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Da legitimidade passiva no mandado de segurança

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SUMÁRIO: 1. Motivação; 2. Autoridade Coatora; 3. Pessoa Jurídica de Direito Público; 4. Pessoa Jurídica de Direito Privado; 5. Conclusão; 6. Bibliografia.


1.MOTIVAÇÃO

Historicamente, o mandado de segurança sempre representou, através dos tempos, meio legítimo e eficaz de fazer valer, o cidadão, seus direitos e garantias frente ao arbítrio do Estado. É forma de imposição de suas liberdades individuais frente ao Estado.

Em tempos em que vivemos, exsurgem com eloqüente freqüência demandas envolvendo, principalmente, questões de servidores públicos, aviltados na sua dignidade, segurados e contribuintes da previdência social e os administrados em geral, igualmente atingidos por uma política econômica e social iníqua em detrimento da sobrevivência e segurança das relações jurídicas.

No limiar dessas legítimas demandas mandamentais é que a Administração Pública tem criado, como via oblíqua de defesa, a cômoda barreira da argüição de ilegitimidade passiva da autoridade apontada coatora.

Insta observar que o Poder Judiciário, não obstante merecedor de críticas outras, continua desempenhando bem o seu papel constitucional, qual seja, a distribuição da Justiça e promoção do bem comum, repudiando veementemente tais risíveis e infundadas argüições, conduzindo à conclusão de que o enfraquecimento do manejo da ação de garantia só interessa àqueles que, no Poder, tendem a ferir direitos e garantias dos cidadãos.


2.AUTORIDADE COATORA

Acerca da definição do que seja autoridade coatora apta a figurar no polo passivo da ação mandamental, dispõe o parágrafo 1º do art. 1º da Lei 1.533/51, que "consideram-se autoridades, para os efeitos desta lei, os representantes ou órgãos dos partidos políticos e os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do poder público, somente no que entender com essas funções"

Todavia, considerando a moderna processualística, tal conceito cede passo em sua literalidade em razão da complexa estrutura administrativa que, confundindo o cidadão, pode levá-lo a erro de indicação, sem que isso importe necessariamente em óbice ao julgamento do writ of mandamus.

Nesse diapasão, pronunciou-se a MMa. Juíza Federal Andréa Cunha Esmeraldo [1]: " A orientação preponderante é no sentido de se considerar escusável eventual erro na indicação da autoridade coatora, para se viabilizar o exercício amplo da garantia constitucional do mandado de segurança, que não poderia restar prejudicado pelo desconhecimento, por parte do Impetrante, da complexa estrutura administrativa."

Vale ainda a transcrição da brilhante lavra do MM. Juiz Federal Guilherme Bollorini Pereira [2]: "A alegação de ilegitimidade dever ser rejeitada. Com efeito, admitindo-se que todo servidor federal, para impetrar mandado de segurança, necessitasse fazê-lo em Brasília, sob a justificativa de que lá estaria centralizado o controle dos descontos efetuados em sua remuneração ou proventos, negar-se-ia à garantia do mandamus instituída pela Constituição da República.

"A ação de mandado de segurança é meio constitucional posto à disposição do cidadão para a proteção de direito líquido e certo lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade. A pretexto de incompetência da autoridade federal investida em cargo de direção da administração regional de pessoal, por haver sido centralizado procedimento de desconto em folha na capital da República, alega-se a ilegitimidade, que, se acolhida em casos como este, obrigaria o cidadão a procurar meios de contratar advogado para atuar em Brasília a fim de propor e acompanhar a ação."

Não se olvide de que tais entendimentos, justos e corretíssimos, têm supedâneo no chamado princípio da garantia da efetividade mínima do texto constitucional, a fim de dar plena efetividade à garantia prevista no art. 5º, LXIX.

É certo ainda que autoridade coatora não é apenas aquela que, efetivamente, pode modificar o ato impugnado, mas também aquela que detém os meios para tal, no entendimento uníssono da jurisprudência. A manifestação que melhor traduz esse entendimento é a do Desembargador Federal Tourinho Neto:

"Autoridade coatora não é exatamente aquela que tem competência para corrigir o ato, mas aquela que dispõe de uma forma eficaz de cumprir a prestação jurisdicional reclamada pelo impetrante" (AMS 95.01.07451, DJ 2-24/6/95, p. 40.090 - Juiz Federal Tourinho Neto, TRF 1ª Região)

Ainda que se possa alegar não ser, eventualmente, a autoridade impetrada a legítima ou a ideal para a consecução do implemento da ordem, tem ela a obrigação legal de, recebendo uma ordem judicial, adotar as providências necessárias ao seu cumprimento, ou seja, enviar ofício ou comunicação ao setor competente, informando da Decisão e requerendo o seu cumprimento.

É que, embora a autoridade apontada não disponha de competência para diretamente corrigir o ato inquinado de ilegal, modificando-o, é de sua competência e dever de ofício encaminhar ao setor competente e ao superior hierárquico todas as ocorrências havidas no âmbito administrativo, v.g. ausências desautorizadas ao serviço, licenças sem vencimentos deferidas, férias, etc., requerendo a criação de rubrica com os dados da alteração a ser processada, é de sua igual competência e dever comunicar também ao superior o recebimento de ordem mandamental para imediato cumprimento.

Assim, corroborando a dicção suso colacionada e esposada pelo Des. Tourinho Neto, in casu, a autoridade apontada não terá competência para corrigir o ato, mas terá meios legais de fazer cumprir a prestação jurisdicional entregue no mandado de segurança.

Ainda nessa esteira, amolda-se a esse entendimento brilhante manifestação ilustre do representante do parquet federal, Dr. Rogério Paiva Navarro [3], que trata do mesmo tema aqui exposto. verbis:

"Faz-se mister salientar a pertinência processual passiva da presente autoridade coatora. O mandamus sempre será dirigido contra aquele que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo judiciário, dispondo de uma forma eficaz para corrigir a apontada ilegalidade"

Por derradeiro, bastante elucidativa é a orientação do Eg. TRF da Segunda Região no julgamento da apelação em MS nº 021132/RJ REG. 97.02.44263-0, 3ª Turma, TRF 2ª Região: "A legitimidade é matéria que deve ser apreciada mesmo de ofício (267, VI e § 3º, do CPC). É legítima a autoridade que, executora do ato impugnado, teria meios e competência para cumprir a ordem determinada no writ."

Nessa esteira, não discrepa a orientação adotada por esta Segunda Região:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE PROVENTOS. LEGITIMIDADE.

I- Sem dúvida que a autoridade que representa o Ministro da Educação neste Estado, especialmente quanto à área de recursos humanos, é a indicada nos autos.

II- Em sede de direitos e garantias sociais, tanto a coação ou lesão ao direito do servidor pode ser afrontado por ato direto do detentor da pasta Ministerial, quanto seu representante nas regiões que o executa. (AMS. 97.02.19671-0/RJ, 1ªT. Rel. Desª. Julieta Lídia Lunz, j.28.04.98, DOU 20.08.98)

Outra questão de relevo, mas que já restou pacificada no âmbito da Corte Superior de Justiça, é quando a autoridade indicada no polo passivo da demanda mandamental, vem aos autos para argüir sua ilegitimidade e, ao mesmo tempo, defender a legalidade do ato. Nesse momento, ao defender a legalidade do ato, torna-se legítima para por ele responder. É o que restou assentado pela primeira seção no julgamento do MS 4.085/DF. Vejamos:

"Para figurar no polo passivo da ação de segurança, autoridade coatora é aquela que ordena, que determina ou pratica o ato, ou ainda a que defende a prevalência deste (ato coator), assumindo, embora a posteriori, a posição de coator"(STJ 1ª seção, MS 4.085/DF, rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 10.11.97).


3.PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO

Como ressabido e bem colocado por Hely Lopes Meirelles [4], autoridade é toda pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal.

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Todavia, a questão da legitimidade não se exaure de forma tão simples. Ousamos discordar parcialmente do pranteado mestre administrativista, para afirmar que a pessoa física legitimada a figurar no polo passivo da relação processual, denominada autoridade coatora é mera representante processual da pessoa jurídica de direito pública que representa ou a que está vinculada.

E isso em razão de que jamais se impetrará mandado de segurança para impugnar ato pessoal daquela autoridade enquanto despida do poder decisório inerente ao exercício de sua função pública, é dizer que sempre se estará impugnando um ato praticado por autoridade, mas em favor ou em nome da administração pública, jamais agindo a autoridade como particular.

Daí nossa afirmação de que quem realmente figura no polo passivo da relação processual é a pessoa jurídica de direito público, representada pela autoridade que praticou ou detém meios de corrigir o ato vergastado.


4.PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO

Ainda Hely Lopes Meirelles [5], assevera que as pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas pelo Poder Público tem plena legitimidade para figurar na relação processual no mandado de segurança, integrando o polo passivo.

Igual entendimento, hoje pacífico, foi esposado pelo extinto Tribunal Federal de Recursos [6]: "É hoje pacífica a admissibilidade de mandado de segurança contra diretor de estabelecimento particular de ensino superior, no exercício de função delegado do poder público"

Restou então pacificada a questão coma edição do verbete 510 da súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: "Praticado o ato por autoridade, no exercício de função delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou medida judicial"

Grifamos a palavra "ela" para, concessa máxima vênia, discordar da redação da súmula, jamais do seu teor. Com efeito, ao dizer que contra ela(autoridade) cabe o mandado de segurança, se está personificando o ato na pessoa da autoridade. Assim a impetração seria dirigida contra a autoridade e não contra o ato em si. Entendemos que a melhor e mais feliz grafia seria "ele" (ato) e não ela(autoridade). Desta forma a leitura da súmula seria, uma vez praticado o ato por autoridade(...) contra "ele" (ato) cabe mandado de segurança.

É que, como já afirmamos, a impetração visa desconstituir, impugnar um ato arbitrário, ilegal e lesivo ao direito subjetivo da parte, então, é dizer que o que deve ser impugnado é o ato em si e não a autoridade.

Note-se que a melhor técnica processual recomenda a impetração nos seguintes termos "(...) vem impetrar mandado de segurança em face(não contra) de ato praticado pelo Sr. Delegado da Receita Federal no Rio de Janeiro..."

Dessarte, não há distinção entre ato praticado por autoridade pública e ato praticado por particular no exercício de delegação do poder público que seja de molde a obstar o manejo da ação de garantia, uma vez provada a certeza e liquidez do direito lesado ou ameaçado de lesão.


5.CONCLUSÃO

O que este estudo pretende deixar claro é a possibilidade de sempre poderem os cidadãos se socorrerem de um remédio constitucional forte e eficaz, apto a produzir os efeitos a que se destina, sem que seja tolhido ou limitado por preliminares de ilegitimidade passiva inadmissíveis num Estado Democrático de Direito, sem o qual nenhuma sociedade será suficientemente livre, justa, solidária, desenvolvida, séria e capaz.


BIBLIOGRAFIA

ESMERALDO, Andréa Cunha; MS 97.010170-1/RJ;

JÚNIOR, José Cretella; Comentários à Lei do Mandado de Segurança, Forense, 9ª edição;

MACIEL, Adhemar Ferreira; Mandado de Segurança-Direito Liquido e Certo, artigo publicado na Revista do STJ Edição Comemorativa 10 anos;

MEIRELLES, Hely Lopes; Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data. Malheiros, 17ª edição;

NAVARRO, Rogério Paiva; MS 97.010170-1/RJ;

NEGRÃO, Theotônio; Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, Malheiros, 24ª edição;

PEREIRA, Guilherme Bollorini; MS 96.0073465-8/RJ;

REMÉDIO, José Antônio; O Mandado de Segurança na Jurisprudência, Saraiva;

ROCHA, Francisco César Asfor; Honorários Advocatícios em Mandado de Segurança, revista do STJ. Edição Comemorativa 10 anos;


NOTAS

1In MS 97010170-1/RJ.

2 Nos autos do MS 96.0073465-8/RJ

3in MS 970101470-1.

4 Mandado de Segurança, Ação Popular......Malheiros, 17ª edição.

5 Op. Cit

6 in RT 496/77:

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Sobre o autor
Marcelo Roque Anderson Maciel Avila

Advogado no Rio de Janeiro. Membro Efetivo do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros. Pós-Graduado em Direito Administrativo e Administração Pública. Autor dos Livros: Advogando contra a Administração Pública; A Garantia dos Direitos Fundamentais frente as Emendas Constitucionais; Estudos em Direito Público; Manual da Legitimidade Passiva no Mandado de Segurança e Teoria e Pratica do Mandado de Segurança. Além de diversos artigos científicos publicados em Revistas Jurídicas, como LEX; (STF e STJ) e Revista dos Tribunais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AVILA, Marcelo Roque Anderson Maciel. Da legitimidade passiva no mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 469, 19 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5816. Acesso em: 10 mai. 2024.

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