SUMÁRIO: 1. Introdução; 1.1. Considerações iniciais; 1.2. Recurso e impugnação; 1.3. Natureza dos recursos extraordinários - 2. Pressupostos genéricos; 2.1. Pressupostos genéricos intrínsecos; 2.1.1. Cabimento; 2.1.2. Legitimidade; 2.1.3. Interesse recursal; 2.1.4. Inexistência de fatos impeditivos ou extintivos; 2.2. Pressupostos genéricos extrínsecos; 2.2.1. Preparo; 2.2.2. Regularidade formal; 2.2.3. Tempestividade - 3. Pressupostos específicos; 3.1. Prequestionamento; 3.2. Vedação ao exame de matéria fática; 3.3. Confronto analítico - 4. Outras questões relevantes; 4.1. Matéria administrativa; 4.2. Matéria criminal; 4.3. Juízo de admissibilidade bipartido; 4.4. Processamento; 4.5. Agravo de instrumento; 4.6. Recurso especial retido; 4.7. Medida cautelar para conferir efeito suspensivo ao recurso especial - Bibliografia
1. Introdução
1.1. Considerações iniciais
Do ponto de vista psicológico, a doutrina [1] atribui a origem dos recursos processuais à circunstância natural de a parte não se conformar com o julgamento que lhe foi desfavorável. Atuaria o recurso, assim, como forma de aplacar essa sensação de frustração própria do ser humano.
Sob outro prisma, a existência das diversas espécies recursais funciona como meio de controle dos órgãos judiciários superiores sobre os de menor hierarquia, corrigindo-lhes seus desacertos e cuidando de uniformizar o entendimento sobre determinada matéria.
É certo que nem todos os recursos são dirigidos a uma instância de nível mais graduado, mas as exceções [2] vêm exatamente confirmar a regra, consubstanciada no que se denominou princípio do duplo grau de jurisdição [3]. Por ele, assegura-se à parte sucumbente o direito de ver a decisão que lhe foi contrária sendo reapreciada por um órgão superior, normalmente de composição colegiada.
Essa garantia, contudo, não é absoluta, sofrendo sensíveis temperamentos, de modo a evitar a perpetuação dos litígios. Desta forma, de acordo com a distância que se percorra do juízo de primeiro grau, tornam-se mais rigorosos os requisitos de admissibilidade dos recursos, até desaguar nos chamados recursos extraordinários.
Estes, como sua própria designação indica, são dotados de natureza excepcional, subdividindo-se no recurso extraordinário stricto sensu e no recurso especial, este último objeto específico do presente estudo, quando utilizado em matéria eleitoral.
1.2. Recurso e impugnação
No campo do direito processual comum, avulta a distinção entre recurso e impugnação [4], porquanto, esta última, ao voltar-se contra determinada decisão judicial, instala uma relação processual distinta daquela que culminou com o provimento vergastado, ao passo que o recurso "é uma espécie de remédio processual que a lei coloca à disposição das partes para impugnação de decisões judiciais, dentro do mesmo processo, com vista à sua reforma, invalidação, esclarecimento ou integração" [5] (grifamos).
Na seara do direito eleitoral, todavia, o tema ganha nova conotação, na medida em que a impugnação nem sempre se presta a atacar decisões judiciais exaradas em processos de natureza contenciosa. Ao revés, sua função, na maioria dos casos, destina-se a verberar atos administrativos da Justiça Eleitoral.
Exemplificando, pode-se consignar que cabe impugnação contra indicação de magistrados para compor Tribunal Regional Eleitoral (Código Eleitoral, art. 25, § 3º), contra nomeação de membros de Junta Eleitoral (Código Eleitoral, art. 36, § 2º), contra indicação de escrutinadores e auxiliares (Código Eleitoral, art. 39), tendo ampla utilização, ainda, nos trabalhos de qualificação eleitoral. [6]
Em outras hipóteses, o ato de impugnação, ao impedir a preclusão, funciona como verdadeiro requisito para o conhecimento do recurso a ser futuramente interposto, como, v. g., nas hipóteses dos arts. 147, § 1º, e 149, do Código Eleitoral.
Quanto aos recursos eleitorais, podem ter natureza civil ou penal, conforme a essência da sentença contra a qual foram opostos, aplicando-se-lhes subsidiariamente, conforme o caso, as disposições do Código de Processo Civil ou do Código de Processo Penal. [7]
1.3. Natureza dos recursos extraordinários
Uma das características fundamentais que distingue os recursos extraordinários lato sensu reside exatamente na impossibilidade de transformar seus órgãos julgadores em "simples prolongamentos da instância recursal ou terceiras instâncias". [8]
Sobre o tema, leciona Athos Gusmão Carneiro [9]:
"O recurso extraordinário, no direito brasileiro, sempre foi manifestado como recurso propriamente dito (interposto, portanto, no mesmo processo) e fundado imediatamente no interesse de ordem pública em ver prevalecer a autoridade e a exata aplicação da Constituição e da lei federal. (...) O interesse privado do litigante vencido funciona, então, mais como móvel e estímulo para a interposição do recurso extremo, cuja admissão, todavia, liga-se à existência de uma questão federal constitucional ou infraconstitucional, à defesa da ordem jurídica no plano do direito federal."
Quanto aos recursos ordinários, ou comuns, afirma o autor [10] que eles, ao revés, "respondem imediatamente ao interesse do litigante vencido em ver reformada a decisão que o desfavoreceu; como regra geral, assim, fundamental para a admissão do recurso é apenas o fato da sucumbência." Disso decorre uma substancial atenuação dos pressupostos de admissibilidade dessa espécie de apelo, se comparados aos dos recursos extraordinários.
Especificamente na órbita do apelo especial, a par dos pressupostos comuns a todas as modalidades recursais, existem igualmente outros requisitos que só a ele dizem respeito.
Proceder-se-á, então, ao estudo em separado dos pressupostos genéricos e específicos do recurso especial em matéria eleitoral.
2. Pressupostos genéricos
Em classificação que já se tornou obrigatória, Barbosa Moreira [11], rompendo com a doutrina tradicional que levava em conta apenas a natureza do ato decisório impugnado, propôs a divisão dos pressupostos recursais em intrínsecos, referentes ao poder de recorrer, e extrínsecos, estes relacionados ao modo de exercer o recurso.
Entre os primeiros – intrínsecos -, o acatado autor inclui o cabimento, a legitimidade, o interesse para recorrer e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo [12]. Os últimos – extrínsecos – englobam a tempestividade, a regularidade formal e o preparo.
2.1. Pressupostos genéricos intrínsecos
2.1.1. Cabimento
Impende ter em vista, sob o aspecto do cabimento, de um lado a recorribilidade do ato e, de outro, a adequação do recurso. [13]
No que diz com a recorribilidade, as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais são irrecorríveis, salvo nos casos taxativamente previstos em que cabível o recurso ordinário ou o especial.
Tais hipóteses estão relacionadas no art. 121, § 4º, da Constituição Federal, ao qual corresponde o art. 276 do Código Eleitoral [14], este vazado nos seguintes termos:
"Art. 276. As decisões dos Tribunais Regionais são terminativas, salvo os casos seguintes em que cabe recurso para o Tribunal Superior:
I – especial:
a) quando forem proferidas contra expressa disposição de lei;
b) quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais;
II – ordinário:
a) quando versarem sobre expedição de diplomas nas eleições federais e estaduais;
b) quando denegarem habeas corpus ou mandado de segurança."
Em outras palavras, decisão plenária de Tribunal Regional Eleitoral desafia, sempre, recurso ordinário ou especial, resolvendo-se qual deles é cabível no caso concreto exatamente ao se verificar o requisito da adequação.
Cumpre observar, desde logo, que somente a decisão colegiada de TRE enseja o cabimento do especial; vale dizer, decisão monocrática de membro do Tribunal, se impugnável, deve sê-la inicialmente por meio de agravo e não diretamente por recurso especial [15], manejável este apenas por ocasião do julgamento colegiado do agravo. O mesmo se diga em relação à decisão singular de Presidente de TRE, contra a qual pode ser oposto o recurso inominado previsto no art. 264 do Código Eleitoral. [16]
Da análise do art. 276 do Código Eleitoral, infere-se que as hipóteses de cabimento do recurso especial resumem-se à ocorrência, na decisão regional, de violação legal ou dissídio jurisprudencial.
Salta à vista, de pronto, uma forte similitude com o recurso especial dirigido ao Superior Tribunal Justiça, tal como previsto no art. 105, inciso III, da Carta Magna. Na realidade, encontra-se a distinção apenas na ausência, em matéria eleitoral, do permissivo constante da alínea "b" do citado dispositivo constitucional.
Com efeito, por força do art. 22, inciso I, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito eleitoral e processual, afigurando-se, nesse passo, pouco provável a possibilidade de um Tribunal Regional Eleitoral vir a aplicar preceito normativo emanado de governo local. [17]
No que diz respeito ao permissivo do art. 276, inciso I, "a", do Código Eleitoral, convém frisar que o dispositivo porventura vulnerado pelo órgão regional não necessariamente deve constar de lei de índole eleitoral, não sendo raro a violação de normas de natureza processual civil ou penal, em face mesmo da aplicação subsidiária dessas regras ao direito instrumental eleitoral.
Outrossim, perfeitamente agitável o especial em virtude de inobservância, por TRE, de instrução emanada do Tribunal Superior Eleitoral.
A esse respeito, assevera Tito Costa [18]:
"Para efeito desse recurso [especial], as Instruções do TSE, expedidas por meio de Resoluções, têm força de lei, e quando violadas por decisão dos Tribunais Regionais permitem o recurso especial, segundo tem entendido a jurisprudência."
Pedimos vênia ao ilustre eleitoralista para discordar parcialmente de seu ponto de vista: na verdade, a expedição de Instruções pelo TSE, - conduta autorizada pelo arts. 1º, parágrafo único, e 23, inciso IX, do Código Eleitoral -, revela o exercício de função regulamentar da lei eleitoral [19], e não, como quer parecer ao autor, o exercício de atividade legiferante, pois, se assim o fosse, restaria vulnerado o princípio constitucional da separação dos poderes.
Ademais, determina o art. 30, inciso XVI, do Código Eleitoral que as Instruções emanadas do TSE devem ser fielmente observadas pelos órgãos regionais. Havendo descumprimento por parte destes, abre-se a possibilidade de aviamento do especial, não porque as tais Resoluções tenham força de lei, mas porque há, no caso, manifesta infringência ao mencionado preceptivo do Código Eleitoral.
Diferentemente, tratando-se do exercício, pelo TRE, da competência consultiva estatuída no art. 30, inciso VIII, do Código Eleitoral, descabe o recurso especial.
De fato, essa excepcional espécie de competência de que é dotada a Justiça Eleitoral não pode ser exercida em termos concretos, senão por meio de respostas a indagações feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político. Versando sobre conjeturas, não há que se cogitar, por conseguinte, de gravame causado ao consulente ou a qualquer outro interessado e que seja sanável pela via do apelo especial. [20]
Cumpre ressaltar, por outro lado, que o recorrente, no ato de interposição do apelo especial fundado no art. 276, I, "a", do Código Eleitoral, deve indicar explicitamente, nas razões recursais, o dispositivo legal supostamente malferido pelo órgão regional, bem assim o modo como se processou a violação, sob pena de não ver seu apelo conhecido pelo TSE, que, aliás, já decidiu:
"Recurso especial. Cabimento. Ônus do recorrente. Cabe o recurso para o TSE quando a decisão do TRE for proferida ‘contra expressa disposição de lei’ (Código Eleitoral, art. 276, I, "a"), mas cabe ao recorrente indicar o texto de lei que tem por afrontado, e também lhe compete demonstrar objetivamente a afronta. À míngua de tal procedimento, o recurso se apresenta sem fundamentação (Súmula 284 do STF). Recurso especial não conhecido." (ac. nº 12.854-MT, j. 21.8.1996, rel. Min. Nilson Naves, pub. sessão).
E, nos mesmos termos, o seguinte aresto, também proferido pelo TSE:
"A não indicação de dispositivo legal que supostamente tenha sido violado impede a precisa compreensão da controvérsia." (ac. 452-PI, j. 28.11.2000, rel. Min. Waldemar Zveiter, pub. sessão).
Superada a questão da violação legal, calha tecer alguns comentários acerca da outra hipótese de cabimento do especial – o dissídio pretoriano.
Inicialmente, o que avulta é a referência, no art. 276, I, "b", do Código Eleitoral, a "tribunais eleitorais". Daí pode-se extrair, sem esforço, duas ilações: primeira, que não enseja o especial a discrepância entre tribunais não pertencentes à estrutura da Justiça Eleitoral [21]; segunda, que se faz mister a divergência jurisprudencial entre tribunais distintos; vale dizer, contradição entre julgados do mesmo Tribunal, mesmo que eleitoral, não propicia o manejo do especial. [22]
Ainda a respeito do requisito em foco, apesar da expressa dicção do art. 276 do Código Eleitoral bem divisando as hipóteses de cabimento dos apelos ordinário e especial, convém indagar da possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade.
Conquanto as lições doutrinárias [23] aplicadas ao processo comum sejam uníssonas no sentido de que a inversão na utilização do especial e do ordinário dirigidos ao STJ configura erro grosseiro, insuscetível, portanto, de correção pelo princípio de fungibilidade, a verdade é que o TSE, até pelas particularidades que surgem em alguns casos concretos, trata do tema com boa dose de benevolência, não sendo raro os julgados em que conheceu de especial como ordinário e vice-versa.
Frise-se, entretanto, que tal liberalidade apenas tem espaço quando presentes os pressupostos inerentes ao recurso verdadeiramente cabível.
A esse propósito, averbou o TSE:
"Recurso. Fungibilidade. Cabível o recurso ordinário, como tal deve ser conhecido o especial, erroneamente interposto, já que atendidos todos os pressupostos daquele. Erro que não acarreta qualquer prejuízo." (ac. nº 92-AL, j. 26.2.1998, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 20.3.1998, p. 44).
E em sentido inverso, isto é, conhecendo de recurso ordinário como se fosse especial, calha citar outro julgado do TSE:
"Recurso. Fungibilidade. O princípio da fungibilidade está agasalhado, implicitamente, pelo Código de Processo Civil de 1973 – artigo 249. Primando a processualística eleitoral pela simplicidade, descabe ter como configuradora de erro grosseiro a interposição do recurso ordinário ao invés do especial." (ac. nº 11.663-RS, j. 13.12.1994, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 10.3.1995, p. 4915).
Assim, colhe-se na jurisprudência do TSE inúmeros exemplos de aplicação do princípio da fungibilidade em matéria de registro de candidatura [24], prestação de contas partidárias [25], recurso contra diplomação [26] e investigação judicial eleitoral.
Acerca desse último assunto, cabem algumas palavras.
A Lei Complementar nº 64/90, ao criar mecanismo de repressão ao abuso do poder econômico e de autoridade e utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, conferiu aos diversos órgãos da Justiça Eleitoral competência para processar e julgar a ação de investigação judicial eleitoral.
Desta forma, tratando-se de eleições presidenciais compete o processamento da citada investigação ao Corregedor-Geral, com a posterior remessa ao Tribunal Superior Eleitoral para julgamento; semelhantemente, cuidando-se de eleições federais ou estaduais incumbem ao Corregedor Regional e ao respectivo Tribunal Regional o processo e julgamento da aludida ação; e, por fim, nas eleições municipais a competência é deferida ao Juiz Eleitoral.
Surge, então, a dúvida: julgada investigação judicial eleitoral por TRE, no exercício de competência originária ou recursal, qual seria o recurso cabível para o TSE?
Apreciando o TRE originariamente investigação judicial eleitoral, do acórdão ali proferido caberá, em tese, o recurso ordinário para o TSE, à luz do disposto no art. 121, § 4º, inciso III, da Constituição Federal. Nesse sentido, assentou o TSE:
"Investigação Judicial. Recurso. Da decisão do Tribunal Regional que dirime a investigação judicial, nas eleições federais e estaduais, cabe recurso ordinário." (ac. nº 1.748-PA, j. 18.5.1999, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 28.5.1999, p. 87).
"Investigação Judicial. Eleições estaduais. Consoante o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, cabível o recurso ordinário." (ac. nº 16.201-GO, j. 5.6.2000, rel. Min. Garcia Vieira, DJU 23.6.2000, p. 89).
Diferentemente, nas eleições municipais, julgada a investigação judicial pelo Juiz Eleitoral, desta decisão caberá recurso inominado dirigido ao TRE, nos termos do art. 265 do Código Eleitoral. Apreciado este apelo pelo Plenário do órgão regional, cabível será então o recurso especial ao TSE, desde que, por óbvio, tenha a decisão local violado expressa disposição de lei ou tenha se distanciado de precedente de outro tribunal eleitoral. [27]
Tais circunstâncias, todavia, não devem causar maiores preocupações no manejo de recurso contra decisão de Corte Regional em sede de investigação judicial eleitoral, porquanto bastante comum, nessa hipótese, a aplicação do princípio da fungibilidade pelo TSE. [28]
Por fim, note-se que, distintamente do que se passa no processo comum, não existe a possibilidade, aqui, da interposição simultânea dos apelos extraordinário e especial contra acórdão de Tribunal Regional Eleitoral.
Em outras palavras, ainda que a decisão regional tenha malferido expressa disposição da Constituição Federal, será o caso de interposição de recurso ordinário ou especial para o TSE, não ficando preclusa a matéria constitucional (Código Eleitoral, art. 259), que, posteriormente, poderá ser novamente agitada em sede de recurso extraordinário contra a decisão do TSE. [29]
2.1.2. Legitimidade
Ressalte-se, de início, que, em matéria de legitimidade para interpor recursos eleitorais, tem plena aplicação o disposto no art. 499, caput, do Código de Processo Civil. Legitimam-se, assim, a parte sucumbente, o terceiro prejudicado e o Ministério Público Eleitoral.
Quanto à parte, basta lembrar que autor e réu, desde que vencidos, detêm ordinariamente legitimação recursal, convindo assinalar, entretanto, algumas peculiaridades que se apresentam em matéria eleitoral.
Em primeiro lugar, partes, em direito eleitoral, podem ser os candidatos, partidos políticos ou coligações e, em alguns casos, o próprio eleitor [30] ou pessoa física que sequer ostenta essa condição. [31]
Interessantes questões surgem, todavia, envolvendo a capacidade processual dos partidos políticos.
Outrora, entendia o TSE falecer legitimidade a diretório municipal de partido político para ativar a competência recursal daquela Corte, colhendo-se na jurisprudência diversos precedentes nesse sentido. [32]
Houve, entretanto, um salutar avanço nesse posicionamento, sendo assente, hoje em dia, que o diretório municipal detém plena legitimidade para litigar perante a mais alta Corte Eleitoral do país. [33]
E não poderia ser diferente: inadmitir o acesso dos órgãos partidários municipais ao TSE seria fazer restrição onde a lei não a fez.
Ademais, a prevalecer esse entendimento, estar-se-ia a exigir, por via transversa, a intervenção dos órgãos partidários regionais em litígios que dizem respeito somente ao diretório municipal, isso para não falar de uma possível caracterização de negativa de prestação jurisdicional.
Ainda sobre esse assunto, é entendimento pacífico que o partido político, uma vez coligado, perde momentaneamente sua capacidade de estar em juízo, devendo ser representado, ativa e passivamente, pela coalizão partidária que integra.
Assim, durante o período de vida da coligação, não podendo atuar isoladamente em juízo, o partido político não pode agitar recurso especial para o TSE, salvo, por razões óbvias, as excepcionais hipóteses em que a agremiação insurge-se justamente contra a formação da coligação ou quando há divergência interna no órgão partidário. [34]
A par da legitimação ordinária das partes, também pode aviar recurso especial o terceiro que se julgar prejudicado pela decisão regional, desde que demonstre "o nexo de interpendência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial" (CPC, art. 499, § 1º). [35]
Finalmente, incumbe ao Ministério Público Eleitoral, atuando como fiscal da lei, interpor recurso especial de decisão de TRE, seja quando houver violação legal, seja quando restar evidenciado o dissídio jurisprudencial.
No primeiro caso, por óbvio, possuindo as normas eleitorais nítido caráter público, compete ao Ministério Público Eleitoral zelar pela sua correta aplicação, funcionando mesmo o órgão ministerial como guardião do regime democrático. [36]
Tratando-se, por outro lado, de divergência pretoriana, igualmente não se nega plena legitimidade ao Procurador Regional Eleitoral para articular o recurso especial, sendo mesmo de sua competência institucional assim proceder, a teor do que prescreve o art. 24, inciso VI, c/c art. 27, § 3º, ambos do Código Eleitoral.
Outro não é o entendimento assentado pelo TSE:
"Agravo de instrumento. Decisão que negou seguimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público Eleitoral sob o fundamento de ausência de legitimidade. Entendimento que se encontra superado. Essa Corte admite ampla legitimidade ao Ministério Público para recorrer no processo eleitoral. Precedentes. Agravo provido." (ac. nº 12.454-AM, j. 6.12.1994, rel. Min. Torquato Jardim, DJU 10.2.1995, p. 1949).
2.1.3. Interesse recursal
Possui legítimo interesse recursal aquele que, sucumbente em determinado feito, busca situação mais favorável por meio da interposição do recurso.
Diz-se, assim, que, a exemplo da condição de ação consistente no interesse de agir, o interesse recursal funda-se no binômio necessidade + utilidade. [37]
A esse respeito, leciona Nelson Luiz Pinto [38]:
"Tem-se como útil o recurso capaz de proporcionar ao recorrente uma posição ou condição mais vantajosa, quer no plano do direito material, quer no plano meramente processual, do que aquela em que ele se encontra em face da decisão judicial contra a qual pretende recorrer."
E acrescenta o processualista [39]:
"Já a necessidade consiste na imprescindibilidade de que seja interposto o recurso para que aquilo possa eventualmente vir a acontecer, ou seja, sem a interposição do recurso não haverá como o recorrente obter o mesmo resultado."
No direito eleitoral, importante questão desponta a respeito do interesse do vice em recorrer quando o titular da chapa tem sua situação jurídica discutida em juízo.
Nesse caso, deve-se perquirir se o vice sofrerá algum gravame com uma decisão desfavorável em relação ao titular, caso em que deverá integrar a lide na qualidade de litisconsorte.
Nessa ordem de idéias, decidiu o TSE que no caso de cominação pessoal da sanção de inelegibilidade ao prefeito, falece interesse ao vice-prefeito para recorrer da decisão, pois dali não lhe advém qualquer prejuízo. [40]
2.1.4. Inexistência de fatos impeditivos ou extintivos
São fatos extintivos a renúncia e a aquiescência, enquanto a desistência consubstancia fato impeditivo do poder de recorrer.
Afirma-se comumente, de forma equivocada, que tratando o processo eleitoral de direitos indisponíveis seria descabido cogitar-se de desistência de recursos eleitorais.
Impõe-se, todavia, tecer alguns esclarecimentos.
Cuidando-se de direitos indisponíveis, o que resta inadmissível é que o autor renuncie ao direito sobre que se funda o pedido (CPC, art. 269, inciso V), assim como impossível ao réu reconhecer a procedência do pedido (CPC, art. 269, inciso II).
Isto não quer absolutamente significar que o direito eleitoral não abra espaço para a desistência recursal. [41]
Aliás, sendo o direito de recorrer uma faculdade de índole essencialmente processual, a desistência não guarda qualquer relação com o direito material deduzido em juízo, tenha este natureza disponível ou não. [42]
Efetivamente, para fins de desistência, após a declaração expressa do recorrente nesse sentido, imprescindível apenas a anuência da parte ex adverso [43] e a manifestação favorável do Ministério Público Eleitoral, a quem compete zelar pela guarda do interesse público, rechaçando qualquer tentativa de burla à legitimidade das eleições, como, v. g., no caso de colusão entre as partes.
Nesse particular, decidiu o TSE:
"Recurso especial. Impugnação. Desistência. Direito público. Possibilidade.
1. Só o fato de o processo eleitoral possuir caráter público não impede possam as partes integrantes do feito requerer desistência do recurso. Impõe-se, no caso, a necessidade de expressa concordância da parte contrária.
2. O Ministério Público, na condição de fiscal de lei, pode, a qualquer tempo, intervir no feito e requerer a apreciação de recurso que verse matéria eminentemente pública, não obstante desistência manifestada pela parte.
3. Quem não atuou no feito não pode se opor à desistência do feito manifestada por ambas as partes.
4. Precedentes.
5. Agravo regimental a que se nega provimento." (ac. nº 18.825-MG, j. 20.2.2001, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 27.4.2001, p. 237).
Semelhante raciocínio aplica-se também aos casos de renúncia e de aquiescência, com a simples distinção quanto ao momento que o ato de disposição do direito processual é manifestado.
O certo é que, tratando-se de desistência e tendo havido concordância da parte contrária e do Ministério Público Eleitoral, o relator do recurso levará os autos a Plenário para a devida homologação.
2.2. Pressupostos genéricos extrínsecos
2.2.1. Preparo
Em face da magnitude dos interesses que são aduzidos perante a Justiça Eleitoral, importando, em última análise, na lisura das eleições e na preservação da vontade popular, pode-se dizer que existe manifesto interesse público na resolução dos litígios de feitio eleitoral.
Diante disso, afirma-se que, de certo modo, impera a gratuidade no processo eleitoral, sendo descabido exigir-se adiantamento de custas processuais [44] e mesmo a condenação em verbas sucumbenciais. [45]
Nesse sentido, existe previsão legal expressa estabelecendo a gratuidade das ações de impugnação de mandato eletivo (Lei nº 9.265, de 12.2.1996, art. 1º, inciso IV), entendendo o TSE, contudo, que, nos casos de litigância de má-fé, impõe-se a condenação em honorários advocatícios. [46]
É certo que o art. 367, inciso VIII, do Código Eleitoral determina que "as custas, nos Estados, Distrito Federal e Territórios serão cobradas nos termos dos respectivos Regimentos de Custas", enquanto o art. 373, parágrafo único, do mesmo diploma legal, estabelece que serão devidas custas nos processos-crimes e executivos fiscais referentes à cobrança de multas, observado o que dispuser o Regimento de Custas de cada Estado.
Ocorre que, na prática, os Tribunais Regionais Eleitorais não têm exigido o recolhimento de custas, seja antecipadamente, seja ao final do processo.
Quanto ao preparo, igualmente inexiste dispositivo exigindo-o como requisito para a interposição de recurso eleitoral.
Poder-se-ia contra-argumentar com o disposto no art. 279, § 7º, do Código Eleitoral, que trata do processamento do agravo de instrumento: não se trata aí, porém, de preparo na acepção própria do termo, porquanto o preceito prevê o mero recolhimento do valor relativo às cópias reprográficas dos documentos que acompanharão o instrumento.
De toda sorte, o não pagamento daquela quantia enseja a aplicação da pena de "deserção", com a conseqüente extinção do recurso, conforme já decidiu, em pelo menos uma oportunidade, o TSE. [47]
2.2.2. Regularidade formal
O recurso especial deve ser interposto mediante petição escrita dirigida ao Presidente do Tribunal Regional recorrido, ofertando-se, em anexo, as razões do inconformismo.
Não obstante a exigüidade do prazo para o manejo do especial em matéria eleitoral, incide aqui o princípio da complementaridade, segundo o qual as razões recursais devem vir acompanhadas da peça de interposição, sob pena de preclusão consumativa. [48]
Na seara eleitoral, por outro lado, aplica-se a Lei nº 9.800, de 26 de maio de 1999, que permite às partes a utilização do sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais. [49]
Assim, interposto o apelo via fac-símile dentro do prazo recursal, dispõe a parte de cinco dias para a juntada dos originais. [50]
Além disso, para litigar perante o Tribunal Superior Eleitoral, deve a parte estar regularmente representada em juízo por procurador habilitado, ou seja, advogado inscrito nos quadros da OAB.
A esse propósito, resolveu o TSE:
"Processo no TSE. Recurso interposto de decisão do TRE (Código Eleitoral, art. 276, I). Representação por advogado. É indispensável que a parte seja representada por advogado, quando interpõe recurso para o TSE. ‘A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado.’ (Código de Processo Civil, art. 36, primeira parte). Precedentes do TSE. Recurso especial não conhecido." (ac. nº 12.832-SC, de 26.8.1996, rel. Min. Nilson Naves, pub. sessão).
Note-se que a representação processual já deve chegar regularizada ao TSE, descabendo, naquela Corte, a aplicação do art. 13 do CPC, comando este destinado aos julgadores das instâncias ordinárias. [51]
Importante questão decorre da possibilidade de os partidos políticos designarem delegados para defenderem seus interesses na Justiça Eleitoral. Tais profissionais, que não detêm necessariamente a condição de advogado, estariam habilitados a opor o recurso especial?
Como bem pondera Tito Costa [52]:
"Mais correto se nos afigura entendimento de acordo com o qual a função do delegado de partido é meramente administrativa, em processos de jurisdição graciosa, razão por que se admite, somente aí, possam os atos correspondentes ser praticados por pessoa que não seja advogado."
De fato, conforme permite entrever os arts. 66, 131, 194, § 2º, e 199, § 4º, todos do Código Eleitoral, a atividade dos delegados partidários resume-se basicamente à fiscalização e controle dos serviços de alistamento eleitoral e dos trabalhos de recepção e apuração de votos.
Bem por isso, não podem os delegados dirigir recurso especial ao TSE, salvo se ostentarem também a condição de advogado, caso em que exibirão o imprescindível instrumento do mandato conferido pelo constituinte.
Finalmente, vale salientar que o art. 35, § 2º, do Regimento Interno do TSE permite expressamente a juntada de novos documentos com a petição de recurso, liberalidade esta que não condiz com a natureza dos recursos extraordinários lato sensu, os quais pressupõem esteja a lide definitivamente julgada em termos do conjunto probatório posto nas instâncias inferiores, aí se incluindo, por óbvio, a prova documental. [53]
2.2.3. Tempestividade
A petição de recurso especial deverá ser protocolada no prazo de três dias contado da publicação da decisão que se almeja atacar. [54]
E na hipótese de interposição de embargos declaratórios contra a decisão regional, o prazo recursal seria interrompido ou apenas suspenso?
No processo civil, com o advento da Lei nº 8.950, de 13.12.1994, os declaratórios interrompem a fluência do prazo para a interposição de outros recursos (CPC, art. 538); vale dizer, após o julgamento dos embargos, o prazo recursal começa a correr novamente por inteiro.
O Código Eleitoral, por sua vez, em seu art. 275, § 4º, estabelece textualmente que os embargos declaratórios apenas suspendem o lapso recursal, ou seja, julgados esses, o prazo volta a fluir computando-se o tempo já transcorrido.
Ocorre que o Tribunal Superior Eleitoral, interpretando o dispositivo em comento, confere-lhe aquele mesmo sentido do processo civil, entendendo, assim, que os declaratórios, em verdade, interrompem o prazo recursal.
Resumindo esse pensamento, vale transcrever trecho da ementa do seguinte julgado do TSE:
"Embargos declaratórios. Justiça Eleitoral. Efeito. Suspensão X interrupção. Na dicção da ilustrada maioria, em relação a qual guardo reservas, o teor do § 4º do artigo 275 do Código Eleitoral, embora contendo referência ao fenômeno da suspensão do prazo para recurso, encerra a interrupção, não sendo computados os dias transcorridos até a data em que protocolados. Tese eleita, confirmando antiga jurisprudência da Corte, pelo voto de desempate." (ac. nº 12.071-PA, j. 8.8.1994, rel. Min. Marco Aurélio, pub. sessão). [55]
Data venia, não quer nos parecer acertado semelhante exegese do texto legal, sob pena de configurar verdadeira e inadmissível interpretação contra legem.
Realmente, já se disse, o direito processual eleitoral socorre-se das disposições do processo civil estritamente nos casos de omissão, o que não ocorre na hipótese ora aventada, quando o art. 275, § 4º do Código Eleitoral acolhe expressamente o instituto da suspensão, instituto este, aliás, também presente em outros tipos de procedimentos. [56]
Seja como for, quadra registrar que a interrupção fica condicionada à tempestividade dos embargos declaratórios, ou seja, extemporâneos estes, não se interrompe o prazo para o recurso especial. [57]
Ainda em tema de tempestividade, indaga-se, à vista do disposto no art. 276, § 1º, do Código Eleitoral, se o dies a quo do prazo recursal sempre coincide com a publicação do acórdão que se deseja atacar?
Impõe-se a resposta negativa, mercê de algumas exceções previstas na própria legislação eleitoral.
Com efeito, tratando-se de matéria relativa a direito de resposta disciplinada pela Lei nº 9.504/97 (art. 58, § 5º), reclamações ou representações relativas ao descumprimento do citado diploma normativo [58] (art. 96, § 8º), e processos de impugnação ao registro de candidaturas previstos na Lei Complementar nº 64/90 (art. 11, § 2º), o prazo para a interposição do especial já começa a correr da própria sessão de julgamento do Tribunal Regional, não havendo a necessidade de publicação do decisum no órgão de imprensa. [59]
Destarte, nesses tipos de processos, devem as partes dispensar especial atenção ao início do lapso recursal, acompanhando atentamente as sessões plenárias do TRE, a fim de não terem seus recursos trancados na instância ad quem por extemporaneidade.
Por fim, convém ter presente que o Ministério Público Eleitoral, quer atuando como fiscal da lei, quer sendo parte na relação processual, detém a prerrogativa de ser intimado pessoalmente de todas as decisões judiciais (Código de Processo Civil art. 236, § 2º; Lei nº 8.625/93, art. 41, inciso IV; Lei Complementar nº 75/93, art. 18, inciso II, alínea "h") [60], salvo nos casos regulados pela Lei Complementar nº 64/90, aos quais não se aplica o privilégio processual, por força do disposto em seu art. 16. [61]