Prisão civil: Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica

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O presente artigo trata do tema prisão civil perante a ordem constitucional brasileira, a ser discutida com ênfase no artigo 5º da Constituição Federal, tratados internacionais dotadas de emendas, súmula do Supremo Tribunal Federal.

1.      Introdução

A jurista Maria Helena Diniz em sua obra conceitua prisão civil como:

“PRISÃO CIVIL. Direito constitucional, direito civil e direito processual civil. É decretada pela autoridade judicial para compelir, por meio de restrição da liberdade de locomoção, o devedor a cumprir obrigação alimentícia, e o depositário infiel a devolver o bem depositado, ressarcindo os danos oriundos de seu inadimplemento. O devedor de pensão alimentícia pode ser condenado até sessenta dias, e em se tratando de alimentos provisórios, pelo prazo de um a três meses de prisão, e o depositário infiel, por prazo não excedente a um ano[1] (grifo no original).

Hodiernamente este conceito encontra-se defasado, pois, o fato um indivíduo ser depositário infiel, em nada implica, já que o mesmo não pode ser preso por dívidas exceto por alimentos devidos.

Isso é o que empregasse com o Decreto nº 698/92, também conhecido como Pacto de São José da Costa Rica ou Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aqui adotada.

2.      O Pacto de São José da Costa Rica

Este pacto nada mais é que um tratado internacional[2], no qual a República Federativa do Brasil é signatária.

 

O objeto limitado a este estudo esta inserido no Artigo 7, item 7.

“Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados da autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.

Isso é o que a “lei” enuncia, não haverá prisão por dívida, ressalvado o caso de dívida alimentar.

3.      Alimentos devidos x depositário infiel

 

Primeiramente apontaremos conceituações sobre os seguintes itens: alimentos, depositário, depositário infiel e dívida ativa.

 

Alimentos (direito civil) 1. Todas as despesas ordinárias a que o alimentando faz jus. 2. Prestações, em dinheiro ou in natura, a serem pagas  para atender  às necessidades imprescindíveis à vida daquele que, por si, não as pode promover, compreendendo despesas com alimentação, habitação, vestuário, tratamento médico, diversões e, se a pessoa alimentada for menor de idade, ainda verbas para sua instrução e educação. Incluem também parcelas despendidas com sepultamento por parentes legalmente responsáveis pelos alimentos[3].

Depositário (direito civil). Pessoa física ou instituição que recebe bens ou valores para guarda-los, com diligência, e restituí-los, oportunamente, quando forem reclamados, sob pena de prisão por ato de infidelidade[4].

Depositário infiel (direito constitucional, direito civil e direito processual civil). Aquele que se nega a devolver, ante mandado judicial, coisa ou valor que lhe foi confiado, sujeitando-se, assim, à prisão não excedente à um ano e ao ressarcimento dos danos decorrentes do seu inadimplemento[5].

Dívida ativa. Prestação que o credor pode exigir do devedor; aquela cujo valor pode ser exigido pelo credor; trata-se do crédito[6].

 

4.      Recurso Extraordinário 466.343-1 São Paulo

EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. E ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo  Banco Bradesco S/A, contra acordão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que , no julgamento de apelação confirmou a sentença de procedência da ação de depósito, fundada em alienação fiduciária em garantia, deixando de impor cominação de prisão civil ao devedor fiduciante, em caso de descumprimento da obrigação de entrega do bem, tal como o postulara o autor fiduciário, por entende-la inconstitucional, como deixou expresso em embargos declaratórios. 

Nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXVII está transcrito abaixo:

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

Autoriza a prisão civil por dívida alimentícia, depositário infiel e inadimplemento voluntário, note-se que com o RE466.343-1 e demais recursos e habeas corpus a ele mencionados e a súmula vinculante nº 25, e outros precedentes sobre o mesmo tema. Ademais, frisa-se que o único caso em que pode ser decretada a prisão civil, é por obrigação alimentícia (pagamento de pensão alimentícia), os demais casos não ensejam a prisão civil.

Súmula Vinculante nº 25

É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

Ocorre que no § 2º do artigo 5º da Constituição, os direitos e garantias previstos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou a tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (é o que ocorre), com o referido Pacto de São José da Costa Rica ratificado pelo Estado, ainda vislumbramos o § 3º no qual menciona que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Como de fato ocorreu de acordo com o Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, na qual promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

E ainda o Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992, na qual promulga atos internacional, pactos internacionais sobre Direitos Civis e Políticos. Em seu artigo 11, no qual leciona:

“Ninguém poderá ser preso apenas por não cumprir com uma obrigação contratual”.

Nosso texto constitucional encontra-se defasado no inciso LXVII, já que o mesmo autoriza a prisão civil do depositário infiel, o que não mais ocorre, sua eficácia encontra-se prejudicada e também é tida como inconstitucional, já que os tratados internacionais ratificados pelo Governo brasileiro, aprovado nas “Casas” tem valor de Emenda Constitucional. 

5.      O Habeas Corpus 87.585-8

Com a devida vênia aos ministros do Supremo Tribunal Federal, passamos a elencar os “pontos” mais importantes no voto preferido pelo Ministro Celso de Mello.

Devido à discussão de suma importância que envolve o alcance e a precedência dos direitos fundamentais da pessoa humana, de um lado, a crescente internacionalização dos direitos humanos e, de outro, as relações entre o direito nacional (direito positivo interno do Brasil) e o direito internacional dos direitos humanos, em face do preceito inscrito no § 3º do artigo 5º da referida Carta Magna, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

No período das legis actiones’, a execução se processava normalmente contra a pessoa do devedor, através da ‘legis actio per manus injectionem’. Confessada a dívida, ou julgada a ação, cabia a execução trinta dias depois, sendo concedido êsse prazo a fim de o devedor poder pagar o débito. Se êste não fôsse solvido, o exequente lançava as mãos sôbre o devedor e o conduzia a juízo. Se o executado não satisfizesse o julgado e se ninguém comparecesse para afiançá-lo, o exequente o levava consigo, amarrando-o com uma corda, ou algemando-lhe os pés. A pessoa do devedor era adjudicada ao credor e reduzida a cárcere privado durante sessenta dias. Se o devedor não se mantivesse à sua custa, o credor lhe daria diàriamente algumas libras de pão. Durante a prisão era levado a três feiras sucessivas e aí apregoado o crédito. Se ninguém o solvesse, era aplicada ao devedor a pena capital, podendo o exequente matá-lo, ou vendê-lo ‘trans Tiberim’. Havendo pluralidade de credores, podia o executado na terceira feira ser retalhado; se fôsse cortado a mais ou a menos, isso não seria considerado fraude.

...................................................

O extremo rigor do primitivo processo civil romano não perdurou largo tempo. Fez-se logo sentir a necessidade de uma reforma. Em 428, ou 441, foi publicada a Lex Poetelia’: seu objetivo foi, por um lado, fortalecer a intervenção do juiz. Assim foi abolida a faculdade de matar o devedor insolvente, de vendê-lo como escravo, ou de detê-lo na cadeia, bem como proibido o uso da ‘manus injectio’ contra o devedor não ‘confessus’, nem ‘judicatus’. Tornava-se indispensável a intervenção do magistrado mesmo quando o devedor se tivesse obrigado pelas formas solenes do ‘nexum’.” (grifei)[7]

Após isto, frisa-se que nos tempos romanos os “maus-pagantes, devedores” eram presos, ficavam em poder do credor no qual, deveriam prestar serviços como forma de pagamento, eram levados a feiras nas quais poderiam ser “arrematados” ou adjudicados como forma de solver suas dívidas, ou até mesmo em caso negativo de adjudicação, poderiam ser mortos ou havendo pluralidade de devedores até mesmo ser retalhados como forma de quitar suas dívidas.

(...)

Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de “habeas corpus”, para invalidar a ordem judicial de prisão civil decretada contra o ora paciente”.

O Excelentíssimo Senhor Ministro deferiu o pedido de habeas corpus, com efeito para invalidar a ordem judicial de prisão civil decretada contra o ora paciente.

6.      Comparação da prisão civil por dívidas alimentícias e dívidas fiduciárias (ou depositário infiel).

Cumpre salientar que no primeiro caso seria uma forma de coerção, contra o ora (ir)responsável, afim de que a mesma (pessoa) cuide do filho, cônjuge ou pais. Pois no caso em questão em relação aos filhos, cumpre cuidar, prestar alimentos (nele estão inclusos, expensas com saúde, remédios, lazer, vestuário e mantimentos) ao alimentado, ainda não se pode esquecer do afeto que deve(ria) ser prestado, no caso do cônjuge pode ser ofertado caso haja concordância dos que (foram) casados, ou quando a mulher estiver grávida (alimentos gravídicos), e com os pais como uma espécie de “obrigação solidária”, pois quando foram menores, crianças foram cuidados pelos mesmo, e agora devem responsabilizar-se, uma espécie de gratidão.

Neste caso ainda deve ser mantida a prisão civil por dívidas de alimentos, mas como um instrumento de ordem “moral”, para que tenha responsabilidade, ou seja, responsabilizados pelos seus atos, aqui nada há de inconstitucional com relação à restrição da liberdade.

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Já em relação ao depositário infiel, a prisão embora fosse considerada um meio de coerção, afim de que a responsabilidade fosse atribuída ao devedor, hodiernamente, este recurso encontra-se prejudicado.

Como já acima mencionado não há cabimento, para que este instrumento seja aplicado, pois, (cremos) que há outros meios mais eficientes de coerção como a inscrição do mau-pagador ou devedor no cadastro nacional de inadimplentes, onde o mesmo, ficará restrito para qualquer atividade econômica. (Não há nada pior que ter o nome incluso neste cadastro, é o que pensamos).

 7. Conclusão

Com a devida vênia, fecho esta composição com um trecho da obra do mestre Agostinho Alvim, com uma lição que esperamos que seja cumprida fielmente, por tratar-se de algo que não deveria ser obrigatório, mas com a capacidade de entendimento, postura que o único ser racional que há até o presente momento na Terra: o “Ser Humano”.

O cumprimento da obrigação é a regra: o inadimplemento é a exceção. Vários são os motivos que levam o contraente a cumprir o que prometeu. Primeiramente, a simples ética: a voz da consciência, o hábito adquirido pelo homem. Nem todos têm, é verdade, uma consciência tão bem formada, de modo a cumprir todos os deveres, somente em satisfação a regras morais. Mas, quando esse motivo não fosse suficiente, haveria sempre o temor da reprovação pública. Este temor leva muitas pessoas a cumprir deveres morais, não porque ouçam a voz da consciência, nem porque sejam esses deveres providos de sanção, mas a fim de evitar a reprovação de seus pares. Todavia, quando nada disso bastasse, é certo que as obrigações, no sentido jurídico, isto é, as obrigações civis, são providas de sanção, qualquer que seja a sua fonte. Logo, o credor pode compelir o devedor a que cumpra a obrigação; e quando ele chegar a este extremo, a situação do devedor já estará agravada com os encargos da mora. Estes motivos todos fazem com que as pessoas, em regra, se desempenhem, espontaneamente, das obrigações que assumiram (grifo nosso).

8. Bibliografia

Dicionário jurídico universitário, Maria Helena Diniz, 1ª. ed. São Paulo, Saraiva, 2010.

Constituição Federal da República Federativa do Brasil – 1988.

Decreto nº   678,de 6 de novembro de 1992 (Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica – de 22 de novembro de 1969).

Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992 (Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação).

HC 87.585 / TO – STF. (Habeas Corpus – HC. 87.585 – Tocantins) Site do Supremo Tribunal Federal.

Alvim, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências.


[1] Dicionário jurídico universitário, Maria Helena Diniz, 1ª. ed. São Paulo, Saraiva, 2010.

[2] Direito internacional público. 1. Fonte de direito internacional público, juntamente com os costumes internacionais e os princípios gerais de direito. Equivalente a um contrato entre Estados signatários. Dentre os termos empregados como sinônimos de tratado e convenção, podem-se citar: pacto e carta, protocolo, declaração, compromisso, concordata (tratado diplomático), modus vivendi, nota reversal, acordo entre cavalheiros, acordo preliminar, entente e deliberação. 2. Acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, destinado a produzir efeitos jurídicos (Rezek), e se versar sobre direitos humanos, sendo aprovado em cada Casa no Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, será equivalente a emenda constitucional.

[3] Vide item 1.

[4] Vide item 1.

[5] Vide item 1.

[6] Vide item 1.

[7] (“Do Concurso de Credores no Processo de Execução”, p. 43/44, item n. 3, e p. 53, item n. 10, 1952, Saraiva); HC 87.585 / TO – STF. 

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Sobre o autor
Matheus Fagundes Matos Pereira de Gouvêa

Residente na cidade de Taubaté, no Estado de São Paulo. É graduando da Universidade de Taubaté (Unitau). Estagiou no Escritório de Assistência Judiciária (EAJ) pela Universidade de Taubaté, no Cartório do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Taubaté (Tribunal de Justiça de São Paulo). Estagiou nos anos de 2014/2016 no Ministério Público do Estado de São Paulo, 1ª Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Taubaté, Promotoria da Infância e Juventude. Atualmente é advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção São Paulo, sob n 390704.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Para referências cite: de Gouvêa, Matheus Fagundes Matos Pereira. Prisão civil: Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica. http://jus.com.br/artigos/30990/prisao-civil-constituicao-e-o-pacto-de-sao-jose-da-costa-rica Para mais informações sobre o artigo entre em contato pelo email: [email protected]

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