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Indenização por dano moral decorrente de acidente de trânsito:

parâmetros para a fixação do quantum devido

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01/11/2002 às 00:00
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4.0 DISCUSSÃO

Com relação a utilização de dispositivos normativos como fundamentação, percebe-se poucas menções feitas à legislação nos acórdãos. O Código Civil, em seus art. 159 e 1521, inciso III, foram os que tiveram maior incidência, mas estes dispositivos não tratam especificamente da forma de fixação do quantum devido.

Quanto aos argumentos jurisprudenciais e doutrinários utilizados, tiveram as maiores incidências: a condição econômica/social das partes (66,66%), a culpa do agente (50,00%) e a gravidade, intensidade e duração da lesão (50,00%).

Tais argumentos foram inspirados na nomenclatura constante à Lei de Imprensa e no Código Brasileiro de Telecomunicações. Estas normas, apesar de terem sido criadas especificamente para as matérias sobre os quais versam, são amplamente utilizadas atualmente, qualquer que seja a natureza da lesão que originou o dano moral, ante a inexistência de quaisquer outros parâmetros para a fixação do quantum.

Com a comparação dos dados referentes as Fichas 07 e 09 do Quadro 1.0, observa-se que ambas utilizam-se de argumentos jurisprudenciais como a condição econômica/social das partes, a culpa do agente e a gravidade e duração da lesão, e tratam de indenização pela morte de um ente querido. A indenização descrita à Ficha 07, foi arbitrada em R$ 60.000,00 e na Ficha 09, fixou-se o quantum de R$ 18.000,00.

Porque a dor descrita em um caso merece ser indenizada em mais de três vezes o valor constante em outro? Quais são os critérios que possibilitam esta variação em meio a lesões idênticas, vez que em ambos os casos as vítimas vieram a falecer?

Esta grande diferença entre indenizações de lesões semelhantes é muito relevante. Como se trata de dano incomensurável a indenização nunca será completamente reparatória e sim compensatória, assim a quantia paga a título de indenização ao ofendido não importa. Deve-se priorizar é que não exista esta injusta diferença entre quantuns indenizatórios correspondentes a lesões semelhantes.

Esta variação gravíssima desrespeita o princípio constitucional de que todos serão iguais perante a lei e provoca inquietação social. É do próprio fundamento do Direito, o objetivo de pacificação social. Ele surge como um sistema de normas que tem por objeto ajustar os comportamentos sociais às expectativas socialmente estabelecidas. Mediante a atual situação do arbitramento de indenizações por dano moral, é importante admitir que o Direito não está cumprindo integralmente esta função.

Com a fixação de valores efetivamente exagerados, e pior, com a grande diferença monetária entre as indenizações oriundas de lesões semelhantes, instalou-se uma "indústria do dano moral", onde algumas indenizações ora não atingem a dimensão do dano causado e ora acarretam um enriquecimento indevido do lesado.

Segundo ESPEN (2001:1), tal fenômeno além de provocar esta inquietação social, ante indenizações mais generosas a uns do que a outros, estimula demandas que se iniciam unicamente pelo desejo de se beneficiar desta "loteria jurídica".

A grande causa de tal divergência entre os quantuns indenizatórios arbitrados é a falta de critérios mais objetivos e específicos para cada tipo de lesão causadora de dano moral. No intuito de mitigar tal quadro segue uma proposta que pretende sugerir critérios que podem ser considerados no momento do arbitramento.

4.1 PROPOSTA DE QUANTIFICAÇÃO PECUNIÁRIA PARA FIXAÇÃO DO DANO MORAL POR ACIDENTES DE TRÂNSITO

Nas indenizações por danos morais, a legislação não estabeleceu critérios para a fixação do quantum devido, relegando apenas ao prudente arbítrio do Juiz.

Para fundamentar sua decisão, o juiz atualmente se utiliza analogicamente de outras legislações como a Lei de Imprensa. Tal operação é possível graças a analogia, que está descrita no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Com os resultados obtidos, percebe-se que os critérios apresentados por esta legislação não são adequados para a fixação do dano moral no acidente de trânsito. Tal motivação leva a propor a utilização, ainda valendo-se da analogia, de outra legislação que guarda maior semelhança para com o caso em versa.

A proposta abaixo não pretende transformar a indenização num sistema tarifário fechado que cerceie o livre convencimento do Juiz, vez que certo subjetivismo na liquidação do dano moral é inevitável pela própria natureza da prestação. Pretende-se criar uma faixa de atuação, que possa facilitar o arbitramento do quantum.

Considera-se que o lesado sofreu dano moral, entendido como sofrimento, de acordo com os item 1.1 e 1.2 deste artigo e que o mesmo já foi indenizado por quaisquer outros danos materiais decorrentes da própria lesão moral.

No direito do trabalho, no que se refere a infortunística acidentária, o Ministério do Trabalho editou a Portaria n.º 33 de 27/10/83, que alterou a Norma Regulamentadora n.º 05 aprovada pela Portaria n.º 3214, de 08/06/78, que quantifica o dano físico e o correspondente quantum indenizatório de acordo com a lesão:

Quadro 2.0 - Extrato do Quadro de Dias Debitados - Mtb - Quadro 1-A

NATUREZA

AVALIAÇÃO PERCENTUAL*

DIAS DEBITADOS**

Morte

100

6.000

Incapacidade Total e permanente

100

6.000

Perda da visão de ambos os olhos

100

6.000

Perda da visão de um olho

30

1.800

Perda do braço acima do cotovelo

75

4.500

Perda do braço abaixo do cotovelo

60

3.600

Perda da mão

50

3.000

Perda do primeiro quirodático (polegar)

10

600

* Avaliação Percentual causado do organismo do indivíduo

** Dias Debitados é calculado de acordo com o valor do salário do indivíduo correspondente a um dia trabalhado

Este quadro retrata a indenização devida ao empregado que sofre algum acidente durante o trabalho, podendo seu quantum variar de acordo com o grau da lesão e conforme o último salário que o mesmo percebia, considerando dias debitados o valor correspondente a quantia paga por cada dia trabalhado.

A indenização prevista neste Quadro visa restituir ao trabalhador o percentual da força de trabalho que perdeu, (no caso das mutilações), ou da família que perdeu o provedor de seu sustento.

Diante disso, é razoável que a indenização varie de acordo com o salário da vítima. No caso da indenização por dano moral, entendido como sofrimento, não nos parece adequado utilizar como base de cálculo o salário do lesado, isto porque a posição econômica do ofendido não é critério relevante para a fixação do quantum.

É pouco recomendável que um indivíduo que percebe um salário maior tenha direito a uma indenização superior, porque o sofrimento deste não pode "valer" mais do que o sofrimento daquele trabalhador que percebe um salário mínimo.

Tal inconveniente, entretanto, não desnatura a validade do Quadro descrito. Ele estabelece critérios precisos de acordo com a parte do corpo que foi lesionada e a incapacidade dela decorrente. A perda de cada parte do corpo acarreta danos distintos, o dano moral deve ser proporcional. Este Quadro faz claramente a seguinte relação:

Perda da mão= 3.000 vezes um valor X

Perda do braço= 4.500 vezes esse valor X

Morte = 6.000 vezes esse valor X

Perda do Polegar= 600 vezes esse valor X

Esses parâmetros é que dificilmente são estabelecidos pelo Juiz.

Desta feita, propõe-se que o cálculo seja feito da seguinte forma:

a) Deve-se utilizar como base de cálculo o maior salário mínimo vigente no país.

Para justificar tal afirmação pode-se valer, além do argumento de que o sofrimento da vítima é igual independente do salário que percebia; dos precedentes legislativos do Código Brasileiro de Telecomunicações e da Lei de Imprensa que estabelecem valores indenizatórios utilizando essa base de cálculo.

Pode-se valer ainda da construção de várias jurisprudências (RTJ 38/591, RTJ 39/499, RTJ 40/413, RTJ 42/612, RTJ 45/421, RTJ 46/420), citadas por REIS (1999:139), onde a Suprema Corte de Justiça consolidou o seu entendimento (Súmula 490) adotando o maior salário mínimo como base de cálculo.

b) Assim considerando o maior salário mínimo vigente no país, como valor base para o quantum indenizatório, este variará de acordo com a consideração de algumas circunstâncias subjetivas inevitáveis. Pretende-se visualizar, um sistema de atenuantes e agravantes semelhantes aos disposto no Art. 61 e 65 do Código Penal:

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- em caso de MORTE DA VÍTIMA, uma vez calculada a pena indenizatória base, dever-se-ia considerar as seguintes circunstâncias:

1. Situação econômica do lesante. Isto porque é inócuo condenar uma pessoa a efetuar o pagamento de um valor indenizatório, que jamais terá condições financeiras.

2. Exame psíquico feito nos parentes da vítima que pretendem a indenização. Utilizado apenas para verificar o grau do dano deixado no indivíduo pela perda do "alegado" ente querido, podendo ser dispensado quando flagrante ou presumido o vínculo afetivo.

3. Sofrimento da vítima. O sofrimento da vítima com queimaduras ou outras seqüelas, no ato do acidente poderia acarretar um aumento do quantum indenizatório base.

4. Culpa da vítima. Se a vítima concorreu com sua imprudência ou imperícia para a ocorrência do acidente, deve-se diminuir o quantum indenizatório base.

5.Culpa do lesante. Se o lesante estava dirigindo embriagado ou infringiu qualquer lei de trânsito que deu causa ao acidente, pode-se agravar a indenização.

6. Comportamento do lesante após a ofensa. Se o lesante socorreu a vítima, providenciando atendimento médico, para minorar o sofrimento da mesma deve merecer uma redução na indenização. Do contrário a pena poderia sofrer aumento.

- em caso de LESIONAMENTO E /OU ALEIJAMENTO DA VÍTIMA:

Além das circunstâncias correspondentes aos n.º 1, 3, 4, 5 e 6, devem ser consideradas as seguintes circunstâncias.

7. Exame psíquico do lesado para perceber o grau de lesão. Há exemplo do item n.º 2, também poderia ser dispensável no caso de lesão evidente ou presumida.

8. Se o membro perdido era imprescindível para a realização do Ofício que o lesado desenvolvia. São os casos de aumento da indenização, por exemplo, de uma cicatriz no rosto de uma modelo, perda de uma perna de uma bailarina famosa e etc.

Enfim, apresentou-se aqui, uma proposta de quantificação pecuniária para fixação do dano moral por acidentes de trânsito, que procura mesclar critérios objetivos que limitem o livre arbítrio do juiz, com critérios subjetivos, para que não se faça apenas um sistema tarifário injusto é inútil para a fixação do dano moral. Pretende-se que esta faixa de atuação possibilite indenizações mais coerentes com as lesões sofridas e principalmente semelhantes para o casos de lesões análogas.


5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a análise dos dados verificou-se que o Código Civil (art. 159 e 1521), foi o embasamento legal utilizado com maior freqüência. Os argumentos jurisprudenciais e doutrinários mais importantes, foram: a condição econômica/social das partes, a culpa do agente e a gravidade, intensidade e duração da lesão.

Estes dados não podem ser considerados como parâmetros para a fixação do quantum devido a título de dano moral nos acidentes de trânsito, ora pela baixa freqüência dos mesmos entre os julgados analisados, ora pela ocorrência de grandes diferenças entre indenizações que foram fixadas com o mesmo fundamento.

Assim deve-se afirmar que no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, no Ano de 2000, os julgados que atenderam aos requisitos da amostra não apresentaram qualquer parâmetro utilizado por seus Ilustres Julgadores para a fixação do quantum devido na indenização por dano moral por acidente de trânsito.

É por isso que a proposta de quantificação pecuniária para fixação do dano moral por acidentes de trânsito, descrita no item 4.1 é relevante, vez que pretende acrescentar parâmetros objetivos, no sentido da criação, não de parâmetros rígidos que engessem o livre arbítrio do juiz, mas de uma faixa de atuação que possa auxiliá-lo na tarefa de arbitrar a indenização por dano moral.

Estas constatações foram satisfatórias, pois possibilitaram a verificação prática de como vem se dando o arbitramento das indenizações por dano moral nos acidentes de trânsito no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

A proposta apresentada vem com o condão de colaborar para que se possa distinguir as reais indenizações motivadas pelas lesões experimentadas pelas vítimas, das pretensões de enriquecimento sem causa.

Espera-se estar contribuindo para as reflexões sobre a influência do arbitramento do dano moral na sociedade, no sentido de que o Direito possa continuar exercendo seu papel de pacificador de condutas e de regulador da realidade social.


6.BIBLIOGRAFIA

CERVO, Amado Luiz e BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia Científica. 4ª Edição.

São Paulo: Makron Books, 1996

ESPEN, Délcio Antonio. Dano moral e a desagregação social. Revista Direito &

Justiça - Revista da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul. V.21, N.20. 1999, p. 117-132

REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1999

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil - Responsabilidade Civil. Volume 4. 14ª Edição.

São Paulo: Saraiva, 1995

SANTINI, José Rafaelli. Dano Moral - Doutrina e Jurisprudência. Leme-SP:

Editora de Direito, 1997

SILVA, Antônio Cassemiro da. "A fixação do quantum indenizatório nas ações por

danos morais". Artigo - Jus Navigandi n.º 44. Internet:www.jus.com.br, 2000

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Sobre a autora
Marina Soares Vital

bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAL, Marina Soares. Indenização por dano moral decorrente de acidente de trânsito:: parâmetros para a fixação do quantum devido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3458. Acesso em: 16 abr. 2024.

Mais informações

Monografia elaborada como requisito à obtenção do título de bacharel em Direito, com a colaboração dos professores Dr. Ivo Antônio Vieira (pesquisador colaborador, orientador metodológico) e Dr. Marcos Prado de Albuquerque (professor da Faculdade de Direito da UFMT, orientador responsável pelo projeto).

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