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Arbitragem: questões polêmicas

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Resumo:


  • O homem é um ser gregário e egoísta por natureza, que busca viver em sociedade de forma pacífica, criando sistemas para solucionar conflitos, como o direito, que tem como função ordenar e controlar as relações sociais.

  • Existem várias formas de solucionar litígios, incluindo a autotutela (justiça pelas próprias mãos), a autocomposição (ajuste de vontades para resolver um conflito) e a jurisdição (poder do Estado de aplicar a lei a um caso concreto).

  • A arbitragem, regulamentada pela Lei 9.307/96, é uma técnica alternativa para a solução de controvérsias em que as partes escolhem um árbitro para decidir o litígio, sem a necessidade de recorrer ao Judiciário, embora seja objeto de debates quanto à sua natureza jurisdicional e constitucionalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8. As partes podem estabelecerem recursos na arbitragem, diversos dos já previsto na Lei Arbitral?

A lei arbitral diz ser possível, como recurso, apenas e tão-somente os embargos de declaração, conforme previsão do artigo 30.

Todavia, poderiam as partes criarem outro tipo de recurso? Ao se submeterem à arbitragem, os litigantes poderiam de comum acordo criarem outros recursos?

"A autonomia do processo arbitral tem como função manter de modo efetivo as vontades das partes. De fato, a autonomia das partes é a base fundamental da filosofia de arbitragem e o fator determinante da existência da própria arbitragem. Mediante a aplicação do princípio de autonomia das partes, aumenta-se a previsibilidade do processo arbitral e se mantém a flexibilidade de refletir no processo arbitral. Assim, tanto quanto aumenta a autonomia das partes, diminui-se a intervenção da lei do local de arbitragem. O limite do reconhecimento de autonomia das partes é um medidor da autonomia e da independência do processo arbitral do lugar de arbitragem." Esse é o pensar de Hee Moon Jo [20], com o qual concordamos.

Nesse sentido, a regra que dispõe ser irrecorrível a decisão arbitral é dispositiva. Portanto, caso os litigantes resolvam submeter a decisão do árbitro a um "colégio recursal", isto seria pefeitamente possível, pois, como salientado, todo o procedimento arbitral se pauta na autonomia da vontade dos litigantes.

Aliás, é bom frisar-se, que se as partes puderem criar seus recursos, desde que comunguem deste pensamento, a arbitragem poderá se fortalecer, tendo em vista que maior credibilidade poderá gozar.


9. Cabe ação rescisória na arbitragem?

Entendemos ser a arbitragem jurisdição, posto que a decisão do árbitro tem a mesma força de uma decisão de mérito do juiz. Inclusive isso é o que se infere do próprio texto legal.

Assim, poderíamos falar em ação rescisória em sede de sentença arbitral?

Quer-nos parecer que a princípio não. Isto porque as hipóteses de anulação da sentença arbitral já se encontram enunciadas no artigo 31, da Lei 9307/96, com previsão adicional do artigo 33 de um prazo de 90 dias para a providência.

Wilson Ramos Filho pensa diferentemente. Para ele, "por sua natureza irrecorrível, uma vez proferida a sentença arbitral, apenas por ação rescisória se poderia negar-lhe validade e eficácia." [21]

Apenas contemplamos essa hipótese caso as partes tenham instituído, na convenção de arbitragem, a possibilidade da ação rescisória, e desde que a hipótese se enquadre nos casos previstos no artigo 485, do CPC.

Do contrário, o único instrumento possível para a rescisão da sentença arbitral seria a ação anulatória, prevista nos artigos 31 e 33, da Lei 9307/96, naqueles casos numerus clausus previstos.


10. Cabe tutela antecipada na arbitragem?

Alguns autores, até de maneira vanguardista, sustentam que o árbitro, verdadeiro Juiz que é, poderia antecipar os efeitos da sentença, concedendo, inclusive, tutela antecipada, desde que preenchidos os requisitos do artigo 273, do CPC.

Humberto Theodoro Júnior, contudo, leciona: "da mesma forma, as medidas liminares coercitivas, sejam cautelares ou de antecipação de tutela, não cabem aos árbitros, mas aos juízes regulares do Poder Judiciário (art. 22, § 4º)." [22]

Entendemos que a razão está da forma como acima exposto. A lei é clara: medidas cautelares ou liminares coercitivas devem ser pleiteadas ao "órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa".

Neste desiderato, caso haja plausibilidade da medida de tutela antecipada, ainda assim ao árbitro é defeso concedê-la, tendo em vista que, in casu, deverá pleiteá-la diretamente ao Poder Judiciário.


11. Intervenção de Terceiros na arbitragem

É possível falar-se em intervenção de terceiros no processo arbitral?

Pela Intervenção, o terceiro torna-se parte do processo que não lhe era atinente, de início.

Nossa sistemática processual contempla as seguintes hipóteses de intervenção de terceiro: assistência, denunciação da lide, nomeação à autoria, chamamento ao processo, oposição e recurso de terceiro prejudicado.

Estas estão disciplinados nos artigos 50 à 80, e no artigo 499, todos do Código de Processo Civil.

Ocorre que a disciplina da intervenção de terceiros é pertinente e privativa ao processo civil. Neste desiderato é o artigo 1º, do Código Processual, que reza: "A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece."

E completa o artigo 2º do mesmo codex, ao discorrer sobre o princípio da demanda: "Art. 2º. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais."

Da análise conjunta destes dois artigos, infere-se que as regras contidas no Código de Processo Civil são pertinentes apenas e tão-somente às ações civis, propostas perante o Poder Judiciário.

De outra banda, o ritual da arbitragem, seus limites, seus desdobramentos etc., estão previstos na Lei Arbitral, que nada fala a respeito da intervenção de terceiros.

Ademais, tendo em vista que a arbitragem é fruto de convenção, os litigantes não serão obrigados a aceitar a intervenção de um terceiro. E, sob outro enfoque, um terceiro não pode ser compelido a participação de uma convenção arbitral, da qual, originariamente, não tenha tomado partido.

Em face do exposto, impõe-se concluir que a intervenção de terceiros é privativa do processo judicial, quiçá comportando penetração no processo arbitral se as partes originárias e o terceiro expressamente concordarem com a situação.

Em caso negativo, a intervenção de terceiros obrigatória mostrar-se-ia, inclusive, inconstitucional, por ferir o princípio da legalidade, que conclama que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude de lei


12. Arbitragem de direitos trabalhistas

A solução de litígios pela via arbitral, na forma do art. 1º da Lei nº 9.307 de 1996, supõe direitos patrimoniais disponíveis e nunca direitos sociais de ordem pública, irrenunciáveis. Conclui-se, assim, que não se aplica para a solução de litígios de natureza trabalhista, pois estes são irrenunciáveis, à luz do artigo 9, da CLT.

Também o artigo 444, da mesma CLT, também diz: "As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, às convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Neste sentido, já se decidiu que a arbitragem, nos termos da Lei 9307/96, não é atinente aos conflitos trabalhistas. A propósito:

"É inadmissível a instituição da arbitragem para dirimir questões trabalhistas, salvo aquelas gizadas em conflitos coletivos. (TRT 5ª R. – RO 61.01.99.1534-50 – (2.733/01) – 5ª T. – Relª Juíza Delza Karr – J. 13.02.2001)"

Todavia, a Lei 9958/2000, criou as denominas "comissões de conciliação prévia", que tem por escopo "tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho." [23]

Diz agora a CLT, em seu artigo 625-E, parágrafo único, que o termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.

Assim, o legislador criou modalidade de heterocomposição arbitral em sede de direitos trabalhistas. Contudo, essa arbitragem não está a mercê da Lei 9.307/96, que absolutamente não se lhe aplica, mas sim condicionada à Lei 9958/00.


13. Conclusões

Como esboço de nossos argumentos aqui expendidos, podemos afirmar que:

a)a arbitragem é uma interessante técnica de solução de conflito de interesses, que ganhou nova roupagem com a Lei 9.307/96;

b)a celeuma envolvendo ser ou não a arbitragem jurisdição é intrincada, cabendo ao leitor posicionar-se quanto ao tópico;

c)a arbitragem é absolutamente constitucional, não ferindo nenhum dispositivo da Carta Maior;

d)as partes poderão, em face do princípio da autonomia da vontade, estabelecerem recursos além daqueles previstos na Lei Arbitral;

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e)Em regra, não cabe ação rescisória na arbitragem, salvo se as partes assim estipularem, e as hipóteses se enquadrem no artigo 485, do CPC, e não sejam as mesmas contempladas no artigo 31, da Lei 9.307/96;

f)A tutela antecipada não pode ser decretada pelo árbitro;

g)É vedada a intervenção de terceiros no processo arbitral, exceptuando-se a hipótese das partes e do terceiro convencionarem sua participação.

h)Hodiernamente, existe os acordos arbitrais em seara trabalhista, mas que nada tem relacionado com a Lei 9.307/96.


Notas

1. In Ruptura da sociedade conjugal: danos, prejuízos e reparações, CD-Ron Jurissintese, n. 33

2. in Sistema del Diritto Processuale Civile, Pádua, 1936, p. 40

3. Teoria Geral do Processo, p. 37

4. Teoria geral do processo, p. 55

5. Teoria geral do processo civil, p. 73, 74

6. O Juiz e o acesso à justiça, p. 38

7. O Documento técnico 319 do banco mundial, Jornal Síntese 50/3

8. Carreira Alvim, op. cit., p. 80

9. CARMONA, Caros Alberto, in Arbitragem e Processo, p. 43.

10. Publicada no CD-Ron Juris Síntese nº 26 - NOV/DEZ de 2000

11. in A Arbitragem como meio de solução de controvérsias. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil n. 02, vol. Nov/Dez 99, p. 5

12. in Código de processo civil comentado, 3. ed., RT, 1997, p. 1300

13. in Arbitragem e processo – Um comentário à Lei 9307/96, ed. Malheiros, 38

14. Jurisdição e competência – Jurissintese 33

15. Limites da sentença arbitral e de seu controle jurisdicional., in Jurissintese 33.

16. O Princípio do Juiz Natural e a sua dupla garantia, O processo em sua unidade - II. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984, p. 22.

17. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 167.

18. In Efeito devolutivo da apelação e duplo grau de jurisdição, CD-Ron Juris Síntese nº 31 - SET/OUT de 2001

19. Op. cit.

20. Arbitragem nas disputas internacionais de propriedade intelectual - Publicada na Revista da Faculdade de Direito da USF Vol. 2 - 1998, pág. 67

21. Nova lei de arbitragem e a solução dos conflitos coletivos do trabalho, in ST nº 91 - JAN/1997, pág. 121

22. A arbitragem como meio de solução de controvérsias, Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº 02 - NOV-DEZ/1999, pág. 5

23. CLT, art. 652-A


Bibliografia

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Sobre o autor
Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior

advogado sócio do escritório Zanoti e Almeida Advogados Associados; doutorando pela Universidade Del Museo Social, de Buenos Aires; mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; pós-graduado em Direito Contratual;pós-graduado em Direito das Relações Sociais; professor de Direito Civil e coordenador da pós-graduação da Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente/SP), professor da FEMA/IMESA (Assis/SP), do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL, da PUC/PR, da Escola Superior da Advocacia, da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. Arbitragem: questões polêmicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3183. Acesso em: 22 dez. 2024.

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