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A codificação do Direito

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01/11/2002 às 00:00
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5.O MOVIMENTO DE DESCODIFICAÇÃO

A descodificação do direito traduz, como a própria designação expressivamente sugere, uma fuga dos códigos, o direito novo tende a evadir-se dos códigos. A preferência da sociedade moderna vai para a legislação avulsa, ou seja, para as leis especiais. O espírito sistemático, requintadamente cultivado pelo movimento da codificação, perdeu nos últimos decênios grande parte do seu prestígio na área de criação do Direito.

O que as sociedades contemporâneas pretendem, no campo da legislação, é transferir das majestáticas comissões codificadoras para os pequenos, mas ativos, grupos intermediários, situados a meio-termo entre o cidadão eleitor e o Estado, a definição dos estatutos jurídicos mais adequados às reivindicações de cada grupo.

Desvaneceu-se o culto mitológico do Código, que a ciência pantectista assentava no valor transcendente do espírito sistemático. O novo jurista sob a pressão dos fatos, passou a venerar a lei – as leis especiais - como uma espécie de deuses domésticos, de mares dos grupos sociais, mais próximos das realidades concretas da vida, mais acessíveis às preces de cada cenáculo político, mais permeáveis às idéias-força do mundo contemporâneo.

Mas a transformação operada no setor da legislação não se esgota no declínio do direito codificado e no crescente empolamento da legislação avulsa. É um movimento com mais ramificações na sua projeção e com maior profundidade sociológica nas suas raízes.

O movimento tem sido especialmente focado pelos civilistas italianos, por se desenvolver num período de crises graves das instituições jurídicas, que atinge de modo direto valores tradicionais do direito civil e se reflete com particular intensidade no Código Civil Italiano de 1942.

O movimento de descodificação do direito, só começa a sentir-se nas estruturas da legislação portuguesa em meados de 1974.

O conflito entre o que resta do código civil e as leis que proliferam em suas margens repercutiu, dando a impressão de que a era das codificações passou.

À medida que o país se desenvolve, acelera-se a erosão do Código Civil, conscientizando-se os juristas de maior sensibilidade política de que sua reforma geral é um anacronismo.

A maré montante das leis especiais atesta sob o véu de um paradoxo a inutilidade da recodificação do direito civil, eis que não podem ser reduzidos a um sistema construído com outro método, outra lógica e outra filosofia. Constituem distintos "universos legislativos", de menor porte, denominados por um autor com muita propriedade "micro-sistemas". Estes micro-sistemas são refratários à unidade sistemática dos códigos porque têm a sua própria filosofia e enraízam em solo irrigado com águas tratadas por outros critérios, influxos e métodos distintos.

Tempo ainda é, de unificar e sistematizar as numerosas e importantes leis especiais, que fizeram do Código Civil uma legislação residual.

O mundo dos Códigos foi o mundo da segurança, quando os valores do liberalismo podiam ser traduzidos numa seqüência ordenada de artigos. Desta necessidade de segurança, nasceu a idéia de imutabilidade da legislação civil e da perenidade dos institutos, principalmente a propriedade e o contrato. No mundo instável, inseguro e solúvel de hoje a resposta normativa não pode ser a transposição para um Código das fórmulas conceituais elaboradas nos séculos passados, comprometidas com uma realidade extinta. Um Código seria uma colcha de retalhos de todas as cores, sem funcionalidade numa sociedade que, na segunda metade do século passado, eliminou "as condições políticas da codificação".

A crise nos tempos modernos não é dos Códigos, começa na lei porque nasce da ameaça da desagregação do próprio Estado.

O Código Civil deixou de constituir o centro geométrico de toda a ordem jurídica constituída, o primado da legislação passou para a Constituição. A lei deixou de constituir, em numerosos casos, o comando coercitivo emanado da vontade soberana do Estado e dirigido ao cidadão indiferenciado que integra a comunidade nacional ou habita seu território.

Porém, o verdadeiro centro da ordem jurídica é o homem, embora naturalmente implantado na sociedade desde o nascimento até a morte – e não o Estado, apesar de integrado por homens - o lugar próprio para a proclamação e definição dos direitos inerentes ao homem, promanados da eminente dignidade do ser humano, continua a ser o Código Civil e não a Constituição.

A menos que se dê outro sentido ao vocábulo código, não há como salvá-lo. Certos juristas advogam a substituição do Código Civil por um corpo de cláusulas gerais capazes de restabelecer, acima do particularismo das leis setoriais, a unidade do tratamento jurídico. Há quem advirta que o ocaso dos Códigos não deve sugerir uma anti-histórica recusa da grande experiência da codificação, mas o aproveitamento, em outro estilo, dos "valores culturais universais" em direito que possam ser transmitidos no futuro, assimilados de épocas passadas pela consciência jurídica.


CONCLUSÃO

A Lei, fonte de direito, abrange, muitas vezes, um extenso e complexo domínio de ação, pelo que ela se desdobra em numerosas disposições esparsas em várias leis que, de certo modo, dificultam o seu conhecimento e tornam mais difícil a sua interpretação. Desde modo surgiu a necessidade do que se chama codificação, que é determinada pela necessidade de precisão e segurança nas regras de direito.

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Durante uma certa época, o ideal e a suprema aspiração dos juristas foi a elaboração dos grandes Códigos. Chama-se este período "o Movimento da Codificação".

A evolução das sociedades e a complexidade atingida em suas relações jurídicas deram aos Códigos caráter petrificado e antiquado frente às novas exigências, acarretando a publicação de um número cada vez maior de leis especiais.

A própria amplitude dos códigos parece ter sido afetada. Passou definitivamente o tempo das grandes catedrais jurídicas, e estamos hoje na fase de transição da época dos Códigos, que abarcavam vastos campos de relações humanas, para a época dos Estatutos, de extensão muito menor mas, por isso mesmo, de maior compreensão.

Foi tentado mostrar neste trabalho, a importância da codificação do direito desde a antigüidade até o momento atual, sua influência na sociedade e sua importância histórica.

Salientamos não somente a idéia de codificação mas, paralelo a isto, o movimento da descodificação do direito com o surgimento crescente de uma legislação avulsa.

Cabe a cada um de nós, advogados e juristas, valorarmos o movimento da codificação como um fato positivo ou não. Nos cabe, também, analisarmos o esvaziamento do Código Civil devido a maré montante de leis especiais que constituem verdadeiros "universos legislativos", pois a pretensão dos Códigos, sempre impossível de ser atingido, é a de encerrar em sua disposição o universo do Direito.


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Sobre a autora
Adriane Stoll de Oliveira

advogada em Porto Alegre (RS), pós–graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Universidade Luterana do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Adriane Stoll. A codificação do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3549. Acesso em: 19 mar. 2024.

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