Brasil, muito longe dos objetivos fundamentais

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Há uma relutância maciça quanto ao artigo 3º, da CF, de 1988. O Estado social [2ª dimensão dos Direitos Humanos] soa como ação perversa de comunistas

Já escutei muito sobre formações, profissionalizações. No Brasil, do século [mentalidade] XX, quem possui muita formação é considerado "perturbado", "indeciso", "fracassado". Essa mentalidade é arcaica e prejudicial ao desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Até a década de 1960, quando algum indivíduo se formava, atuava na profissão, até morrer na cadeira da empresa. Quem não tinha formação acadêmica era considerado "preguiçoso" ou proletariado, melhor dizendo "burro". Ser funcionário público, antiga terminologia não adotada mais, também não tinha status, pois o setor privado pagava melhor. Aliás, ser funcionário público era sinônimo de "fracassado".

Infelizmente, a cultura brasileira, apesar dos avanços sociais – avançar não quer dizer “tudo maravilhoso” -, ainda é um país preconceituoso, exacerbadamente coeso com pensamento, aristocrático e elitizado, desde o tempo da colonização portuguesa. Diferentemente, por ter a mentalidade de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, os colonizadores norte-americanos se propuseram a construir uma terra livre para todos, consagrando o trabalho, o esforço pessoal, as ideias que pudessem melhorar a qualidade de vida de todos, indiferentemente de raça, credo, etnia, sexualidade.

Claro que, com o tempo, houve escravidão, extermínios de populações nativas, como em qualquer outro local colonizado, alguns com menos atrocidades, mas, se compararmos com o Brasil, as igualdades de direitos foram sempre buscadas, pelos   norte-americanos. Não é à toa, por exemplo, que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão negra - e sob ameaça de canhões da frota inglesa.1

 Com a promulgação da Carta Cidadã, para alguns, Carta Iluminista, de 1988, e a globalização, as estagnadas mentalidades tiveram que se adequar aos novos ventos das mudanças comportamentais. Não foi, e não é, ainda, fácil. Há uma relutância maciça quanto ao artigo 3º, da CF, de 1988. O Estado social [2ª dimensão dos Direitos Humanos] soa como ação perversa de comunistas. Tanto no Brasil, quanto nos EUA, o Estado social vem causando disputas acirradas entre grupos ideológicos.

O assistencialismo do Estado causou espantos quanto à cota negra nas universidades brasileiras. É correto dizer que os negros, no Brasil, só tiveram mesmo acesso, em larga escala, às universidades através dos programas sociais do Estado, graças, claro, ao art. 3º, da Constituição Federal de 1988.

Conforme Matilde RIBEIRO, a situação do negro no Brasil sempre foi penosa:

 “Até o final do século XIX, mais precisamente 1872, o país registrava a existência de leis que proibiam o acesso de negros e negras, livres ou libertos, à escola de qualquer nível, lembrando que a criação dos primeiros cursos de nível superior data do início do século XIX. Daí porque não é a mesma coisa ser branco pobre e negro pobre no Brasil”.2

Dicotomias ideológicas

No Brasil, o PT e o PSDB, nos EUA, os partidos Republicano e Democrata. Nos EUA, os Republicanos acham que o Estado não deve se intrometer muito na vida dos norte-americanos, no Brasil a mesma coisa acontece.

A diferença entre os EUA e o Brasil se deve ao fato de que as desigualdades, naquele, foram combatidas bem antes das políticas brasileiras de igualdade racial, graças a CF/1988. Abraham Lincoln, por exemplo, lutou pela igualdade dos negros – apesar de alguns discordarem das boas intenções de Lincoln. 3  Em 1960, ainda nos EUA, movimentos sociais de indivíduos negros eclodiram.4

Os movimentos sociais de pessoas negras, no Brasil, sempre existiram, todavia, mais cerceados,5 principalmente, antes da CF/1988, pela força de grupos elitizados (aristocracia e oligarquia). Por décadas, as informações, as falas veladas de não discriminações, pelas elites brasileiras – contudo, não são todos os elitizados que são racistas - sobre a condição dos negros no Brasil, em comparação com os preconceituosos norte-americanos, sempre foram mentirosas.

“No Brasil não existem bairros negros e brancos, como nos EUA”. Isso é uma mentira, sem precedentes. Se verificarmos, após o abolicionismo, os negros brasileiros moraram em cortiços, depois, com as reformas urbanísticas no início do século XX, no RJ e SP, os cortiços foram derrubados pelas prefeituras, como forma de expulsar os “desiguais”. Restaram periferias e morros, como moradias.

E o que dizer do setor privado?

Quando se fala em certo controle do Estado sobre a iniciativa privada, logo discursos calorosos se fazem:

“Comunistas”!

A Constituição Federal de 1988 consagrou normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, que têm aplicação imediata (§ 1º, do art. 5º,).6 A mesma Carta Política consagrou a proteção do consumidor pelo Estado (inciso XXXII, do art, 5º), a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal em legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao consumidor (inciso VII, do artigo 24), a existência digna de qualquer cidadão através de uma ordem econômica que assegure a justiça sociais dos consumidores (inciso V, do art. 170) – essa justiça sociais deve se incrustar nos direitos humanos.

Se há comunistas atuando no controle do setor privado, principalmente nos serviços públicos, o presidente dos EUA, sem exceção, é uma comunista de carteirinha. Desde o seu primeiro mandato, o presidente Obama vem combatendo as instituições lobistas, dentro e fora do Congresso.

Ideologias para se viver

Na democracia, o poder emana do povo. Na ditadura o rei manda e desmanda. Na democracia, os administradores públicos devem perseguir e concretizar as vontades dos soberanos, o povo. Na ditadura, o dirigente diz [manda] o que é melhor para o povo. Todavia, mesmo numa democracia, os governantes, quando embasadas nos direitos humanos, não podem acatar plenamente as diretrizes contrárias aos direitos humanos. Estou falando de uma sociedade dividida entre segregações e universalizações de direitos. E é o que o povo brasileiro vivencia. Os direitos sociais são vistos como condutas comunistas, ou totalitárias. Considero totalitarismo quando grupos querem se beneficiar através do sofrimento de seus semelhantes. Ou seja, ditadores gostam de riquezas, poder, mesmo que os direitos humanos sejam sublimados. Não há muita diferença entre absolutismo e ditadura, pois os dois tomam o poder em suas mãos, as riquezas nacionais as direcionam para os seus partidários.

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A democracia se embasa na igualdade de direitos e de oportunidades, sem discriminações quanto à etnia, a sexualidade, ou qualquer forma de discriminação. Há um pensamento, que é o bem de todos. As relações sociopolíticas são reguladas para que se tenha equilíbrio e justiça – tratar os desiguais como desiguais e os iguais como iguais. E na democracia, se confirma o interesse dos administradores públicos pelo povo quando o fim é a retirada dos párias da miséria através de oportunidades de crescimento pela meritocracia, porém sem se descuidar da assistência do Estado. Outro ponto fundamental, a imoralidade administrativa é combatida veementemente pelos dirigentes. Essa, o câncer invisível que mata, distancia o povo da civilidade.

Se o luxo, as mordomias dos dirigentes subtraem os direitos humanos dos soberanos (art. 1º, parágrafo único, da CF), logo há absolutismo. Se há Justiça plena para alguns, enquanto outros se veem órfãos de seus direitos Constitucionais, não há o que dizer de isonomia. Se agente público, se prevalecendo se sua posição hierárquica, ou tipo de cargo que preenche, age com abuso de poder, ou autoridade, não há o que falar em democracia, pois encerra civilidade.

Os problemas brasileiros, e até mundiais, se acentuam pelas disputas de poder (complexo de deus). Poder esse, que levou aos dois conflitos mundiais (Primeira e Segunda Guerras), sendo o último estarrecedor, grotesco, bestial. É preciso um norte, um porto seguro a ser mirado, para o convívio humano pacífico, onde um ser humano privado de direitos básicos, das necessidades básicas, não venha a se perder nas mãos de sádicos, por riquezas e poderes. As “mulas humanas”, a prostituição, os desalentos pelo uso de drogas, como meio de esquecimento à realidade sofredora, não são compatíveis com os direitos humanos.

As antigas denominações etimológicas, ideológicas, não servem mais num mundo que procura materializar os direitos humanos. Denominações que criem conceitos estreitos, que levam aos preconceitos e discriminações. O capitalismo é ruim, assim como o comunismo, o socialismo. Mas todos também são bons, quando se estranhem os bons frutos dos seus sistemas de ideias voltadas ao bem comum.

Só o capitalismo, puro, com conceitos da Revolução Industrial, não traz qualquer benefício aos seres vivos. Só o socialismo, ou o comunismo, onde o Estado direciona a vida dos cidadãos, sem fazer com que eles mesmo possam discernir entre o certo do errado é manter o ser humano na indolência, na estagnação evolutiva de sua psique. A maior riqueza do ser humano é o conhecimento dos fatos históricos da humanidade.

Referências:

1 - Gomes, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil / Laurentino Gomes. — São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

2 - Mitos e controvérsias sobre a política de cotas para negros na educação superior. Bittar, Mariluce; Almeida, Carina E. Maciel de. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n28/a10n28>. Acesso em: 6 nov. de 2014.

3 - A farsa sobre Abraham Lincoln. Instituto Ludwig von Mises Brasil. Disponível em:< http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1532>. Acesso em: 6 nov. de 2014.

4 - A MORTE DE MARTIN LUTHER KING. Edição especial Veja. Disponível em:< http://veja.abril.com.br/historia/morte-martin-luther-king/indice.shtml>. Acesso em: 6 nov. de 2014.

5 - Movimento Negro. Wikipédia.  Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Negro>. Acesso em: 6 nov. de 2014.

6 - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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