As execuções na Indonésia e a hipocrisia oficial no Brasil

17/01/2015 às 21:28
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A vida de dois brasileiros condenados à morte no exterior valem mais do que as vidas de milhares de brasileiros fuzilados pelas PMs dentro do Brasil?

Nos últimos dias diversas autoridades e orgãos federais aderiram à campanha pedindo a suspensão da execução dos 2 brasileiros condenados à morte por tráfico de drogas na Indonésia. Dilma Rousseff postou vários tweets sobre o assunto e até pediu para o Papa intervir junto ao governo indonésio. No Facebook da presidenta também há várias manifestações em favor da preservação da vida dos condenados. Até o Procurador Geral da República postou um tweet informando que pediu clemência para os condenados à morte.

Desde que frequentei os bancos da Faculdade de Direito de Osasco, nos anos 1980, sou contra a pena de morte. Ela não inibe o aumento da criminalidade, não consola as vítimas dos criminosos e, pior, pode acarretar injustiças irreparáveis. Não posso, porém, deixar de notar a hipocrisia oficial que envolve o caso destes dois brasileiros.

Eles foram condenados à morte pela Indonésia, país que é soberano e tem direito de fazer cumprir sua legislação. A pena de morte é expressamente proibida pela CF/88 e em razão disto fica parecendo que as autoridades brasileiras estão defendendo nossos princípios constitucionais ao implorar pela vida dos nossos conterrâneos. Isto até seria louvável, mas apenas se o Estado brasileiro cumprisse rigorosamente o mandamento constitucional dentro do nosso país. Não é isto o que está ocorrendo.

Todos os anos as PMs matam milhares de brasileiros. Entre as vítimas há aqueles que trocaram tiros com os policiais, mas também há suspeitos e inocentes que foram executados como se a pena de morte fosse legal em no Basil. A maioria dos assassinatos cometidos por policiais em serviço acabam sendo legitimados pelo Judiciário com base nos famigerados Autos de Resistência. Para que um PM seja condenado por homicídio praticado durante o trabalho sua conduta criminosa e anti-profissional deve ser demonstrada nos autos do processo. A prova inequívoca nestes casos é muito difícil de ser feita, mormente por que os colegas dele sempre podem prestar depoimento em favor do acusado.

É lamentável a execução legal de dois brasileiros na Indonésia. Mais lamentável ainda é a execução ilegal de milhares de brasileiros todos os anos no Brasil pelas PMs. Lá os condenados tiveram direito de se defender. Cá os policiais julgam, condenam e atiram para matar e as autoridades fazem de conta que este problema não lhes diz respeito. Indignação oficial só ocorre quando uma pessoa importante, rica, bem nascida, celebrizada pela mídia, etc... acaba sendo inapelavelmente assassinada por um policial. Neste caso o assassinato será objeto de punição exemplar, coisa que não ocorre quando a vítima é socialmente vulnerável (pobre, pardo, preto, precariamente empregado e morador da periferia).  

Dilma apelou para o Papa. Se o Papa for pop ele pedirá à presidenta brasileira que faça algo para impedir o assassinato ilegal de brasileiros pela PM. O Procurador Geral da União pediu clemencia para os brasileiros condenados na Indonésia. Quando é que o MPF começará a dar clemência para os brasileiros e maior atenção para a epidemia de assassinatos que ocorrem nos Estados membros?

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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