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O direito de resposta ou desagravo pós ab-rogação da norma penal especial

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Da resposta e da retificação

 O art. 14 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969), ratificado pelo Brasil em 6 de novembro de 1992 pelo Decreto n. 678, tratou do “Direito de Resposta ou Ratificação” nestes termos:

 1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei. 2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido. 3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial.

“A produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público”, assevera o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (art. 2.º, II), sendo deveres do jornalista, dentre outros, “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão” (art. 6.º, VIII), “defender o direito de resposta às pessoas ou organizações envolvidas ou mencionadas em matérias de sua autoria ou por cuja publicação foi o responsável” e “promover a retificação das informações que se revelem falsas ou inexatas” (art. 12, VI)[24].

Editada por Castelo Branco, no apagar das luzes de seu mandato (encerrado em 15 de março de 1967)[25], a Lei de Imprensa assegurava tanto o direito de retificação (em caso de informação falsa) quanto o direito de réplica (consistente em rebater informação de caráter ofensivo, ainda que verídica):

Toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou errôneo, tem direito a resposta ou retificação.[26]

Enéas Costa Garcia entende que no desagravo da Lei de Imprensa o legislador “parece reconhecer apenas o direito de retificação, apesar de mencionar simultaneamente ‘retificação’ e ‘resposta’” e cita jurisprudência segundo a qual “ausente inexatidão na notícia não há lugar para direito de resposta, especialmente se o fato noticiado é verdadeiro (JUTACRIM 80/542, 56/371, RT 686/350)” (GARCIA, 2002, p. 510).

Conquanto a expressão “resposta ou retificação” pudesse, ainda, significar que o legislador tomasse os termos por sinônimos, a segunda parte (“toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública [...] a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou errôneo”) se refere ao direito de retificação, enquanto a primeira (“toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido [...] em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão”) se refere ao direito de resposta.

O direito de resposta, lato sensu, apresenta assim duas vertentes: no primeiro sentido, ele quer dizer direito de o respondente apresentar a sua versão correcta dos factos ocorridos ou imputados (direito de rectificação); no segundo sentido, ele significa o direito de ripostar acusações, opiniões ou juízos de valor (direito de réplica ou de resposta stricto sensu) (MOREIRA, apud GARCIA, 1994, p. 13).

Em seu Dicionário jurídico, a eminente Maria Helena Diniz conceitua o direito de resposta como “o concedido àquele contra quem foi publicado algo inverídico (...) de dar, no mesmo veículo e gratuitamente, a resposta devida, retificando a informação, rebatendo as críticas ou falsas notícias” (DINIZ, 1998, p. 158).

Essa definição, todavia, aplicar-se-ia melhor ao direito de retificação, o qual se fundamenta no princípio da veracidade. Para o direito de resposta lato sensu, que compreende o direito de réplica e o de retificação (direito de resposta stricto sensu), mais adequada é a definição de Houaiss, que afirma ser o “direito que tem o ofendido de dar resposta à ofensa recebida, usando o mesmo veículo (jornal, rádio, televisão etc.) e as mesmas condições (espaço ou tempo) de que se serviu o ofensor”[27].

Para maior clareza, evitar-se-á a homonímia optando-se por denominar a resposta em sentido amplo de “desagravo”, o qual se subdivide em resposta (ou réplica) e retificação.


Do direito fundamental à liberdade de opinião

Conforme o mencionado art. 29, caput, o desagravo restringe-se a publicações de caráter ofensivo, o que é reforçado pelo inciso V do art. 34, segundo o qual será negada a resposta ou a retificação “quando tiver por objeto crítica literária, teatral, artística, científica ou desportiva, salvo se esta contiver calúnia, difamação ou injúria”.

Ainda que a crítica jornalística atente contra a honra do ofendido, a réplica poderá ser negada se o texto-resposta incorrer no mesmo vício, contendo expressões ofensivas ao veículo de comunicação[28], a seus proprietários e diretores, ao autor ou a terceiros, “em condições que criem para estes igual direito de resposta” (art. 34, II e IV).

Não constitui ofensa ao responsável pela publicação, entretanto, o desagravo “no mesmo tom vigoroso do ataque” e que “guarda relação com os fatos referidos na publicação”, de modo “que os termos [assacados] por ambas as partes, reciprocamente, tidos como ofensivos, se dosimetrados, resultam equipolentes” (TJPA, Cams. Crims. Reunidas, QC n. 33.477, j. em 23.3.1998, rel. Des. Benedito de Miranda Alvarenga, v.u., RT 761/671-674) (Apud DAVID, 2001, pp. 351-352).

Essa mitigação ao art. 34 viabilizou aquele que é o marco do desagravo no Brasil: o duro contra-ataque veiculado no Jornal Nacional de 15 de março de 1994, assinado pelo então governador Leonel de Moura Brizola, que as organizações Globo Comunicação e Participações S.A. teriam declinado como senil no diário O Globo e no Jornal Nacional, carros-chefes do departamento de jornalismo da casa.

Tudo na Globo é tendencioso e manipulado. (...) Quando ela diz que denuncia os maus administradores deveria dizer, sim, que ataca e tenta desmoralizar os homens públicos que não se vergam diante do seu poder. (...) Quando me insulta por nossas relações de cooperação administrativa com o governo federal, (...) só vê nisso bajulação e servilismo. É compreensível: quem sempre viveu de concessões e favores do Poder Público não é capaz de ver nos outros senão os vícios que carrega em si mesma.[29]

A proporcionalidade à ofensa é, ademais, garantida pela Constituição de 1988[30], uma inovação em relação à Constituição anterior, que previa tão-somente o “Direito de resposta”[31].


Da natureza jurídica

Também eram hipóteses de indeferimento do desagravo previsto na Lei de Imprensa a propositura de ação criminal ou de indenização (“Extingue-se ainda o direito de resposta com o exercício de ação penal ou civil contra o jornal, periódico, emissora ou agência de notícias, com fundamento na publicação ou transmissão incriminada”) e se decorrido o lapso de sessenta dias (“A resposta, ou retificação, deve ser formulada por escrito, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da data da publicação ou transmissão, sob pena de decadência do direito”) [32].

Assim, mesmo o direito de retificação não se justifica se, embora falsa, a informação não tiver ânimo ofensivo (dolo), haja vista que o desagravo da lei especial tem natureza de sanção criminal:

Se o pedido de resposta ou retificação não for atendido nos prazos referidos no art. 31, o ofendido poderá reclamar judicialmente a sua publicação ou transmissão. § 1.º Para esse fim, apresentará um exemplar do escrito incriminado, se for o caso, ou descreverá a transmissão incriminada, bem como o texto da resposta ou retificação, em duas vias datilografadas, requerendo AO JUIZ CRIMINAL que ordene ao responsável pelo meio de informação e divulgação a publicação ou transmissão nos prazos do art. 31. (art. 32, § 1.º, sem grifo na fonte)

Logo após a edição da Lei de Imprensa, foram revogados pelo Decreto-Lei n.º 236, de 28 de fevereiro de 1967, os artigos da Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Comunicações), que regulamentavam o direito de resposta, de natureza eminentemente cível:

Art. 89. É assegurado o direito de resposta a quem fôr ofendido pela radiodifusão. Art. 90. O direito de resposta consiste na transmissão da resposta escrita do ofendido, dentro de 24 (vinte e quatro) horas do seu recebimento, no mesmo horário, programa e pela mesma emissora em que se deu a ofensa. [...] Art. 95. Será negada a transmissão da resposta: a) quando não tiver relação com os fatos referidos na transmissão incriminada; b) quando contiver expressões caluniosas, injuriosas ou difamatórias contra a concessionária ou permissionária; c) quando se tratar de atos ou publicações oficiais; d) quando se referir a terceiros, podendo dar-lhes também o direito de resposta; e) quando houver decorrido o prazo de mais de 30 (trinta) dias entre a transmissão, incriminada e o respectivo pedido de resposta. Art. 96. A transmissão da resposta, salvo quando espontânea, não impedirá o ofendido de promover a punição pelas ofensas de que foi vítima.[33]

Com o provimento da ADPF 130/08, e a declaração de inaplicabilidade da lei especial, a natureza jurídica da ação de desagravo passa a ser de competência exclusivamente do juízo cível, cabível contra os ilícitos que o constituinte de 1988 chama, genericamente, “agravos”.

Dada a impossibilidade de modulação de efeitos de decisões de não-recepção, consoante precedentes do STF, a Lei de Imprensa deve ser considerada inválida desde a promulgação da CF/88. - O direito constitucional de resposta, antes previsto na Lei de Imprensa, continua passível de proteção jurídica, contudo não mais nos termos em que era previsto na lei não-recepcionada. Para amparar tal direito, os Tribunais deverão se valer da regra da analogia, invocando o art. 14 do Pacto de San José da Costa Rica e o art. 58 da Lei 9.504/97. RECURSO ESPECIAL N.º 885.248 - MG (2006/0184797-8) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI.[34]

Nos termos do Código Civil brasileiro, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência [culpa], violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (art. 186). “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (art. 927).

“Há tendência na jurisprudência de se alargar o conceito de culpa para possibilitar maior âmbito na reparação dos danos. Criou-se a noção de culpa presumida, alegando-se que existe dever genérico de não prejudicar.”

Passou-se a entender ser a ideia de culpa insuficiente, por deixar muitas situações de dano sem reparação. [...] É no campo da teoria objetiva que se coloca a teoria do risco, pela qual cada um deve suportar os riscos da atividade a que se dedica, devendo indenizar quando causar dano. O presente Código [Código Civil de 2002] inova arriscadamente nessa área. De fato, o parágrafo único do art. 927, que estabelece a obrigação geral de reparar o dano por conduta decorrente de ato ilícito, dispõe: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (VENOSA, 2004. pp. 614-615).

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O risco de dano moral e à imagem é inerente à atividade jornalística, podendo a violação advir até de ato lícito, como o exercício regular de um direito – quando o interesse público se sobrepõe ao particular –, podendo, mesmo assim, haver obrigação de reparação se, no caso concreto, o titular do direito atingido não tiver concorrido para a veiculação da matéria que deu causa à violação (expondo-se intencionalmente, por exemplo)[35].

O exercício regular de um direito (art. 188, I, do Código Civil) é ato lícito tanto quanto o estado de necessidade (idem, inciso II), sendo que este “consiste na situação de agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior àquele que se pretende proteger” (GAGLIANO, 2006, p. 499).

É o caso do sujeito que desvia o carro de um bebê, para não atropelá-lo, e atinge o muro da casa, causando danos materiais. [...] Se o terceiro atingido não for o causador da situação de perigo, poderá exigir indenização do agente que houvera atuado em estado de necessidade. [...] Excepcionalmente, portanto, a responsabilidade civil poderá decorrer de um comportamento humano admitido pelo direito (id. pp. 450-451).

Mutatis mutandis, se, em nome do interesse público, o órgão de comunicação social revela o nome da fonte que solicitou sigilo, ou publica foto de pessoa presa em flagrante de crime de ação penal pública incondicionada, estas, caso se sintam prejudicadas com a divulgação, poderão requerer indenização, mesmo tendo a empresa jornalística exercido regularmente o dever-direito de informar.

No sistema francês a regra é mais ampla, assistindo o droit de réponse a todos que sejam mencionados na imprensa, “independentemente de se tratar de afirmações de facto ou de juízos de valor e abstraindo da circunstância de a referência ser ou não lesiva de qualquer direito ou interesse legítimo da pessoa visada” (MOREIRA, op. cit., p. 26).

Logo, a simples menção à pessoa, pejorativamente ou não, daria causa ao exercício desse direito.

O direito de resposta encontra sua base – ao menos para a imprensa escrita – não na necessidade de uma resposta a um ataque, mas simplesmente na possibilidade, para uma pessoa citada ou designada, de fazer conhecer suas explicações ou seus protestos a respeito das circunstâncias e mesmo das condições que provocaram a sua menção. O fato gerador do direito reside nesta simples colocação em causa do autor da resposta, por citação ou designação, independentemente de outra circunstância, o que hoje é interpretado como expressão de um direito absoluto e discricionário. (MAYAUD, Yves. L’abus de droit en matière de droit de réponse, p. 5, apud GARCIA, Ob. cit., p. 513).

Atualmente, de acordo com Enéas Costa Garcia (citando Jean-Paul Levy), a jurisprudência mitiga a incidência do art. 13 da Lei francesa (de 29 de julho de 1881) que versa sobre a liberdade de imprensa, aplicando-a somente “àquelas hipóteses onde se busca proteger a personalidade da pessoa citada”. “Por força do art. 10-2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, qualquer ingerência na liberdade de imprensa deve ser justificada com o objetivo de proteger a reputação de outrem” (GARCIA, op. cit., p. 514).

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Sobre o autor
Manoel de Jesus Pereira Almeida

Advogado, pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil. [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Manoel Jesus Pereira. O direito de resposta ou desagravo pós ab-rogação da norma penal especial . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4278, 19 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31448. Acesso em: 3 mai. 2024.

Mais informações

Publicado originalmente em: JURISVOX: Revista da Faculdade de Direito de Patos de Minas / Centro Universitário de Patos de Minas. -- Ano 12, n. 12 (dez. 2012). -- Patos de Minas: UNIPAM, 2012. pp. 169-188.

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