A falência do Sistema Penitenciário Brasileiro

25/01/2015 às 23:05
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O artigo trata das dificuldades do Estado e a possível solução a ser implantada no sistema prisional brasileiro.


Em recente levantamento de dados realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no mês de junho de 2014, é possível perceber o constante aumento da população carcerária brasileira, qual, atualmente, atingiu a marca inédita de 711.463 presos que cumprem a pena em regime fechado, semiaberto e em prisão domiciliar.
Pela estatística atual, o Brasil chegou ao posto de 3º maior população carcerária do mundo, ranking liderado apenas pelos Estados Unidos com 2,2 milhões de presos e China com 1,7 milhão.
Atualmente, a discussão sobre o tema consiste na análise da eficácia do encarceramento, ou seja, o quanto o sistema prisional brasileiro auxilia e contribui para a reabilitação do condenado ou preso provisório na tentativa de inserção ao convívio social.
Segundo estatísticas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), utilizado pelo renomado jurista Luiz Flávio Gomes em seu artigo “Violência Epidêmica e Política Equivocada”, publicada pelo Instituto Avante Brasil no ano de 2013, a reincidência brasileira atingiu a marca de 47,4%, sendo mais alarmante quando a tratativa é pelo crime de roubo, com 70% de reincidência.
Logo, por uma simples análise dos estudos e estatísticas sobre a reincidência, notório faz-se o estado de falência do sistema penitenciário, justamente por não cumprir o mínimo do objetivo que lhe foi conferido, qual seja: a ressocialização.
Dessa problemática e da diversidade de opiniões da sociedade brasileira surge a ideia da privatização dos presídios, seguindo o modelo norte americano de penitenciárias.
Assim, no ano de 2013, foi inaugurado o primeiro presídio privado do Brasil, localizado na cidade de Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, MG. A promessa do projeto é conferir ao detento condições dignas para o cumprimento da pena e diminuir a altíssima taxa de reincidência das práticas delitivas.
Apenas para incrementar os dados do presente artigo, o Estado gasta, em média, o valor mensal de R$ 1.500,00, por preso. No entanto, no presídio de Ribeirão das Neves, o Estado mineiro desembolsa o valor mensal de R$ 2.700,00, por detento.
A primeira impressão realmente é muito positiva, afinal não há informações sobre superlotação, falta de higiene, rebeliões, domínio de facções criminosas, dentre outros problemas empíricos inerentes ao sistema.
Porém, com uma análise mais detalhada do modelo norte americano, percebemos uma verdadeira insatisfação das empresas concessionárias das penitenciárias, pelo simples fato do Estado americano ter iniciado um amadurecimento em sua política criminal, conhecida como Tolerância Zero. Nessa premissa, o Estado iniciou uma análise sobre o valor desembolsado mensalmente com as penitenciárias privadas, inserindo na balança o insatisfatório índice de reincidência.
Assim, o Poder Judiciário Americano experimenta, quando possível, a condenação do réu ao cumprimento de outras penas, como a prisão em regime aberto e penas restritivas de direito. 
A medida de política criminal tenta, principalmente, agradar aos cofres públicos, mas, em contra partida, causa a insatisfação das empresas gerenciadoras das penitenciárias, afinal o sistema segue a simples fórmula: Quanto mais presos, maior o lucro.
Conclui-se assim, a possível tentativa frustrada do Estado brasileiro com a instalação de presídios gerenciados por concessionárias, primeiro porque uma das maiores potências mundiais coloca em xeque o modelo implantado no país, segundo porque o sistema demonstra a sua ineficácia em números de reincidência.
Em tom de crítica e tecendo um paralelo com a atual crise hídrica e elétrica vivenciada pela população brasileira, acredito que o país está tentando se desenvolver de maneira tardia e, pior, utilizando modelos tendentes a se tornarem obsoletos. Ora, a crise penitenciária e de recursos básicos não são surpresa, inclusive alertadas por estudiosos há décadas.
Paralelamente ao projeto mineiro, o Estado de São Paulo desenvolve o programa denominado “Carpe Diem”, localizado na cidade de Sorocaba. Importante destacar sobre o idealizador do programa, Márcio Coutinho, diretor do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Sorocaba. 
Márcio Coutinho enxergou o que muitos já haviam despendido algum tempo para pensar, mas nunca lograram êxito em alcançar. A grande maioria dos presos que chegam ao CDP são aqueles presos em flagrante por crimes de pequeno potencial ofensivo, como o furto, a receptação, o contrabando; mas, ao ingressarem no sistema convivem diariamente com os demais detentos, inclusive aqueles de alto grau de periculosidade e líderes de facções criminosas.
O problema narrado acima é causado justamente pela escassez de vagas e o domínio de facções criminosas nas penitenciárias, fatores que dificultam a tarefa do Estado na divisão dos detentos em alas pré-determinadas. Nesse cenário é simples imaginar a verdadeira escola criminosa que o ambiente propicia ao novo integrante do sistema.
Pois bem, o programa Carpe Diem é localizado nas instalações do CDP de Sorocaba, justamente para abrigar os presos acusados por crimes de pequeno potencial ofensivo e, assim, não misturá-los com outros de alta periculosidade. O objetivo dessa segregação é estritamente a redução da reincidência, primeiramente para os novatos não se tornarem rebanho de líderes e, na sequência, visando dar condições humanitárias para o correto cumprimento da pena ou durante o intervalo de tempo necessário para o julgamento do réu. 
Especificamente sobre o programa, o preso receberá apoio de psicólogos, assistentes sociais e agentes de segurança, além da inserção no grupo de Narcóticos Anônimos (NA) e Alcoólicos Anônimos (AA), se necessário. O diferencial do programa também está na saída do detento, que continuará a receber todo o auxílio necessário para a sua reabilitação na sociedade. Diferenciais que fazem do Carpe Diem uma possível solução a ser implantada em outros locais.
O relatório do ano de 2010 confeccionado pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) detalhou algumas informações sobre o projeto Carpe Diem, dentre elas o índice de reincidência de 3,9% do total de 202 detentos recebidos no período de um ano. Índice responsável por demonstrar uma das menores taxas de reincidência já vistas em um projeto de encarceramento, o que deve acender um alerta para o Estado a ser encarado como uma possível solução para a crise experimentada no setor.
Na ideologia ensinada pelo médico Dr. Drauzio Varella, na obra “Carcereiros”, a grande maioria da população, infelizmente, ainda não compreende que o novo integrante da penitenciária, um dia deixará o sistema praticamente desumano que lhe foi conferido e, consequentemente, estará de volta ao convívio social. Assim, restando a análise da tendência psicológica do ser humano (por pior que seja o delito cometido), ele sairá melhor ou pior?

Referências Bibliográficas:

1. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira. Acessado em 20/01/2015
2. http://www.conjur.com.br/2014-jun-05/brasil-maior-populacao-carceraria-mundo-segundo-estudo. Acessado em 20/01/2015
3. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28296-cnj-recomenda-expansao-das-apacs-para-a-reducao-da-reincidencia-criminal-no-pais. Acessado em 20/01/2015
4. http://institutoavantebrasil.com.br/brasil-reincidencia-de-ate-70. Acessado em 20/01/2015
5. http://apublica.org/2014/05/quanto-mais-presos-maior-o-lucro. Acessado em 20/01/2015. Acessado em 20/01/2015
6. http://www.reintegracaosocial.sp.gov.br/carpediem.php. Acessado em 20/01/2015
7. http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/cadeias/diversos/Relat%C3%B3rio%20GERAL%20Novembro.pdf. Acessado em 20/01/2015
8. Varella, Drauzio. Carcereiros, Editora Schwarcz S.A. 2012

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Sobre o autor
Bruno Dragone Fernandes

Estudante de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

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