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Eficiência administrativa na Constituição Federal

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01/02/2001 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução. 2. Elementos para a caracterização da eficiência administrativa como princípio. 3. Conteúdo jurídico da eficiência administrativa. 4. Aspectos polêmicos do controle judicial da eficiência administrativa. 5. Notas finais. Notas. Bibliografia.


1. Introdução

As recentes alterações que o texto constitucional recebeu, através da Emenda Constitucional nº 19/98 (conhecida como "reforma administrativa" pela mídia e, "emendão" pelos estudiosos do direito público), têm constituído uma nova fonte de desafios para aqueles que aprenderam a amar o direito administrativo.

Junto com a Emenda Constitucional nº 19/98, estamos assistindo a todo um processo de mudança no perfil de administração pública que tínhamos no Brasil. Fala-se em desburocratização, desregulamentação e, em alguns casos, até de desconstitucionalização. Estamos assistindo a introdução de novos entes e institutos na administração pública, como as organizações sociais, as agências executivas, o contrato de gestão etc.

Dentre as mudanças no texto constitucional, observamos com bastante interesse a nova redação do caput do art. 37 da Constituição Federal. Encontra-se agora no texto da Lei Maior:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)" (grifo nosso).

A introdução expressa do princípio da eficiência, ao nosso ver, fez-se para tentar oferecer respostas às acusações de praxe contra a administração pública brasileira, tais como a corrupção, nepotismo, baixa qualidade dos serviços públicos, estabilidade do servidor como mordomia, salários exorbitantes etc. O cidadão brasileiro sempre se ressentiu dos serviços públicos que lhe são oferecidos, denunciando continuamente a ineficiência destas atividades estatais através da mídia. Por mais que se faça acusações à imprensa brasileira, quanto à sua conduta no processo de reformas que o Estado e o Direito brasileiros vêm passando, muito do que se denunciou e criticou na mídia representa um eco a todo esse conjunto de frustrações.

O que não deixa de ser um exemplo claro do que Marcelo Neves(1) aponta como legislação-álibi, ou seja, quando o legislador procura atenuar as pressões sócio-políticas ou tenta se apresentar como sensível às necessidades sociais.

Muitas vezes se recorre ao Poder Judiciário em busca de providências em razão da resistência à ação da administração pública. Mas, em termos jurídicos, é possível o Poder Judiciário invalidar um ato administrativo por que este teria ofendido ou pode ofender o princípio da eficiência? O princípio da eficiência basta para invalidar um ato administrativo?

O objetivo desse trabalho é o de identificar a função jurídica da eficiência administrativa, bem como o de propor um conteúdo possível para este preceito. Não se trata de esgotar o assunto, mas sim tecer algumas impressões iniciais sobre a matéria.


2. Elementos para a caracterização da eficiência como princípio.

Toda a atividade estatal está submetida ao ordenamento jurídico vigente, que é composto de princípios e regras que orientam as relações jurídicas entre a administração pública e o cidadão.

Os princípios constitucionais são expressões normativas consolidadas a partir dos valores (fundamentos constitucionais(2)) ou fins (diretrizes constitucionais(3)) constitucionais, que garantem a coerência, a unicidade e a concreção de todo o ordenamento jurídico. São normas constitucionais hierarquicamente superiores às regras constitucionais(4).

A quebra de um princípio jurídico basta para invalidar todo e qualquer ato do Estado, pois como bem leciona Celso Antônio Bandeira de Mello(5):

"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".

O princípio da eficiência vem expresso na Constituição Federal reformada. Quando um princípio jurídico é encontrado por disposição expressa no texto legal, constitui norma plenamente exigível e concretizável, vinculando imediatamente o agente público e o cidadão. No caso dos princípios jurídicos implícitos no ordenamento jurídico, é preciso a sua apreensão doutrinária e jurisprudencial, somente encontrando concretização viável quando indicado e imposto pela decisão judicial.

A eficiência administrativa pode ser aceita como princípio na medida em que viabilize a invalidação de qualquer ato do Estado atentatório aos seus ditames. O conteúdo jurídico do princípio constitucional variará consoante o tratamento que lhe for dado, bem como o alcance e o peso relativo que lhe for atribuído, dentro do ordenamento jurídico posto(6).

Nem sempre o fato do legislador atribuir, numa interpretação literal do texto jurídico, a condição de princípio a um preceito indica necessariamente que ele o será. O princípio jurídico é uma norma jurídica, forte e poderosa o suficiente, sem necessidade de uma regra ou outro princípio que o explique, para determinar a validade ou a invalidade de regras e atos jurídicos. Os princípios não são criados pela doutrina ou pela jurisprudência, mas sim identificados no ordenamento jurídico(7).

Não raras vezes se confunde um fundamento ou uma diretriz com um princípio jurídico. A cidadania, por exemplo, não é um princípio jurídico, mas sim um fundamento constitucional a ser concretizado por via normativa. É possível invalidar um ato do Estado argumentando tão somente a cidadania? Essa mesma pergunta deve ser feita se atribuir ou não à eficiência administrativa o caráter de princípio.

Isso não implica em dizer que estamos menosprezando a função jurídica da cidadania. Como fundamento constitucional, tem a função normativo-jurídica de, ao lado de sua função político-simbólica, servir de padrão axiológico para operador jurídico, na construção e concretização do ordenamento jurídico(8).


3. Conteúdo jurídico da eficiência administrativa.

3.1. Natureza jurídica da eficiência administrativa.

Consoante Adílson de Abreu Dallari(9), "o Poder Público somente cuida daquilo que é essencial e fundamental para a coletividade, e que, portanto, deve ser bom, produtivo, eficaz, eficiente", constituindo a reclamação pela eficiência da administração pública um direito subjetivo do administrado. Como lembra Alexandre de Morais(10), o administrado "poderá exigir da Administração Pública o cumprimento de suas obrigações da forma mais eficiente possível".

Há respeito à eficiência quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e, por vias lícitas. Quando o administrado se sente amparado e satisfeito na resolução dos problemas que ininterruptamente leva à Administração. O princípio da eficiência administrativa estabelece o seguinte: toda a ação administrativa deve estar orientada para a concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo.

A ânsia de se alcançar as metas legalmente estipuladas pode, não raras vezes, induzir ao administrador à indevida "flexibilização" das normas que regulam o procedimento administrativo previsto para o caso concreto. O caso recente dos grampos telefônicos de conversas reservadas dos responsáveis pelo processo de privatização em curso demonstram que o argumento da "eficiência" também pode servir para a quebra do ordenamento jurídico.

Somente há o respeito e a observância do princípio da eficiência administrativa quando o administrador respeita o ordenamento jurídico, mesmo diante de finalidade legal efetivamente atingida. Por mais que esteja bem intencionado o administrador, este não pode afastar os preceitos do regime jurídico-administrativo sob o argumento de que os mesmos atrapalham o próprio interesse público.

Alexandre de Morais(11) o define do seguinte modo:

"(...) é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços públicos sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum".

Aceitação do princípio da eficiência encontra resistência na doutrina, talvez porque uma das razões apontadas para sua indicação expressa no texto constitucional reformado tenha sido a de tornar a estabilidade dos servidores públicos mais frágil. Maurício Antônio Ribeiro Lopes(12) se opõe ao caráter principiológico e jurídico da eficiência administrativa, afirmando:

"Inicialmente cabe referir que eficiência, ao contrário do que são capazes de supor os próceres do Poder Executivo federal, jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido - salvo se deixou de ser em recente gestão pública - finalidade da mesma Administração Pública. Nada é eficiente por princípio, mas por conseqüência (...)

Trata-se de princípio retórico imaginado e ousado legislativamente pelo constituinte reformador, sem qualquer critério e sem nenhuma relevância jurídica no apêndice ao elenco dos princípios constitucionais já consagrados sobre Administração Pública".

E, caminhando em sentido similar, Celso Antônio Bandeira de Mello(13):

"Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto".

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Ou, na visão de Lúcia Valle Figueiredo(14):

"É de se perquirir o que muda com a inclusão do princípio da eficiência, pois, ao que se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência administrativa para seus cometimentos".

A eficiência, ao nosso ver, constitui sim princípio jurídico da administração pública, que, junto aos demais princípios constitucionais do regime jurídico-administrativo, impõe o dever da boa administração. Não se pode conceber uma administração pública que não tenha a obrigação de ser diligente e criteriosa na busca e efetivação do interesse público consagrado em lei(15). O princípio da eficiência administrativa têm bastante relevância quando se apura o respeito à ordem jurídica quando se está diante da discricionariedade administrativa.

Discricionariedade administrativa constitui uma prerrogativa concedida pelo direito positivo à administração pública que lhe permite inserir, de modo controlado e delimitado, critérios de conveniência e oportunidade na formação da "vontade" administrativa. Ocorre quando: a lei estabelece expressamente mais de uma opção para a ação administrativa no caso concreto; ou, omite-se em fixar o motivo ou objeto do ato administrativo; ou, por fim, quando são empregados no texto normativo termos com larga dimensão semântica - os "conceitos jurídicos indeterminados" - e, se e somente se, for materialmente impossível para o Poder Judiciário fixar a melhor interpretação para a situação jurídica posta sob sua apreciação(16).

É certo que a eficiência é uma finalidade de toda ação administrativa, mas nada impede que o constituinte, o legislador ou o reformador estabeleçam novas figuras principiológicas ou reconheça expressamente o que a doutrina e/ou a jurisprudência identificava como princípios implícitos no sistema constitucional.

O texto constitucional já fazia referência a eficiência em outros pontos do documento jurídico-político fundamental(17). Ao instituir o controle interno dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o art. 74, da Lei Maior, diz-nos o seguinte (grifo nosso):

"Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

(...)

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado".

A doutrina também já mencionava a eficiência ao tratá-la como requisito fundamental do serviço público(18); ou como um aspecto relevante para a aferição da razoabilidade na discricionariedade administrativa(19).

Para que a eficiência seja considerada princípio, é preciso que a sua violação baste para invalidar a conduta administrativa, sem a necessidade de regra. O princípio deve ser suficiente para eliminar o atentado ao seu conteúdo, pois, do contrário, não pode ser enquadrado em tal categoria.

3.2. Eficiência administrativa e outros princípios constitucionais.

Alexandre de Morais(20) coloca a transparência, a imparcialidade, a neutralidade como "características" do princípio da eficiência. Discordamos.

A transparência está vinculada ao princípio da publicidade e ao princípio da motivação. Sem transparência, não há controle jurisdicional viável da administração pública, constituindo uma exigência da cidadania.

A imparcialidade e a neutralidade são determinadas pelo princípio da impessoalidade ou finalidade. Este determina que somente uma finalidade pública pode ser o norte da ação administrativa, e tais deveres do administrador são imprescindíveis para o cânone teleológico do regime jurídico-administrativo. Mas o conceito proposto de eficiência administrativa não se aproxima com noção de finalidade?

Sim, evidente que sim. Contudo, enquanto que no princípio da eficiência administrativa, determina-se que a ação material da administração pública deve atingir efetivamente, e de modo lícito, a finalidade legal, o princípio da finalidade esclarece que o ato administrativo somente pode ter uma finalidade pública, estabelecida em lei A impessoalidade veda uma finalidade estranha ao interesse público na ação administrativa; já a eficiência administrativa, a falha da administração em atingir o fim legal.

Eficiência administrativa e moralidade também guardam elos fortes de ligação. Somente há obediência ao dever da boa e eficiente administração quando há o respeito à moral administrativa.

A eficiência administrativa tem bastante relevância no controle de proporcionalidade dos atos administrativos. Apesar da precariedade do controle judicial de eficiência, este elemento é muito importante para a aferição da presença dos requisitos de necessidade, adequação e razoabilidade na formação do ato administrativo.

Os princípios jurídicos não devem ser encarados como compartimentos estanques, incomunicáveis. É preciso que o operador jurídico compreenda que os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência são elementos que devem ser conjugados para o melhor entendimento do regime jurídico-administrativo.

Todavia, apesar do conteúdo principiológico do regime jurídico-administrativo exigir coerência, unidade e aplicabilidade, pois mesmo havendo a necessária interdependência entre os princípios constitucionais da administração pública, é preciso que esteja assegurado a cada preceito, um conteúdo e uma finalidade distinta. Do contrário, a argüição do princípio no caso concreto perde sua utilidade prática.

3.3. Direito de participação do administrado na gestão dos serviços públicos

A Emenda Constitucional nº 19/98 declarou o direito de participação dos administrados na gestão dos serviços públicos, tanto na administração pública direta como na administração pública indireta, determinando que a lei deve instituir formas que o viabilizem(21). O reformador ainda estabeleceu, quanto a esse direito subjetivo do cidadão:

a) Direito de reclamação contra a ineficiente prestação de serviços públicos, estabelecendo ainda a Constituição reformada a garantia da manutenção dos serviços de atendimento do usuário e da avaliação períodica, externa e interna, da qualidade dos serviços(22);

b) O direito de acesso dos usuários dos serviços públicos a registros administrativos e a informações sobre "atos de governo"(23);

c) E, por fim, o direito de representação contra o exercício negligente ou abusivo do cargo, emprego ou função na administração pública(24).

O regime jurídico-constitucional da administração pública segue a tendência do direito administrativo contemporâneo, que determina o "abandono da vertente autoritária para valorizar a participação de seus destinatário finais quanto à formação da conduta administrativa"(25). O direito subjetivo do administrado à participação tem forte ligação com o princípio da eficiência, constituindo sua instituição e as garantias constitucionais nele inspiradas um grande instrumental jurídico para a concretização normativa da eficiência(26). Quem melhor senão o próprio destinatário do serviço público para determinar se existe materialmente a conciliação entre a prática administrativa e o ditame constitucional da eficiência?

Constitui, sem dúvida, um dos pontos positivos da reforma administrativa engendrada pela Emenda Constitucional nº 19/98. Resta saber que, haja vista boa parte dessas benéficas inovações depender expressamente de regulamentação infraconstitucional, se haverá vontade política, por parte dos titulares do Poder Legislativo e do Poder Executivo, de efetivamente concretizá-las; assim como, quando vier a legislação que se espera, se ela refletirá um progresso real na busca do acesso à administração pública democrática.

3.4. Quebra da estabilidade do servidor público

É sob a ótica da eficiência, que a agora se permite a quebra da estabilidade do servidor público por insuficiência de desempenho(27). Tal matéria inequivocamente depende de regulamentação infraconstitucional. É preciso que essa legislação observe as garantias do contraditório e da ampla defesa, bem como, que assegure ao servidor público critérios objetivos e claros para aferir a eficiência de sua conduta funcional.

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Sobre o autor
Vladimir da Rocha França

advogado em Natal (RN), professor da UFRN e da Universidade Potiguar, mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE), doutor em Direito do Estado pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Vladimir Rocha. Eficiência administrativa na Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/344. Acesso em: 21 nov. 2024.

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