz na legislação, o presente artigo possui como foco central o permissivo hermenêutico em se conceder àquelas pessoas que, unidas pura e simplesmente por vínculo afetivo, independentemente do sexo, solicitam aos seus empregadores o afastamento, sem prejuízo do salário, por três dias, da prestação do serviço para gozo de gala, que, nos moldes atuais, somente estão, em tese, assegurados para as pessoas casadas[2].

Desde a promulgação da Constituição da República de 1988[3], a união estável passou a ser reconhecida como entidade familiar, paralelamente ao casamento, ou seja, o fato de determinada pessoa não possuir sociedade conjugal homologada sob o crivo dum juiz de paz, não é mais empecilho para o reconhecimento dessa união amorosa como entidade familiar.

Com o desenvolver e passar do tempo, as linhas de interpretação judicial[4] avançaram a outros níveis, ao ponto de, no que toca em especial ao direito das famílias, reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo também como fonte constituidora de seio familiar, na forma de união estável.

     Diante de tais fatos, chega-se à problemática acerca da possibilidade de concessão da licença de gala para àquelas pessoas que estejam sob o manto da união estável, homo ou heteroafetiva.

2. INFLUÊNCIA DA EVOLUÇÃO MORAL SOBRE O DIREITO

Como se sabe, as relações sociais possuem como característica inata a mutabilidade, isto significa que, com o passar dos tempos, os comportamentos, usos e costumes modificam-se de acordo com as tendenciais sociais.

Com isso, consequentemente, o Direito também se amolda à nova realidade a que está inserido. Funcionando, por assim dizer, como verdadeira fotografia social, captando e regrando o momento da sociedade, ao tempo em que, permite, também, o seu regular desenvolvimento.

Tal fenômeno não passa desapercebido pelos estudiosos do direito, como se pode perceber nas palavras do preclaro Profº. PAULO NADER, que assevera que dentre outras finalidades do direito uma delas se destaca que é a de favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas e os grupos sociais, que é umas das bases do progresso da sociedade (Nader, 2010, p. 27).

Nesta mesma linha de pensamento e em atenção ao direito do trabalho, o renomado Profº. MAURÍCIO GODINHO DELGADO leciona que o ramo trabalhista do direito possui como elementos caracterizadores o fato de ser progressista e modernizante, sempre tendente a propiciar a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica (Delgado, 2012, p. 61). Tal elemento caracterizador suscitado, nas palavras da Profª. ALICE MONTEIRO DE BARROS, é chamado de tendência à ampliação crescente (Barros, 2013, p. 74), ou seja, sempre aberto às inovações da sociedade.

Tal lição possui inteiro fundamento na relação de proximidade que existe entre o direito e a moral social, nunca divorciados um do outro.

E, mais uma vez, não são outras as palavras do Profº. PAULO NADER, quando assevera que Direito e Moral são instrumentos de controle social que não se excluem, antes, se completam e mutuamente se influenciam (Nader, 2010, p. 35).

     Portanto, chega-se à ilação de que quando os fatos sociais possuem costumeira prática, consubstanciam valores que, agregados, formam a moral vigente, passíveis de se transmudarem em norma jurídica, o que equivale a dizer que, quando não há um fato valorado moralmente, não há um porquê de se criar uma norma que regulamente tal fato. Sendo assim, um fato social presente, é um fato que merece regulamentação do direito.

Percebe-se assim que a moral possui grande relevância para o direito brasileiro, tanto o é, que a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) prescreve, no art. 17, que: As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

     São os comentários do ilustre Profº. SILVIO VENOSA:

[...] Não resta dúvida de que não podemos admitir negócio jurídico contrário à Moral. Sabe-se que a Moral é mais ampla que o Direito. Como é difusa, sua conceituação apenas toscamente pode ser dada como noção teórica. Em princípio, nos anos passados, contrariava Moral um contrato de convivência conjugal entre companheiros [...]; Temos em todo o caso de levar em conta a moral predominante no espaço e no tempo (Venosa, 2005, p. 408).

Dessa forma, fica claro que a relação existente entre esses dois instrumentos de controle social é deveras próxima. Prova disso foi com o que ocorreu, e.g., com a união inoficiosa de amantes.

O legislador atento a crescente de tal circunstância, tratou de conceder a tal fato previsibilidade em norma, que no Brasil angariou status constitucional. Como se verá adiante.

3. DO CONCUBINATO PARA A UNIÃO ESTÁVEL HOMO OU HETEROAFETIVA E RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE FAMILIAR;

Dentre as práticas mais comuns dos costumes brasileiros a, atualmente denominada, União Estável merece destaque. Isto porque, nem sempre foi encarada da forma como se conhece hoje.

Tal fenômeno social, anteriormente denominado de concubinato, entendia-se simplesmente como sendo “o fato de haver uma vida prolongada em comum, sob o mesmo teto, com aparência de casamento” (Gonçalves, 2007).

Nas palavras de ERRAZURIZ,

a expressão concubinato, que em linguagem corrente é sinônimo de união livre, à margem da lei e da moral, tem no campo jurídico mais amplo conteúdo. Para os efeitos legais, não apenas são concubinos os que mantêm vida marital sem serem casados, senão também os que contraíram matrimônio não reconhecido legalmente, por mais respeitável que seja perante a consciência dos contraentes, como sucede com o casamento religioso (apud GONÇALVES, 2008, p. 539/540)[5].

O grande passo que foi dado ao reconhecimento oficial dessa situação de fato foi efetivamente o tratamento dispensado pela Constituição da República de 1988 que, no §3º do art. 226, preceitua: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

E em linguagem infraconstitucional, contudo, não menos importante, são os dizeres do Código Civil de 2002, em seu art. 1.723, que predispõe: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

A leitura desatenta ou leiga dos dispositivos acima mencionados pode levar à interpretações anacrônicas de todos os níveis, posto haver nas redações o designativo “homem e mulher”, levando à falsa percepção de dogmatismo absoluto da letra legal. Contudo, uma leitura atenta ao espírito das leis e, sobremaneiramente, ao da Constituição da República revela não passar de mero apego às antigas tradições.

Registrando perfeitamente essa nova visão de mundo, o Supremo Tribunal Federal – STF, em julgamento de relatoria do Min. CELSO DE MELO, cravou:

UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO - ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR [...] (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL [...]. O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA [...]: DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL [...]. DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º, XLI) [...]. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. - Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual. RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) – [...] A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV) [...] A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional [...]. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. [...]. Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana [...][6]

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Sendo assim, com o reconhecimento oficial da união estável homo ou heteroafetiva, os amantes passaram a possuir, desde então, direitos e deveres na ótica do direito das famílias, e por que não no direito do trabalho, em especial na concessão da licença gala?

4. MOTIVOS FUNDANTES À CONCESSÃO DE GALA À UNIÃO ESTÁVEL HOMO OU HETEROAFETIVA;

Prevista no inciso II art. 473[7] consolidado, a licença por motivo de gala consiste, em terminologia jurídica, na interrupção do contrato de trabalho, por três dias, em função das núpcias, ou seja, haverá a paralisação temporária da obrigatoriedade de se prestar o serviço, sem prejuízo da remuneração mensal.

Como já se sabe, a união estável é uma entidade familiar dotada de direitos e deveres na órbita civil e de afeto recíproco entre os companheiros, independentemente do gênero, tal qual o casamento.

Vale repisar, a Constituição da República, a lei das leis, ao tratar da ordem social, quando das famílias, no §3º do art. 226, alçou a nível constitucional, a união estável. Nessa mesma influência vertiginosa da moral social, o Código Civil de 2002 (lei 10.406/02), no livro das famílias, em título próprio, conferiu tratamento adequado ao tema.

Nesta mesma entoada, interpretando e aplicando, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe – TJ/SE, em julgamento de relatoria do Des. CEZÁRIO SIQUEIRA NETO, conferiu manto de possibilidade jurídica, inclusive, para fins de concessão de benefício previdenciário a companheiro(a) homoafetivo, na seguinte assentada:

APELAÇÃO CÍVEL - PREVIDENCIÁRIO - AÇÃO DE HABILITAÇÃO PARA PERCEPÇÃO DE PENSÃO POR MORTE - UNIÃO HOMOAFETIVA - RECONHECIMENTO JUDICIAL DA EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL POR 29 (VINTE E NOVE) ANOS - ART. 226, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - ANALOGIA - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - MANUTENÇÃO DA DECISÃO.
1. Ao Judiciário compete o preenchimento das lacunas da lei, adequando-a à realidade social, descabendo, na concessão de pensão por morte a companheiro ou companheira homossexual, qualquer discriminação em virtude de opção sexual do indivíduo, sob pena de violação ao caput, do art. 5º, da Constituição Federal.
2. - Provada a existência de união homoafetiva entre a autora e a ex-segurada, tendo em vista relacionamento amoroso e a longa convivência comum e o caráter familiar externado, inclusive com reconhecimento judicial que estendeu todos os efeitos jurídicos e legais à relação, é de se reconhecer à companheira sobrevivente o direito de receber o benefício previdenciário de pensão por morte.
3. - Recurso conhecido e improvido[8].

Em perfeita sintonia, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJ/RS, em julgamento de relatoria do Des. EDUARDO KRAEMER:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. IPERGS. PENSÃO. HABILITAÇÃO DE DEPENDNETE. [...]. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. A companheira de segurada falecida tem direito à pensão. Inteligência do julgamento de procedência da ADI 4277 e da ADPF 132 pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de dar interpretação conforme à constituição ao art. 1.723 do Código Civil, reconhecendo a proteção jurídica da união estável entre pessoas do mesmo sexo, observadas as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva. PROVA DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITO DA LEI MUNICIPAL N.º 3.594/2005 INCOMPATÍVEL COM O ART. 226, §3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A exigência de prova da dependência econômica esbarra no reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar. Inteligência do art. 226, parágrafo 3º da Constituição Federal. Diante desse panorama constitucional, não há como prevalecer a diferenciação de tratamento entre cônjuges e companheiros conferida pela Lei Municipal nº 3.594/2005 que se refere à exigência de prova da dependência econômica, que deve ser presumida em relação a ambos. APELAÇÃO DESPROVIDA. UNÂNIME[9]
 

Em apertada síntese, mas de forma brilhante, por voto de relatoria da Minª. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, ensina o Superior Tribunal de Justiça – STJ que:

Nas ações de reconhecimento de união estável, o objetivo é alcançar a declaração judicial da existência de uma sociedade afetiva de fato, e essa pretensão encontra amparo no ordenamento jurídico, ainda que seja de cunho meramente declaratório[10].

Sensível a tais alterações de pensamento social e jurídico, o ex-senador EXPEDITO JÚNIOR, na tentativa de alterar a redação do inciso II do art. 427, para dilatar o período de interrupção de 3 para 5 dias, e a inclusão de parágrafo único, para estender tal direito à união estável, em Projeto de Lei 7.754/2010, posteriormente rejeitado, descreveu, quando da exposição de motivos do projeto, que:

Não se admite, no Direito contemporâneo brasileiro, em razão do advento da Carta de 1988, o desprezo pelos direitos fundamentais em todo o nosso sistema jurídico, tendo sido transformado, o clássico modelo de família, patrimonializado, patriarcal e hierarquizada, sido ultrapassado por uma visão eudemonística, centrada na pessoa, não tendo o texto constitucional encerrado uma previsão de númerus clausus, no tocante aos entes familiares, matizando-os por uma igualdade substancial, deslocando o perfil da família à Constituição, a permitir o direito de também não se casar, ou seja, aceitando outras formas de comunidades familiares, a compreender a tutela da família como um sistema de reconhecimento de direitos, indo ao encontro do Estado Democrático de Direito...

E prosseguiu:

A família, pós-1988, é caracterizada, pelo viés afetivo, o amor, com pilar de sustentação do casamento, a paridade entre os cônjuges, a igualdade entre os filhos de qualquer natureza, reconhecimento e proteção do concubinato, facilidade na obtenção do divórcio, atuação mais intensa do Estado sobre a família.

Para ao fim concluir que:

A lógica solidarista, personalista, decorre da aplicação direta dos princípios constitucionais, dada a supremacia da Lei, em nosso Ordenamento...

Portanto, a família não é mais constituída apenas pelo casamento, mas também pela união estável que, repise-se, pode ser inclusive por pessoas de mesmo sexo, conforme interpretação do guardião mor da lei das leis, o STF, no início mencionado.

Contudo, ainda assim, podem existir aqueles que defendam a manutenção do status quo, persistindo na estagnação das relações social e do trabalho, com base numa possível teleologia que se possa fazer de licença que é, aparentemente, a prática da “lua de mel”, que o casal, geralmente, faz após o ritual casamenteiro; ou, no fato de que a união se deu por pessoas do mesmo sexo[11].

Diz-se geralmente, pois, nem sempre um dado casal utiliza os três dias de folga com a “lua de mel”. Afinal, é conferida total liberdade para o beneficiário da licença de utiliza-la da forma como lhe bem entender, já que a forma como se dará o gozo da licença é de interesse única e exclusivamente do casal, não podendo a sua concessão estar umbilicalmente condicionada à prática da “lua de mel”.

Dessa forma, percebe-se que, premissas favoráveis não faltam à concessão da referida licença gala para casais, hetero ou homoafetivos, viventes sob o regime da união estável.

Além do mais, tal concessão está em total sintonia com o princípio da proteção; da norma mais favorável; da condição mais benéfica; da boa-fé e da razoabilidade que, nas palavras da Profª. ALINE MONTEIRO DE BARROS, consistem nas linhas diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas trabalhistas e configuram a regulamentação das relações de trabalho (Barros, 2013, p. 141).

5. DA NECESSIDADE DO CONTRATO ESCRITO DE UNIÃO ESTÁVEL PARA CONCESSÃO DA LICENÇA GALA POR IMPERATIVOS DE SEGURANÇA JURÍDICA;

Consistente na manifestação de vontade dos sujeitos de direitos, o contrato permeia as relações humanas desde a muito tempo, variando apenas no que toca a sua forma.

Atualmente, muito comum, entretanto, menos confiável, é a forma oral do contrato, em função de sua praticidade e celeridade. Contudo, não é a que melhor atende aos imperativos da segurança jurídica.

A forma escrita do contrato, por transparecer maior confiabilidade, mostra-se como preferência daqueles que vivenciam os atos da vida civil, já que se presta a registrar o conteúdo, a extensão, o termo inicial e final do contrato.

Lecionando acerca da segurança jurídica nos tratos civis, são as palavras do mestre e Profº. PAULO NADER que assevera que:

A justiça é o valor supremo do Direito e corresponde também à maior virtude do homem. Para que ela não seja apenas uma ideia e um ideal, necessita de certas condições básicas, como a da organização social mediante normas e do respeito a certos princípios fundamentais; em síntese, a justiça depende da segurança para produzir os seus efeitos na vida social. Por este motivo se diz que a segurança é um valor fundante e a justiça é um valor fundado (Nader, 2010, p. 118).

E conclui sua explanação:

No plano jurídico a segurança corresponde a uma primeira necessidade, a mais urgente, porque diz respeito à ordem. Como se poderá chegar à justiça se não houver, primeiramente, um Estado organizado, uma ordem jurídica definida? (Nader, 2010, p. 121)

Nesse sentido é que, da mesma forma em que se dá no casamento, onde há a produção duma certidão, há a necessidade de se registrar a ocorrência da união de fato num documento que transborde a boa-fé e, especialmente, a segurança de que a afirmativa do empregado é verdadeira e merecedora de fé por parte do empregador.

Tal circunstância possui fundamento no fato de que a União Estável, em essência, é uma relação ou sociedade de fato. Não havendo qualquer certidão estatal que confira fé a tal circunstância.

Para tanto, imperioso se faz que os companheiros celebrem o contrato de união estável, preferencialmente com o crivo do tabelionato de notas, por ser demasiadamente dificultoso para o empregador conceder tal licença com base em puras afirmativas do empregado, que nada possui para demonstrar a veracidade da afirmação.

Nesse mesmo sentido, são as palavras do orientador, profº e drº. AILTON BORGES DE SOUZA, que, em consultoria acerca do assunto, oficiou que o “registro público é importante mas não obrigatório, no entanto já demonstra de certa forma que existe de fato o interesse pela publicidade, estabilidade e intenção de constituir família”.

Dessa forma, empresas e órgão públicos, abraçando os novos costumes, vem acolhendo as solicitações de empregados que, após a transcrição dos contratos[12] de união estável, hetero ou homoafetivo, requerem o gozo da referida licença.

Como, v.g., a Câmara dos Vereadores de Santos/SP[13]; a Secretaria de Estado da Administração de Santa Catarina[14]; e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ[15], que concederam aos seus servidores o gozo da referida licença nos moldes aqui apresentados.

6. CONCLUSÃO.

Com a nova Constituição da República de 1988, a união estável deixou de ser uma sociedade conjugal inoficiosa para angariar mantos de reconhecimento familiar.

Com o desenvolver de tais relações, muito embora, aparentemente, privativas de casais heteroafetivos, a hermenêutica e interpretação do STF, sobretudo na ADI nº 4277 e na ADPF nº 132, com amparo no direito à busca da felicidade, conferiu ares de família também às uniões homoafetivas.

Dessa forma, a família não mais se constitui apenas com o casamento, mas também com a união estável, que pode ser formada por pessoas de mesmo sexo ou de sexo diferente.

Tal reconhecimento oficial, produz, consequentemente, efeitos jurídicos, afora no direito das famílias, no direito previdenciário e, em especial, no do trabalho, entre outros.

Tais conclusões, levam-nos à ilação de que a redação do inciso II do art. 473 resta-se por desatualizada, levando a inúmeros constrangimentos às pessoas que, inseridas nessa situação em particular, muitas vezes, tem que recorrer às vias judicias para obterem o direito à licença de gala, o que fere de morte a dignidade do casal enquanto família, já que o que interessa é “... o reconhecimento do afeto como valor jurídico ...”[16].

Portanto, para fins de concessão da referida licença, por critérios de razoabilidade e segurança jurídica, é essencial que o solicitante possua contrato escrito de união estável, não sendo imperioso que haja assento em registro público, mas que, sob a óptica da boa-fé, se mostra bastante convidativo tal assento.

7. BIBLIOGRAFIA.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 32ª ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2010;

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005;

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.  Vol. VII. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008;

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume VI: direito de família – 3ª ed.– São Paulo: Saraiva, 2007.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. Ed. São Paulo: LTr, 2012.

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 9ª.ed. São Paulo: LTr, 2013.

Genilson Coutinho. Gay diz que teve ‘licença-gala’ negada e processa o empregador. 14/04/2012. Disponível em: http://www.doistercos.com.br/gay-diz-que-teve-licenca-gala-negada-e-processa-o-empregador/.

Estado da Santa Catarina, Secretaria de Estado da Administração, Diretoria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, Gerências de Acompanhamento e Normatização da Gestão de Pessoas. Procedimentos Administrativos e Computacionais Licença Nupcias, 2011, pg. 1;

Câmara de Santos/SP. Telma propõe licença "gala" para união estável. 24/05/2010. Disponível em: http://www.camarasantos.sp.gov.br/publico/noticia.php?codigo=2422HYPERLINK%22http://www.camarasantos.sp.gov.br/publico/noticia.php?codigo=2422&cod_menu=2422%22&HYPERLINK%22http://www.camarasantos.sp.gov.br/publico/noticia.php?codigo=2422&cod_menu=2422%22cod_menu=2422

Reitor da UERJ autoriza, plea primeira vez, licença-gala em virtude de união homoafetiva. 20/07/2011. Disponível em: http://diversidaderio.blogspot.com.br/2011/07/reitor-da-uerj-autoriza-pela-primeira.html.


[2]                                             Art. 473 - O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário: [...] II - até 3 (três) dias consecutivos, em virtude de casamento;

[3]                                             Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

[4]                                                                                                                                            Cf. julgamento do STF em ADI nº 4277 e ADPF nº 132.

[5]                             GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.  Vol. VII. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

[6]                                             (RE 477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287 RTJ VOL-00220- PP-00572)

[7]                                             Art. 473 - O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário: [...] II - até 3 (três) dias consecutivos, em virtude de casamento; (Inciso incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

[8]                                             (APELAÇÃO CÍVEL Nº 4020/2010, 12ª VARA CÍVEL, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, DES. CEZÁRIO SIQUEIRA NETO, RELATOR, Julgado em 03/05/2011).

[9]                                             (Apelação Cível Nº 70052215563, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 13/06/2013).

[10]                                           (REsp 1353039/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe 18/11/2013).

[11]                                           Cf. em “Gay diz que teve ‘licença-gala’ negada e processa empregador” no sítio: http://www.doistercos.com.br/gay-diz-que-teve-licenca-gala-negada-e-processa-o-empregador/

[12]                                           Lei nº 6.015/73 – Registros Públicos. Art. 127. No Registro de Títulos e Documentos será feita a transcrição: I - dos instrumentos particulares, para a prova das obrigações convencionais de qualquer valor;

[13]                                           Cf.:http://www.camarasantos.sp.gov.br/publico/noticia.php?codigo=2422HYPERLINK"http://www.camarasantos.sp.gov.br/publico/noticia.php?codigo=2422&cod_menu=2422"&HYPERLINK"http://www.camarasantos.sp.gov.br/publico/noticia.php?codigo=2422&cod_menu=2422"cod_menu=2422.

[14]                                           Licença Núpcias de 09/05/2011 da Secretaria de Estado da Administração de Santa Catarina, documento via web.

[15]                                          Cf.:http://diversidaderio.blogspot.com.br/2011/07/reitor-da-uerj-autoriza-pela-rimeira.html.

[16]                                           (RE 477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287 RTJ VOL-00220- PP-00572)

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Sobre o autor
Teddy Arthur Monteiro Teran

Advogado e pós-graduando em direito previdenciário pela Universidade Tiradentes - Unit.

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