Em recente artigo, o professor J. A. Almeida Paiva defendeu, com acerto, que o novo Código Civil entrará em vigor em 11 de janeiro de 2003.
Todavia, a polêmica não cessa nas substanciosas considerações do estimado advogado paulista, com quem concordo quanto à data de entrada em vigor do novo Código, mas divirjo quanto ao método de determinação desse dies ad quem.
É que há uma incoerência (ilegalidade "vertical", diria eu) no art. 2.044 do Código Civil de 2002, por ter estabelecido o prazo de "vacatio legis" da nova norma civil utilizando o critério anual: "um ano", na forma: "Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação".
Facilmente se identifica o problema. É que o §2º do art. 8º da Lei Complementar Federal n. 95/98, alterada pela LCF n. 107/2001, determina expressamente que as leis brasileiras (todas elas) devem estabelecer prazo de vacância em dias, somente em dias (e não em anos ou em meses), com a cláusula "esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação".
Não se trata de mero detalhe ou firula, pois a LCF n. 95/98, por ser complementar (arts. 59, inciso II, e 69 da Constituição de 1988), exige quórum mais qualificado para aprovação (maioria absoluta) e é hierarquicamente superior ao Código Civil de 2002, que não passa de lei ordinária. Quando a Lei n. 10.406/2002 foi publicada, já estava em vigor o preceito cogente da norma complementar federal.
Há quem discorde da idéia da existência de ilegalidade vertical, ao fundamento de que não se dá cotejo hierárquico entre lei complementar e lei ordinária. Mas, ainda que afastada esta opção (não de todo descartada), é preciso observar que a matéria em questão (elaboração de diplomas normativos) tem reserva de lei complementar por expressa disposição constitucional (art. 59, parágrafo único, da CF).
Sendo assim, o Código Civil de 2002 devia (e deve) obediência à Lei Complementar n. 95/98, que veio a lume exatamente para regular a forma de elaboração e redação das leis nacionais, atendendo ao comando do art. 59, parágrafo único, da Carta de 1988. Então, é patente a ilegalidade vertical entre o art. 2.044 do novo Código Civil e o art. 8º, §2º, da LCF n. 95/98, quando o estatuto civil adotou o critério anual, descartando o critério unificador, da contagem em dias. De qualquer modo, havendo ou não a ilegalidade vertical, o art. 2.044 do Código Civil de 2002 terá desconsiderado matéria sujeita a cláusula constitucional de reserva de lei complementar.
Se o art. 2.044 do Código Civil de 2002 tivesse estabelecido o prazo da vacância em dias, 365 dias, em lugar de fazê-lo em 1 (um) ano, como o fez, teríamos reduzido substancialmente (quiçá eliminado) a polêmica em torno da exata data de início da vigência do novo Código e de outras tantas leis ordinárias.
Pelo critério ora proposto, deve-se ler o art. 2.044 do novo Código Civil, como se tivesse estabelecido o prazo da vacância do diploma em 365 dias (e não 1 ano). Contando-se esse prazo em dias na forma do §1º, do art. 8º, da LCF 95/98 (com inclusão da data da publicação e do último dia do prazo), chegamos ao dia 11 de janeiro de 2003 como de início da vigência do novo Código Civil (Lei Federal n. 10.406/2002). São 21 dias em janeiro de 2002, 28 dias em fevereiro, 31 dias em março, 30 em abril, 31 em maio, 30 em junho, 31 em julho, 31 em agosto, 30 em setembro, 31 em outubro, 30 em novembro e 31 em dezembro, totalizando 355 dias. Para os 365 dias da "vacatio legis", contam-se mais dez dias em janeiro de 2003, até o dia 10, alcançando-se o marco legal ou dies ad quem, termo final de contagem.
É fácil entender: o Código Civil de 2002 foi publicado no Diário Oficial da União de 11 de janeiro de 2002. Os 365 dias da vacância, começando-se a contagem pelo próprio dia 11/01/2002, inclusive, levam-nos ao dia 10 de janeiro de 2003, inclusive. Logo, aplicando-se conjuntamente os §§1º e 2º do art. 8º, da LCF 95/98, tem-se que o dia subseqüente, 11 de janeiro de 2003, é o da entrada em vigor do novo Código Civil, independentemente do conceito de ano civil previsto pela Lei n. 810, de 1949.