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Uma análise notarial do contrato de doação

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18/09/2014 às 08:23
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A DOAÇÃO AO CASAL

 “Art. 551 – Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo Único – Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na  totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.”

Esse artigo repete ipsis litteris o art. 1.178, do antigo Código Civil.

E, pasmem, há 50 anos, Agostinho Alvim, no seu Livro DA DOAÇÃO, comentando o art. 1.178, do antigo Código Civil, que trata da doação para o casal, já dizia que esse artigo havia sido esquecido pela maioria daqueles operadores do direito.

Enfim, 50 anos depois, Maria Helena Diniz, comentando o art. 551, parágrafo único, que trata do mesmo assunto, do atual Código Civil, repete o mesmo comentário do ilustre mestre Agostinho Alvim.

Apesar de estar expresso no art. 1.178, do antigo Código Civil, e repetido agora no atual, no seu art. 551, parágrafo único, esse artigo é muito pouco conhecido pela maioria de nós.

Ele trata do direito de acrescer.  Ou seja, falecendo qualquer dos cônjuges, a parte ideal do bem que a ele pertencia passa automaticamente a integrar o patrimônio do cônjuge sobrevivente.

No caso de falecimento de um dos cônjuges, não há a necessidade de se levar a inventário tal bem, para que se consolide a propriedade apenas na pessoa do cônjuge sobrevivente.  É um dispositivo de enorme praticidade, pois o bem adquirido pela doação não precisa, nem deve ser levado a inventário.

A averbação é o meio de que dispõe o RGI para fazer valer o preceito contido no art. 551, parágrafo único, do Código Civil.

Bastará o cônjuge sobrevivente requerer a averbação, na matrícula do imóvel, do óbito do cônjuge falecido, com o esclarecimento de que a totalidade do bem passou a lhe pertencer, instruindo o pedido com a certidão de óbito.

Na hipótese de posterior separação, não há que se falar mais em direito de acrescer, já que o parágrafo único, do art. 551, do Código Civil, é expresso ao afirmar que a doação ao casal subsistirá na totalidade ao cônjuge sobrevivo.


DA DOAÇÃO E DA INEXISTÊNCIA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA

No contrato de doação não há que se falar em direito de preferência.

Determinada pessoa é condômina de um bem imóvel. Obviamente, se ela pretender doar para alguém a sua parte do bem, ela não deverá oferecer aos demais condôminos.

No contrato de doação não haverá o pagamento do laudêmio, haja vista que o laudêmio se caracteriza pelo não exercício do direito de preferência, por parte do senhorio direto.

No entanto, em se tratando de bem imóvel, foreiro à União, ainda que a transação imobiliária seja gratuita, haverá necessidade da juntada certidão autorizativa de transferência, expedida pela Secretaria do Patrimônio da União, nos termos dos §2º e 3º, do Decreto-Lei 2.398, de 21/12/1987, alterado pelo artigo 33, da Lei 9.636, de 15.05.1998.


DA DOAÇÃO E DOS TERMOS INADEQUADOS

Outro ponto importante que gostaria de abordar reside nos termos inadequados, com os quais constantemente nos deparamos, mormente, quando o assunto é inventário.

É muito comum escutarmos que os filhos abriram mão da herança ou renunciaram em favor da mãe. Essa linguagem tem cabimento numa conversa coloquial, entre pessoas que não têm conhecimento jurídico, não para aqueles que militam na área jurídica.

No entanto, esse linguajar é inservível para a confecção de um instrumento público. O correto é mencionarmos que os filhos cederam os seus quinhões hereditários gratuitamente a sua mãe.

Outra forma equivocada e, também, recorrente, de encontramos nas escrituras, é a renúncia ad favorem. Ora, renunciar em favor de determinada pessoa é doar ou ceder gratuitamente. A renúncia é incondicional.

Data venia, abrir mão, renunciar em favor de fulano de tal, não existe no mundo jurídico. O que existe é doar (quando se tem o domínio) e ceder (quando alienamos um direito) gratuitamente. A cessão poderá ser de direitos hereditários ou de meação. 


CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS OU DE MEAÇÃO

A cessão de direitos hereditários ou de meação, seja de bens móveis ou imóveis, deverá ser feita por meio de escritura pública, posto que o direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel para efeitos legais, vide inciso II, do art. 80, do Código Civil.

Com efeito, vale lembrar que a lavratura das escrituras de cessão de direitos hereditários de bem singular foi vedada pela nossa Corregedoria Geral de Justiça, por meio do PARECER CGJ Nº SN160, de 11/07/2007 (ESTADUAL) Procedimento nº 2006 -324253. Relator Dr. Fábio Ribeiro Porto.

Conquanto eu discorde inteiramente do teor desse parecer, tal proibição ainda continua vigente.

Sobre esse tema, sugiro a leitura do excelente artigo publicado pelo nosso colega Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho, Oficial do 1º Tabelionato de Notas e Ofício de Registros Públicos de Volta Redonda, disponível para leitura no sítio oficial do 15º Ofício de Notas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro  ? http://fm.cartorio15.com.br/plugins/filemanager/files/artigos/CessaoDireitosHereditariosBemEspecifico_EduardoSocrates.pdf).


DA DOAÇÃO, DA EVICÇÃO DE DIREITO, DOS VÍCIOS REDIBITÓRIOS E DOS JUROS LEGAIS

Já escrevi anteriormente em outro artigo que não há necessidade de se incluir no contrato de compra e venda que o vendedor responderá pela evicção de direito, pois em todo contrato comutativo, como é o de compra e venda, o vendedor responderá pela evicção e pelos vícios redibitórios, em razão de estar previsto na lei.

Situação inversa ocorre no contrato de doação, em que o doador não responderá pela evicção, pelos vícios redibitórios, tampouco arcará com os juros legais, somente excepcionalmente, quando a lei assim determinar ou por convenção das partes.

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Então, vejamos o que diz o art. 552 e o § único, do art. 441, ambos do Código Civil:

“Art. 552 – O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeita às           consequências da evicção ou de vício redibitório. Nas doações para casamento com       certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário.” (g.n).

Por outro lado, o Parágrafo único, do art. 441, Seção V, dos Vícios Redibitórios, do Título V, Dos Contratos em Geral, estipula que:

 “Art. 441 – A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.”

§ único - É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.”

Pelo que foi dito acima, sugiro aos operadores de direito que, ao lavrar as escrituras de doação ou de compra e venda, entre outras, não façam menção à evicção de direito, aos vícios redibitórios e aos juros legais, quando as consequências desses negócios jurídicos já estiverem previstas na lei.

Por seu turno, somente quando houver convenção diversa entre as partes envolvidas que trate dessas matérias é que devemos deixar de forma expressa e clara nos contratos a vontade das partes.


Notas

[1] No mesmo sentido os acórdãos da Apelação nº 0082968-85.2000.8.19.0001, 14ª CC/TJRJ, Des. Rel. Nascimento Povoas Vaz, j. 15.12.2010 e do Resp 730483/MG, Recurso Especial 2005/0036318-3, Ministra Nancy Andrighi, T3 - Terceira Turma do STJ, Julgamento: 03/05/2005, Data da publicação: DJ 20/06/2005 p. 287, RBDF vol. 31 p.67.

[2] ALVIM, Agostinho.  Da doação, 3ª edição, Editora Saraiva

[3] Veja também os acórdãos da Apelação nº 9215833-14.2006.8.26.0000, 1ª Câmara de Direito Privado TJSP, Des. Rel. Rui Cascaldi, j. 09.08.2011, bem como da Apelação APC 20120110638855 DF 0017774-54.2012.8.07.0001, 2ª CC/TJDF, Des, Rel, Waldir Leôncio Lopes Junior, j. 27.11.2013).

[4] FIORANELLI. Ademar. Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 1ª Edição. pág. 41.Editora Saraiva

[5]http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/OAInter.pdf

[6] MALUF, Carlos Alberto Dabus. Das Cláusulas de Inalienabilidade, Incomunicabilidade e Impenhorabilidade, Editora Saraiva; 1981. Pág. 23 e 24.

[7]http://www.irib.org.br/html/biblioteca/biblioteca-detalhe.php?obr=191

[8]http://www.irib.org.br/html/biblioteca/biblioteca-detalhe.php?obr=191

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Sobre a autora
Fernanda de Freitas Leitão

Tabeliã titular do 15º Ofício de Notas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito em 1991 pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Exerceu a advocacia na iniciativa privada. Admitida em concurso público, exerceu o cargo de Procuradora do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITÃO, Fernanda Freitas. Uma análise notarial do contrato de doação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4096, 18 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31717. Acesso em: 6 mai. 2024.

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