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A introdução da doutrina norte-americana do "punitive damage" no sistema jurídico brasileiro para a avaliação das indenizações por danos morais

01/11/2002 às 00:00

Resumo:


  • O dano moral é reconhecido como um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido inserido na Constituição Federal de 1988.

  • Antes da Constituição de 1988, o Brasil resistiu em reconhecer a indenização por danos morais, o que prejudicou a tutela dos direitos civis e a ideia de cidadania no país.

  • Atualmente, as indenizações por dano moral podem ser cumuladas com as indenizações por dano material, sendo a fixação do valor indenizatório uma questão complexa que envolve critérios de proporcionalidade, razoabilidade e a natureza punitiva do dano moral.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Dano Moral Enquanto Elemento Difusor da Cidadania

O dano moral encontra-se previsto no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, cuja dicção é a seguinte:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação;

O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a indenização por dano moral, considerando tema de status constitucional, mais precisamente, direito fundamental.

Nem sempre foi assim. No mundo como um todo, somente os danos patrimoniais eram sujeitos a reparação, tratando-se de um dos princípios fundamentais do Direito, "neminen laedere".

Com o passar dos tempos, as sociedades mais desenvolvidas e melhor politicamente organizadas, passaram a exigir tratamento especial aos danos morais, tornando-se estes também danos juridicamente reparáveis.

Um século a mais foi necessário para que o Direito brasileiro viesse a consagrar a tese dos danos morais. Enquanto a maioria dos povos ocidentais já reconhecia a indenização dos danos morais, o Brasil ainda resistia a sua inserção no ordenamento jurídico pátrio.

Atraso que se revelou fatal, uma vez que desaguou num duro golpe ao reconhecimento, eficácia e tutela dos chamados direitos civis e a própria idéia de cidadania do povo brasileiro. Talvez visando compensar tão lamentável atraso é que o legislador constituinte houve por bem inserir a tese dos danos morais na Constituição Federal de 1988, a primeira verdadeiramente garantista e cidadã da história brasileira.

Em virtude da dificuldade de se considerar a reparabilidade dos danos morais, o Brasil, que, em princípio, não continha regras específicas sobre o tema, permitiu a disseminação de uma inteligência jurídica deformada, no sentido de que, num mesmo caso concreto, o dano moral não poderia ser cumulado com o dano material, ainda que assim reclamasse o respectivo suporte fático. Desnecessário dizer que esta forma de encarar o tema só fez dificultar a aplicação da tese dos danos morais no cotidiano jurídico brasileiro.

Hoje, felizmente, já não mais se discute acerca da possibilidade de se cumular indenizações por dano material e dano moral decorrentes do mesmo fato. Trata-se de questão pacificada pelo enunciado de Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça, que diz:

37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

Pois bem, como já mencionado, mesmo antes da entrada em vigor da Constituição Federal e a par de todo atraso em relação a outros povos e das dificuldades de sua efetiva aplicação, o ordenamento jurídico brasileiro já reconhecia a figura do dano moral, ainda que lhe faltasse uma normatização mais expressa e melhor delineada.

Uma das soluções dos operadores e estudiosos do Direito entusiastas da tese, era o socorro, no plano genérico, ao artigo 159, primeira parte, do Código Civil:

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

Pelas letras do referido artigo, o Código Civil brasileiro adotou o princípio da culpa como fundamento genérico da responsabilidade.

Não se pode esquecer, ainda, o disposto no artigo 76 do mesmo Código Civil, também fundamento genérico da indenização por dano moral, que diz:

Art. 76. Para propor, ou contestar ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.

Mas, fácil perceber, era muito pouco para que se pudesse instalar definitivamente a cultura jurídica dos danos morais no país.

Paulatinamente, a legislação extravagante foi apresentando as primeiras manifestações expressas acerca da indenização por danos morais.

No Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei Federal nº 4.417/62, em seu artigo 84, por exemplo, há referência explícita ao dano moral, oferecendo importantes critérios para a fixação do mesmo. A Lei Federal nº 5.250/67, que trata da Lei de Imprensa, também prevê expressamente o direito público subjetivo a indenização por dano moral.

Não obstante, o dano moral continuou sendo visto como uma questão tormentosa, dada, repita-se, a dificuldade de se provar a culpa do ofensor e o efetivo dano sofrido pela vítima (e a avaliação da indenização em si).

Com o advento da Constituição Federal, a questão do dano moral começou a ser repensada pelos operadores e estudiosos do Direito brasileiro.

Sendo a moral, assim como a intimidade das pessoas, um direito fundamental, vozes poderosas começaram a reclamar um tratamento diferenciado para as questões jurídicas envolvendo estes dois importantes valores.

O princípio da culpa começou a ceder espaço para outro, o princípio da culpa presumida. Inevitável, pois, o choque entre o clássico e a vanguarda.

E não poderia ser diferente, dada a singular importância do tema. Nelson Nery Júnior [1], por exemplo, assim discorre:

"A ofensa à honra, liberdade ou intimidade das pessoas enseja a indenização por dano moral e patrimonial. Trata-se de hipótese de responsabilidade objetiva, porquanto a norma não prevê conduta para que haja o dever de indenizar."

Assim, o dano moral passou a ser visto com as lentes da Constituição Federal e a ser tratado conforme os ditames da responsabilidade objetiva, notadamente mais benéfica aos interesses da vítima.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, verdadeiro braço armado da Constituição Federal, diploma legal da cidadania, lançou novas luzes sobre o tema e, com elas, a esperança de uma verdadeira revolução no modo de pensar dos operadores e estudiosos do Direito brasileiro.

Com efeito, às relações com o signo consumerista, o legislador infraconstitucional não só disciplinou a responsabilidade objetiva do produtor e do prestador de serviços como fez presumido o dano moral.

Aos entusiastas do tema dano moral nada poderia ser melhor, tendo-se em conta que boa parte dos injustos de tal natureza ocorrem nas relações de consumo.

Aos poucos, as indenizações por dano moral começaram a aparecer, ainda que timidamente nos foros e Tribunais pátrios, seja em razão de relações de consumo frustradas, seja em virtude de causas diversas.

A discussão deixou de ser em relação a incidência ou a instrumentalização do dano moral, passando, então, a se fixar num antigo problema: o "quantum" indenizatório.

Mesmo vestindo, em muitos casos, a capa da responsabilidade objetiva, a questão do "quantum" não perdeu sua elevada carga de subjetividade, dadas as dificuldades inerentes a sua fixação.

Reside aí o objeto do nosso modesto estudo.

Em 30 de outubro de 1997, ocorreu em São Paulo o IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, oportunidade em que o tema dano moral foi debatido.

Por unanimidade, os participantes do encontro apresentaram a seguinte conclusão, identificada como conclusão 11:

"Na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendo-se ao nexo de causalidade inscrito no art. 1.060 do Código Civil, levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do "quantum", atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado."

Aparentemente, a conclusão acima é capaz de satisfazer as necessidades dos operadores do Direito, tratando-se de um bom critério para a fixação do "quantum" indenizatório.

Apenas aparentemente. O problema não está na conclusão 11, mas na conclusão que a precede, a número 10:

"À indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório."

Desnecessário que dizer que a conclusão 10 informa a 11, viciando sua interpretação e tornando sem sentido os alegados critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ousamos discordar da conclusão 10 porque entendemos absurda a inteligência de que a indenização por danos morais deve ter caráter compensatório (ou melhor, apenas compensatório).

Entender que a indenização por danos morais deve limitar-se ao caráter compensatório é o mesmo que negar a eficácia jurídico-social dos danos morais.

Com efeito, mais importante do que compensar a vítima, os danos morais servem, ou deveriam servir, para punir o ofensor. É a rigorosa penalização do ofensor que deve ser levada em conta quando da procedência de um pedido de indenização por danos morais, fixando-se o "quantum", aí, sim, conforme a mencionada conclusão 11, de tal sorte que, quanto mais rico e poderoso for o ofensor, maior deverá ser a indenização.

Não obstante, por motivos ignorados e incompreensíveis, os Tribunais brasileiros, de uma forma geral, aplicam o direito de forma diversa, emprestando à avaliação do dano moral inteligência tímida.

Com todo o respeito, é fato notório que os Tribunais brasileiros ainda estão perdidos na clássica divisão do Direito em público e privado, esquecendo-se que hoje, em plena era dos direitos de terceira geração, todos os direitos têm o signo publicista, não mais havendo que se falar em direito exclusivamente privado, dada a natureza altruística que se vem instaurando no ambiente jurídico, sendo, no Brasil, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o melhor exemplo desta nova mentalidade jurídica.

Logo, ao avaliar o dano moral, é extremamente relevante ter-se em conta o fator "desestímulo" do ofensor, a punição visando a pacificação social, a difusão da cidadania e a transformação dos comportamentos.

A avaliação dos danos morais é tema que permite ao juiz bailar sobre o ordenamento jurídico, longe de mármores mas próximo do sentimento de fazer verdadeiramente a Justiça. E fazer justiça é, sobretudo, punir quem ofende outrem e o próprio sistema legal. Somente com a interpretação arejada do juiz, o verdadeiro intérprete da lei, a questão será devidamente abordada e, com ela, aparados os eventuais exageros, o bem-estar social.

E nem se diga que os possíveis abusos, excessos de sensibilidades ou demandas aventureiras poderão se aproveitar maliciosamente desta nova interpretação, pois contra a litigância de má-fé, a postulação impertinente, tem o juiz instrumentos de sobra para o combate, distribuindo a justiça na sua exata medida.

Por isso é que ora se afirma que talvez em nenhuma outra matéria o arbítrio prudente e sábio do juiz tem especial guarida e importância, razão pela qual ora se registra, com respeito mas contundentemente, pela timidez dos dias correntes, críticas à forma pela quais os Tribunais tratam a avaliação do dano moral no país.

Sobre o assunto, convém lembrar o lúcido entendimento o Desembargador e Professor paulista, José Osório de Azevedo Júnior [2], que assim vaticina:

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"A Jurisprudência é engraçada; às vezes, ela vai além da doutrina, outras vezes ela fica para trás. Numa outra matéria que eu tenho estudado bastante, que é o Compromisso de Compra e Venda, por exemplo, a Jurisprudência construiu praticamente tudo, em grande parte à revelia dos doutos. Aqui neste campo do dano moral, deu-se o contrário: a Doutrina recomendava, mas o juiz não concedia. Por que essa timidez? Eu vejo dois motivos. O primeiro, creio, é fruto de um positivismo jurídico exacerbado. Foram gerações de juízes formados numa linha muito positivista, só de enxergar o texto expresso da lei. Como disse Mário Moacir Porto, é o "juiz São Tomé", que só acredita naquilo que vê escrito e expresso. Para superar o positivismo jurídico tradicional não é preciso apelar para o direito natural. Um positivismo crítico que se valha dos princípios que estão disseminados pela ordem jurídica teria, por certo, sido mais fértil.

"Mas o fato é que, nesse período, dominava os espíritos um positivismo exacerbado. Um segundo ponto, que eu acho bem objetivo, está na dificuldade de avaliar o dano moral. Como isso é muito difícil, o juiz fica tentado a não avançar. "É melhor parar por aqui, nem chegar à execução". É a consequência daquele argumento da tese negativista, segundo o qual é impossível mensurar e avaliar a for moral."

Não é difícil notar o tom crítico emprestado pelo culto Professor. Afinal, as dificuldades existem exatamente para serem transpostas e o positivismo exacerbado é um mal que precisa ser urgentemente reparado no Direito brasileiro, sob pena de se ter um sistema legal de ficção e um Poder Judiciário que não reflete sobre Direito, limitando-se a mera aplicação formal e literal da lei.

Daí, o equívoco de se enxergar na indenização por dano moral caráter meramente compensatório. O excesso de prudência do Poder Judiciário, pode ser traduzido como medo de refletir o Direito e, a partir desta reflexão, aplicar as normas jurídicas consoante o princípio, encartado na Lei de Introdução ao Código Civil, de que elas devem ser, sempre, aplicadas com vistas ao seu fim social.

Aqueles que são contrários a não indenizabilidade do dano moral defendem ser imoral exigir-se dinheiro por uma ofensa moral ou violação da intimidade. Ao passo que os defensores de indenizações de pequeno valor econômico alardeiam pânico e terror quanto a eventual criação de uma indústria de indenizações ou, ainda, que os reclamantes pleiteiam valores que jamais alcançaram na vida por outros meios, normais e lícitos.

Estes argumentos são frutos da já comentada deformidade de pensamento acerca do instituto "dano moral", ou, ainda, decorrem da falta de reflexão, inteligência sistêmica, do ordenamento jurídico.

Ora, nada há de imoral em exigir dinheiro por uma ofensa a moral ou a intimidade, como também nada há de errado em se receber elevada fortuna, pois o lamentável estado de vítima não tem preço.

Em relação ao caso específico dos danos morais, é possível enxergar o vício em sua fonte, qual seja, a natureza compensatória dos mesmos.

Já é tempo de se ver a natureza punitiva dos danos morais. Aos que acham imoral receber dinheiro por dano moral, cabe a ressalva de que é ainda mais imoral deixar o dano irressarcido ou ressarcido de forma pífia, permitindo a odiosa impunidade do causador do dano.

Tão ou mais importante do que a compensação da vítima é a punição, concreta, efetiva e rigorosa, do causador do dano.

Quem causa um dano moral tem de ser efetivamente punido pelo injusto causado, e punido de tal forma que ele, o ofensor, sinta o peso negativo da sua conduta, servindo a condenação, ainda, como exemplo a fim de intimidar eventuais ofensores ou mesmo motivar a mudança comportamental.

Sendo impossível mensurar a honra de uma pessoa, é sem sentido imaginar uma indenização por dano moral apenas em caráter compensatório, haja vista que a compensação pelo injusto sofrido não advém do "quantum" recebido pela vítima, mas, sim, da condenação em si.

À vítima, basta a condenação judicial do ofensor para seu conforto espiritual, posto que a sua moral não tem preço. Um real não é pouco nem um milhão de reais é muito, dada a já comentada natureza subjetiva que se esconde por detrás da questão do dano moral e que é, sem dúvida, seu elemento mais complexo, seu ponto nevrálgico.

Compensação existe no plano material, em que se pode mensurar os prejuízos materiais da vítima pelos danos causados pelo ofensor. Conforme o caso concreto, além de reparar os prejuízos decorrentes da sua incúria procedimental, o ofensor se vê obrigado a indenizar a vítima por outras somas, estipuladas por critérios objetivos e com base nos prejuízos materiais, como o caso dos chamados lucros cessantes, a compensação por excelência.

Logo, coerente a afirmação ora sustentada que, na arena do dano moral, a compensação da vítima existe no exato momento em que o Estado-juiz reconhece a injusta violação do seu direito, condenando expressamente o ofensor. O "quantum" recebido à guisa de indenização não perde a essência compensatória mas também não se limita exclusivamente a ela, uma vez que sua mais importante característica é a punição, ou seja, a natureza punitiva.

Nesse sentido, já tarda o momento de se introduzir no Brasil a doutrina norte-americana do "punitive damage" e sua co-irmã, a "exemplary damage", às vezes chamadas no direito pátrio, sem muit rigor científico, de teoria do desestímulo.

A cartilha da doutrina do "punitive damage" é simples e bastante eficaz. Segundo suas letras, o causador do injusto, dos danos materiais e especialmente morais, tem de ser efetivamente punido. A título de punição ou a título exemplar, a "exemplary damage", o fato é que o causador do dano não pode passar impune por sua conduta ilícita.

Pune-se com rigor o causador do dano, sendo esta punição, aquilatada em dinheiro, diretamente voltada à vítima (nada mais justo, de sublinhar). Em alguns casos, além da vítima, instituições de caridade podem ser premiadas com a punição do ofensor.

Nunca é demais repetir: à vítima, a compensação nasce da condenação do ofensor. Assim, nesse sentido, tanto faz um real como um milhão de reais, já que a moral, a honra e a intimidade da pessoa são bens imateriais, que não têm valor econômico. Não obstante, para que a condenação do ofensor tenha algum valor jurídico, é mister que a indenização seja fixada em valor respeitável, elevado mesmo, para que o ofensor sinta, concretamente, os efeitos do injusto, tendo sua punição, também, natureza exemplar ("exemplary damage").

Desnecessário dizer que o apregoado critério punitivo não poderá deixar de considerar a fortuna patrimonial do ofensor. Quanto maior esta for, maior deverá ser a indenização, para que esta possa surtir algum efeito prático. Indenizações de pequena monta não constituem punição alguma ao ofensor abastado.

Com o fenômeno da "exemplary damage", a indenização por dano moral também atende o fim social de que trata a Lei de Introdução ao Código Civil, uma vez que, supostamente, influenciará os demais membros da sociedade a não praticarem eventos danosos similares aos cometidos pelo ofensor e devidamente punidos pelo Estado-juiz.

E nem se diga, com críticas, a eventual e, alegadamente imoral, compensação financeira da vítima, ou, como preferem alguns, o enriquecimento da vítima. Ora, se este eventual enriquecimento ocorrer nada mais será do que mero desdobramento da punição do ofensor, algo, portanto, perfeitamente justo.

Mesmo que se queira emprestar a natureza compensatória ao dano moral, esta só poderá existir se não excluir a natureza punitiva, tendo-se em conta que o acrescimento patrimonial do ofendido não será exatamente uma compensação, mas o exercício pleno da Justiça.

Assim, põe-se verdadeira pá de cal no argumento daqueles que entendem ser imoral ganhar algum ou muito dinheiro a partir de um evento típico de dano moral.

Mais imoral do que indenizar o dano moral é deixar o dano irressarcido, é deixar o causador do dano impune. Um autor italiano deu uma explicação muito boa. É um equívoco ver imoralidade na exigência de uma indenização por dano moral. O que é imoral é trocar a honra por dinheiro, é vender amor e ceder amor em troca de dinheiro, isso sim é imoral. Mas não é absolutamente imoral receber-se algum dinheiro porque a honra foi violada. Se está defendendo a honra e não praticando um ato imoral. É que, se é verdade que a dor não tem preço, também é verdade que algum valor pecuniário ajuda a amenizar essa dor. O dinheiro sozinho é evidente que não dá a felicidade, mas que ele ajuda a criar uma situação mais favorável para se enfrentar a dor, não há a menor dúvida. [3]

Daí, a conclusão imperativa que, observado o critério da proporcionalidade (conforme a citada conclusão 11), desta feita com as lentes do "punitive damage", ao lado da natureza compensatória, o valor da indenização deve ser razoavelmente expressivo, para que não seja apenas simbólico, promovendo, às avessas, a injustiça.

Em síntese: para que se compense efetivamente a vítima e, ao mesmo tempo, se tenha exemplarmente punido o injusto do ofensor, é necessário que a indenização por dano moral venha a pesar no seu bolso, servindo à ele e à sociedade, como um poderoso fator de desestímulo.

De se notar que o badalo do sino toca dos dois lados. Arrojar, aplicar o sistema jurídico com coragem, verdadeiro espírito de Justiça e determinação, não significa falta de bom senso e de comedimento, como também não importa desvirtuamento do instituto, pois aí, sim, poderia gerar o defeso enriquecimento indevido.

E por mais pesada e punitiva que deva ser a sanção do ofensor, notadamente quando pessoa jurídica, prestadora de serviços, esta não poderá, a rigor, ensejar a quebra da empresa ofensora, pois do contrário estaria por incentivar o choque com outras importantes teses jurídicas, como a conhecida teoria da preservação da empresa.

Importante é conferir natureza e caráter punitivos ao dano moral, pois, dados estes, correta será a avaliação do "quantum" da indenização definitiva, emprestando à mesma qualidade exemplar, levando, a um só golpe, Justiça à vítima e, o que tão importante quanto, senso de cidadania a sociedade.

Basta lembrar o exemplo norte-americano. Exageros eventuais à parte, diga-se, a infeliz indústria das indenizações que ora começa a ser desfeita, o fato é que a luta pelos direitos civis norte-americanos foi construída e vencida com base nas pesadas indenizações dadas pelo Poder Judiciário.

Concomitantemente, o direito consumerista foi impulsionado com as indenizações judiciais e, com estas, o nascimento de uma mentalidade de respeito máximo a figura do consumidor e ao próprio sistema jurídico e judiciário.

Tudo por conta e ordem do "punitive damage", que, urgentemente, deve ser introduzido no Brasil, senão por norma específica própria, ao menos pela analogia ou, mesmo, o Direito comparado.

Da mesma forma que o Professor Rubens Requião conseguiu introduzir no Brasil, a partir dos anos setenta do século passado, a tese da desconsideração da personalidade jurídica, aplicada inicialmente por ampliação jurisprudencial e, agora, por lei expressa (Código de Defesa do Consumidor), deve o "punitive damage" apresentar sua graça perante o ordenamento jurídico pátrio, produzindo seus benéficos efeitos e construindo um forte sustentáculo para a cidadania.

Não se pode mais aplicar o Direito, mesmo o Civil, sem as tintas altruísticas da Constituição Federal de 1988. Mesmo em sede de danos exclusivamente patrimoniais é infeliz a lei brasileira ao não consignar, à conduta ilícita do ofensor, a tão defendida natureza punitiva.

Errado o senso do Direito brasileiro de que a reparação não pode servir para punir o autor do dano, senso este clássico e que não mais atende aos reclamos e necessidades da sociedade contemporânea.

Dentro de uma concepção jusfilosófica, a reparação do injusto causado, com o seu próprio patrimônio, nada mais é do que uma obrigação "natural" por parte do ofensor. Uma criança intuitivamente sabe disso. Se ela quebra o brinquedo do amigo não pensa duas vezes em tentar reparar o dano, nem que seja a base de muito choro aos pais e sinceros e sentidos pedidos de desculpas ao amigo. Logo, a reparação por si só, como colocada pelo Direito pátrio, já não mais serve aos danos patrimoniais, quanto mais aos morais.

Classicamente, como dito, a função da responsabilidade civil é reparar o dano e não punir seu causador. Trata-se, pois, de verdadeiro dogma da responsabilidade civil clássica, conforme dispõe o artigo 1.060 do Código Civil:

Art. 1.060. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor as perdas e danos, a indenização, não pode ir além daquilo que se efetivamente se perdeu."

Fosse este um estudo de sociologia ou de jusfilosofia, poder-se-ia afirmar que o referido artigo, como de resto quase todas as leis civilistas pátrias, foi construído com o propósito acentuado de se manter o jogo de domínio entre as chamadas elites dominantes e o resto sofrido do povo.

É a lei, e todo o aparato judiciário, servindo para imantar de suposta legitimidade o domínio de uns poucos sobre muitos. Amarrando-se a atuação do Poder Judiciário, não raro conveniente aos estado lamentável das coisas, o legislador impuro houve por bem defender valores particulares, deixando de lado as aspirações mais coletivas e sociais, capazes de fazer, ao manos no plano judicial, o equilíbrio social que não existe no mundo dos fatos.

Dá-se isso porque no plano dos danos materiais, a lei desconsidera, infelizmente, o problema do dolo e a graduação da culpa. Tal não se pode dar no plano do dano moral, pois ao lesado mais importante do que a eventual compensação, na verdade consolo, é o aspecto punitivo do ofensor.

Posto isto, defende-se a introdução do "punitive damage" no sistema jurídico brasileiro, reclamando do Estado-juiz mais seriedade e compromisso no tratamento da avaliação do dano moral, revestindo-o com o manto do aspecto punitivo, a fim de que se tenha promovida a Justiça e, exemplarmente, edificada uma luta pela cidadania, que começa, sempre, pelo respeito a moral, honra e dignidade das pessoas.

Por analogia, através de mecanismos do Direito comparado ou, ainda, pela aplicação sistêmica do ordenamento jurídico pátrio (começando pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no artigo 1º, III, da Constituição Federal), há de ser feita profunda reflexão sobre o tema, tendo-se por certo, firme e valioso o sentimento de que o Direito serve para a busca incessante da Justiça.


Notas

1. Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., RT: São Paulo, 1997, p. 74

2. "O Dano Moral e sua Avaliação", Revista do Advogado, nº 49, Dezembro/96, São Paulo: 1996, p.8/9

3. José Osório de Azevedo Júnior, op. cit., p. 10

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Sobre o autor
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CREMONEZE, Paulo Henrique. A introdução da doutrina norte-americana do "punitive damage" no sistema jurídico brasileiro para a avaliação das indenizações por danos morais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3467. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Texto publicado na Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Revista dos Tribunais, n.º 8, julho/dezembro de 2001, pp. 292-ss.

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