A prescrição de contratos com prestações continuadas

27/01/2015 às 00:30
Leia nesta página:

O STJ e a interpretação equivocada no tocante à prescrição dos contratos de financiamento imobiliário firmados com prestações continuadas

Há algum tempo vinha se consolidando no âmbito do STJ, mais precisamente na 3.ª Turma, o entendimento de que, nos contratos com prestações sucessivas, a prescrição seria contada a partir do vencimento da última prestação, previsão esta, não existente em nosso ordenamento jurídico.

Código Civil vigente, além de disciplinar a prescrição e a decadência em capítulos distintos, estabelecendo as hipóteses sujeitas a prazo de uma e de outra natureza, assim definiu a prescrição (art. 189):

“Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206.”

Verifica-se, pois, que a pretensão, a que se refere o texto legal, surge para o titular do direito violado no momento em que restar caracterizado o descumprimento de uma prestação (de dar, de fazer ou de abster-se).

Estatui o Artigo 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 alterado pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010 que:

Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Em seu artigo 5.º verificamos que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” e, no artigo 6.º, que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa julgada”.

O posicionamento do STJ, adotado quando do advento do novel Código Civil, visava, precipuamente, a albergar os interesses das instituições financeiras que foram solapados com o surgimento dos novos prazos prescricionais ali inseridos, notadamente na regra de transição prevista no artigo 2.028 daquele estatuto.

Todavia, aquele Egrégio Sodalício, formado por notáveis das letras jurídicas pátrias, atropelou cláusulas resolutórias existentes nos contratos de financiamento, que determinam o vencimento antecipado das avenças em caso de não pagamento, ou em decorrência de outras condições firmadas nos pactos, normalmente inseridas em contratos que, a toda prova, são nítidos contratos de adesão.

Sabemos que o “Contrato é a convenção, entre duas ou mais pessoas para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial, incidem sobre o contrato três princípios básicos, o da autonomia da vontade, o da supremacia da ordem pública, o da obrigatoriedade do contrato, significando que o contrato faz lei entre as partes. (pacta sunt servanda).” (Führer, Cláudio, Resumo de Obrigações e Contratos, p. 37)

O teor das cláusulas é imperativo. Dentro do princípio do pacta sunt servanda, seu conteúdo faz lei entre as partes. Portanto, não é uma faculdade do credor, tampouco do magistrado, considerar vencida ou não a dívida. A imperatividade da cláusula resolutiva promove o vencimento antecipado da dívida. Sabemos que o juiz está vinculado a julgar de acordo com a lei e, se o contrato constitui lei entre as partes, não pode o magistrado julgar contra aquilo que foi firmado entre elas, de fato "Constitui um truísmo que o juiz só pode deixar de aplicar a lei se declará-la inconstitucional – e a interpretação da lei tem um limite: onde a norma legal diz sim, o juiz está inibido de dizer não, e vice-versa" Ministro Ari Pargendler (STJ - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.301 – SP (2010/0177854-3 – N.º único 0177854-43-2010.3.00.0000).

De fato, como assevera Maria Helena Diniz: “ o juiz, ante a equiparação do contrato à lei, ficará adstrito ao ato negocial, interpretando-o, esclarecendo seus pontos obscuros, como se estivesse diante de uma prescrição legal, salvo naquelas hipóteses em que se lhe permite modifica-lo, como sucede na imprevisão ou sobrevindo força maior ou caso fortuito” (Teoria das Obrigações Contratuais, 1.º Vol., 4.ª Ed., P. 116).

Claramente o STJ se imiscuiu na seara das relações privadas, fazendo às vezes de legislador positivo, alterando princípios fundamentais dos contratos pactuados entre as partes, mesmo que de forma adesiva, malferindo o equilíbrio, a lógica jurídica, os princípios de ordem pública, do pacta sunt servanda (de que o contrato se torna lei para as partes contratantes)da obrigatoriedade dos contratos, de sua força vinculante e do CDC.

De fato, quando uma cláusula resolutória estabelece o vencimento antecipado de todo o contrato, não pode haver interpretação diversa da que se coloca de forma clara no instrumento é o que se deduz do brocardo latino in claris cessat interpretatio.

O advento da condição resolutiva torna-se lei que se impõe às partes contratantes e, deste modo, deve o juiz interpretar seu comando de modo a prestigiar as disposições dos artigos 7.º[47] e [54]§ 2.º do CDC e dos artigos [121][122][127][128][189][192] e[474] todos do Código Civil Brasileiro.

Assim como o STF em decisão não tão recente pugnou pela aplicação do CDC aos bancos/instituições financeiras (ADI 2591) nas relações com seus clientes, o STJ, em relação aos contratos firmados pelas caixas de previdências privadas assentou, através de Súmula de Jurisprudência dominante (nº 321 - 23/11/2005 - DJ 05.12.2005)[1], que o CDC se aplica aos contratos efetuados por aquelas instituições e seus participantes.

Certo é que os financiamentos, sejam eles entre instituições financeiras e seus clientes ou entre caixas de previdência privadas e seus participantes, sujeitam-se às normas do CDC.

CDC, sendo norma de ordem pública impõe, em seu artigo [47], a interpretação de cláusulas contratuais de forma mais favorável ao consumidor. A Justiça deve privilegiar tal entendimento em favor dos vulneráveis consumidores do crédito.

Não bastasse, o artigo [474] do CCB/02 infere que “a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.

No tocante a clausula resolutiva, assevera Maria helena Diniz que:

“ (...) Uma vez convencionada condição resolutiva expressa, o contrato rescindir-se-á automaticamente, fundando-se no princípio da obrigatoriedade dos contratos, justificando-se quando o devedor estiver em mora”. (in, Diniz, Maria Helena, Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, Saraiva, 3.º vol., 24.ª Edição, 2008, p. 159).

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “Código Civil de 2002 procurou afastar-se das concepções individualistas que nortearam o diploma anterior para seguir orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. O principio da socialidade por ele adotado reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana.”

E continuando:

Com a elaboração do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) houve profundas modificações na ordem jurídica nacional, caracterizando uma nova relação de consumo, inovando em aspectos de direito penal, administrativo, comercial, processual civil e civil, em especial. O Código de Defesa do Consumidorpretende estabelecer um equilíbrio entre as partes em uma relação de consumo, por que sabemos que o consumidor é a parte mais frágil em uma relação de consumo, garantindo assim o interesse social”.

Nas palavras de Tauã Lima Verdan Rangel:

"Diante do cenário pintado, salta aos olhos, desta sorte, o relevo indiscutível que reveste o Direito do Consumidor, sendo considerada, inclusive, como irrecusável importância jurídica, econômica e política, sendo dotado de caráter absolutamente inovador, eis que elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental, atribuindo-lhe, ainda, a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica. Verifica-se, portanto, que com as inovações apresentadas no Texto Constitucional erigiram os consumidores como detentores de direitos constitucionais fundamentais, conjugado, de maneira robusta, com o relevante propósito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias e a salvaguardar as disposições entalhadas na Carta de 1988. Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de Defesa do Consumidor, enquanto diploma que apresenta em sua redação conjunto de normas responsáveis por traçar mecanismos de proteção e defesa do consumidor, deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para aConstituição Federal de 1988, consubstanciando verdadeiro reflexo dos direitos de terceira dimensão.

Nesta linha, o Estatuto Consumerista em razão do princípio protecionista constitucional, cujos influxos passaram a influenciar a legislação infraconstitucional, coloca em destaque que o mencionado diploma não permite que suas disposições sejam afastadas por convenção entre as partes, já que a natureza de ordem pública e interesse social, notadamente diante da vulnerabilidade do consumidor, obsta a mitigação da incidência do diploma multicitado. Ao lado disso, a essência protecionista, alçada ao status de princípio orientador, comporta a intervenção do Ministério Público em questões envolvendo demandas que se centrem em discussões acerca das relações de consumo. No mais, o corolário em comento estabelece que a proteção dispensada pelo Texto Constitucional deve, de ofício, ser reconhecida pelo magistrado, a fim de assegurar que a discrepância que orbita em torno do consumido, no que se refere à vulnerabilidade, seja ainda mais agravada.

(...)

Código de Defesa do Consumidor, enquanto diploma que apresenta em sua redação conjunto de normas responsáveis por traçar mecanismos de proteção e defesa do consumidor, deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988, consubstanciando verdadeiro reflexo dos direitos de terceira dimensão, tal como os princípios estruturantes da ordem econômica. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. Trata-se, consoante os entendimentos jurisprudenciais consolidados no cenário jurídico, de confirmação dos instrumentos imprescindíveis à proteção daqueles que se apresentam, em sede de relação consumerista, vulneráveis, em razão de não disporem de mecanismos ou mesmo conhecimento técnico, econômico ou jurídico eficiente para combater práticas abusivas ou indevidas estruturadas pelos fornecedores. Com efeito, a proteção e defesa do consumidor, no atual cenário de garantismo propiciado pelo Texto Constitucional, se revelam como mecanismos de materialização de salvaguarda dos direitos difusos e coletivos (Encontrado no sítio:http://jus.com.br/artigos/26726/ponderacoes-ao-principio-do-protecionismo-do-consumidor-breve-painel/2#ixzz2tnFXSusD)

Em tempos hodiernos, juízes, tribunais e doutrinadores vêm contestando a visão equivocada do STJ tocante ao vencimento dos contratos com prestações sucessivas considerando, como inicio do prazo prescricional, aqueles prazos que constam das cláusulas resolutivas expressas inseridas nos contratos.

Em primorosa sentença lavrada nos autos do processo 2013.01.1.133159-4, o M. M Juiz de Direito da 23.ª Vara Cível de Brasília (DF), Dr. MANUEL EDUARDO PEDROSO BARROS, assim se posicionou:

“O Código Civil vigente, além de disciplinar a prescrição e a decadência em capítulos distintos[2], estabelecendo as hipóteses sujeitas a prazo de uma e de outra natureza[3], assim definiu prescrição (art. 189):

“Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206.”

Verifica-se, pois, que a pretensão, a que se refere o texto legal, surge para o titular do direito violado no momento em que restar caracterizado o descumprimento de umaprestação[4](de dar, de fazer ou de abster-se).

“Segundo a lição de Câmara Leal, “sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque esta tem por condição primária a existência da ação (...) Duas condições exige a ação, para se considerar nascida (“nata”), segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação desse direito, à qual tem ela por fim remover (...) O momento de início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo, é determinado pelo nascimento da ação – “actioni nondum natae non praescribitur”. Desde que o direito está normalmente exercido, ou não sofre qualquer obstáculo, por parte de outrem, não há ação exercitável. Mas, se o direito é desrespeitado, violado, ou ameaçado, ao titular incumbe protegê-lo e, para isso, dispõe de ação”.[5]

A questão que se coloca na hipótese vertente diz respeito ao termo inicial do prazo prescricional na hipótese de vencimento antecipado de uma dívida.

O e. Superior Tribunal de Justiça, enfrentando a questão acima, decidiu que o vencimento antecipado da dívida não altera a prescrição do título[6], que é contada da data do seu vencimento certo nele indicada, conforme se vê nos seguintes julgados:

Embargos à execução. Vencimento antecipado. Prescrição. Precedentes da Corte. 1. No que concerne ao vencimento antecipado, os artigos [572] e [614]III, do Código de Processo Civil, não foram prequestionados. 2. O fato de ter o representante legal da executada falecido após a citação e ter havido requerimento para suspensão do feito, com ordem de nova citação, não desqualifica a citação já efetuada, sendo certo, ademais, que o vencimento antecipado da dívida não altera a prescrição do título que é contada da data do seu vencimento certo nele indicada. 3. Recurso especial não conhecido (REsp 650.822/RN, 3ª T., rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 11.04.2005, p. 301);

Cédula de crédito rural. Avalista. Renegociação por meio de confissão de dívida. Ausência de assinatura do avalista neste último instrumento. Prescrição. Capitalização. Súmula nº 93 da Corte. Precedentes. 1. A ausência de assinatura no pacto de confissão de dívida que renegociou a cédula de crédito rural, com novo prazo de vencimento e alteração da taxa de juros remuneratórios, afasta a responsabilidade do avalista, permanecendo hígido o aval até o limite pactuado no título original. 2. O vencimento antecipado da dívida não altera a prescrição do título, que é contada da data do seu vencimento certo nele indicada. 3. A capitalização mensal é permitida nas cédulas de crédito rural a teor da Súmula nº 93 da Corte. 4. Recurso especial conhecido e provido (REsp 619.114/MT, 3ª T., rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 30.06.2006, p. 215.).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Este juízo, contudo, discorda de tal entendimento, que se encontra consolidado na jurisprudência daquela e. Corte de Justiça. Com efeito, considerar-se que o vencimento antecipado da dívida, livremente estabelecido entre as partes contratantes, não altera o início da fluência do prazo prescricional, prevalecendo, para tal fim, o vencimento ordinariamente indicado, contraria, a nosso ver, preceitos legais atinentes à espécie.

Não cumprida a obrigação pelo devedor, o vencimento das subsequentes será abreviado, podendo o credor, desde logo, exigir do devedor a totalidade da dívida. Tal circunstância, livremente pactuada pelas partes (não defesa em lei, observe-se), permite ao credor, verificado o inadimplemento de uma obrigação, exigir do devedor a totalidade das prestações, vez que, caracterizada a mora, nasce a respectiva pretensão[7] para o titular do direito violado.

Admitir que o prazo prescricional nesta situação somente fluísse em momento futuro, seria admitir que o credor, com o vencimento antecipado da dívida, tivesse em seu favor uma pretensão sem o respectivo respaldo da segurança jurídica garantida pela prescrição.

Em se tratando, em especial, de dívidas bancárias mediante prestações continuadas, teria o credor um prazo elastecido para a cobrança de comissão de permanência durante a mora. Estaríamos, nesta situação, admitindo que o credor considere vencido o contrato para efeito de cobrar os encargos do inadimplemento mas não se sujeite a prescrição contada da mesma data.

Alguma coisa está errada na interpretação atualmente adotada pelas cortes superiores. Ora, se a pretensão do credor somente surge com o vencimento formal do título, ainda que conste cláusula de vencimento antecipado da dívida, como admitir que o mesmo possa cobrar os encargos do inadimplemento antes deste vencimento formal?

Imagine um mútuo pactuado para ser pago em 60 prestações, com cláusula de vencimento antecipado. Se o devedor não pagar a primeira parcela, em tese, pode o credor considerar vencido antecipadamente o contrato e a partir de então cobrar os encargos pactuados da mora pelo prazo de 59 meses mais o prazo prescricional do título (segundo interpretação atual das cortes superiores). Assim eventual comissão de permanência ou outros encargos moratórios pactuados poderão incidir durante anos sobre o valor da dívida.

Está-se admitindo, com esta interpretação, que o credor possa aumentar seus ganhos com verdadeira dilatação do prazo prescricional em total afronta ao disposto no artigo [192] do CC.

É possível invocar, em sentido subsidiário, o duty to mitigate the loss (Enunciado nº 169, do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil). Ocorrendo o vencimento antecipado da dívida, como consequência do descumprimento de uma prestação, deve o credor, de modo a evitar o agravamento do prejuízo do devedor, exigir, desde logo, o que lhe é devido.

Assim sendo, na hipótese de vencimento antecipado da dívida (previamente acordada entre as partes), torna-se legítima a pretensão do credor de exigir do devedor o que lhe compete prestar, iniciando-se, assim, a fluência do respectivo lapso prescricional.

Conforme leciona o Professor Flávio Tartuce, (...) “Entendimento contrário resultaria em alteração ilícita do prazo[8], porquanto o credor, podendo exercer desde logo a sua pretensão, disporia de tempo suplementar ao que a lei, conforme o caso, prescreve para o exercício eficaz da pretensão.”

O artigo [192], do Código Civil, dispõe que “Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes”. A bem dizer, os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes, tampouco unilateralmente; trata-se de matéria reservada à lei.

Este e. TJDFT, em acórdão da lavra do Eminente Desembargador Arnoldo Camanho de Assis, assim já decidiu:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. PRESCRIÇÃO. INADIMPLEMENTO DE TRÊS PRESTAÇÕES CONSECUTIVAS. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. DATA DO VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA. CLÁUSULA EXPRESSA.

1. Havendo previsão contratual expressa de exigibilidade antecipada da dívida, no caso de inadimplemento, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional, nos termos do art. [189], do CC, é a data em que o direito é violado - vencimento antecipado da dívida -, e não a data do término do contrato.

2. Apelo dos embargantes provido. Apelo da embargada prejudicado. (Acórdão n.737825, 20120610103980APC, Relator: ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, Revisor: ANTONINHO LOPES, 4ª Turma Cível, Data de Julgamento: 14/11/2013, Publicado no DJE: 29/11/2013. Pág.: 179)

No caso dos autos, a embargada credora, considerou que a dívida dos executados venceu na data de 20/02/2006, conforme comprovam os documentos de fls. 45/48.

(...)

Assim sendo, considerando que a pretensão do credor e a respectiva prescrição tiveram por termo inicial a data de 20/02/2006, a prescrição se consumou aos 20/02/2009. A execução de título extrajudicial somente foi ajuizada aos 27/04/2012, estando, assim, prescrita.

Se se admitisse a tese aplicada atualmente nas instâncias superiores, a embargada poderia cobrar os encargos da mora desde 20/02/2006 até 20/02/2013, data da prescrição formal do título, o que não se mostra justo.

Em conclusão, se o credor pode considerar o contrato antecipadamente vencido para cobrar os encargos da mora, o prazo prescricional deve ser concomitante com esta conduta sob pena de violação aos mais comezinhos princípios de probidade e boa-fé.

Pelas razões alinhadas, acolho a prejudicial de mérito e DECLARO A PRESCRIÇÃO do título executivo que lastreia a execução. Resolvo o mérito nos termos do artigo [269], inciso I, do CPC.”

Vale, ainda, por oportuno, citar artigos elaborados que albergam o entendimento esposado neste artigo da lavra do Dr. Rudolf Hutter, autor do livro Os Princípios Processuais no Juizado Especial Cível, Iglu Editora, 2004, nos seguintes termos, constantes do sítio: www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/Hutter.doc.

"Embora a interpretação de uma norma jurídica não possa – por influência inclusive, e principalmente, do pós-positivismo – consistir em mera leitura da mesma, a proposição prescritiva, em particular, consubstanciada no artigo [189], doCódigo Civil, é completa, dotada de conceitos jurídicos determinados, sendo induvidosos o seu alcance e conteúdo.

Na hipótese que serve de exemplo, importa dizer que, não cumprida a obrigação, o vencimento das subsequentes será abreviado, podendo o credor, desde logo, exigir do devedor a totalidade da dívida. Tal circunstância, livremente pactuada pelas partes (não defesa em lei, observe-se), permite ao credor, verificado o inadimplemento de uma obrigação, exigir do devedor a totalidade das prestações, vez que, caracterizada a mora, nasce a respectiva pretensão para o titular do direito violado.

Parece-nos razoável afirmar que, na hipótese de vencimento antecipado da dívida (previamente acordada entre as partes), torna-se legítima a pretensão do credor de exigir do devedor o que lhe compete prestar, iniciando-se, assim, a fluência do respectivo lapso prescricional. Entendimento contrário resultaria em alteração ilícita do prazo, porquanto o credor, podendo exercer desde logo a sua pretensão, disporia de tempo suplementar ao que a lei, conforme o caso, prescreve para o exercício eficaz da pretensão"

No mesmo sentido, artigo do punho do Analista Judiciário do TRF da 3.ª Região, Marco Aurélio Leite da Silva, existente no sítio:http://jus.com.br/artigos/25221/creditos-decorrentes-de-contratos-prescriçãoverbis:

Interessa-nos os créditos decorrentes de contratos. As obrigações de caráter pessoal prescreviam em 20 anos sob a vigência do CC-1916. Assim, os créditos dos financiamentos em geral cingiam-se a esse mesmo prazo de prescrição para a cobrança judicial dos créditos decorrentes da inadimplência. Os financiamentos de longo curso costumavam ostentar, tanto quanto continuam ostentando hoje, cláusulas de antecipação do vencimento das prestações vincendas diante da inadimplência do mutuário.

A sociedade acostumou-se a ver tal avença inserida nos contratos. Ninguém discutia, ou discute, que é juridicamente possível acordar-se que o não pagamento de uma prestação (ou um de um número pré-estabelecido de prestações) no respectivo vencimento leva ao vencimento antecipado de todas as demais futuras prestações.

O vencimento antecipado das prestações futuras não é considerada uma cláusula abusiva por ser uma garantia do credor, possibilitando-lhe perseguir em execução todo o valor emprestado ainda não amortizado. O credor fica, assim, livre do jugo do devedor quanto à sorte das prestações vincendas. É uma cláusula justa porque o devedor, beneficiado com o pagamento parcelado, já recebera desde o início os efeitos em seu favor da liberação do capital financiado.

Exatamente por isso não tem sentido projetar-se o início do prazo prescricional tocante à cobrança do valor do contrato para a data em que ocorreria o pagamento da última prestação, com vêm decidindo as Cortes Pátrias nos últimos anos. Ora, desde que antecipado o vencimento de todas as prestações faltantes, não se tem mais o termo final do financiamento na data inicialmente aprazada. As Cortes dobraram-se a uma hermenêutica casuísta, decorrente da modificação do prazo pelo CC-2002. O prazo antes previsto era muito maior e o Judiciário houve por bem resguardar o interesse do credor. Mas, entendendo dessa forma, criou um autêntico privilégio odioso para o credor, uma vez que à cláusula já de cunho protetivo da antecipação do vencimento junta-se, em concepção diametralmente oposta, a fixação da data não mais existente daquela que seria a última pre stação como termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do mesmo crédito.

A data de início do prazo prescricional, repita-se, é uma data fictícia, que deixou de existir por força da cláusula de antecipação do vencimento das prestações em aberto. Então a coisa se põe sob eficácia, no mínimo, teratológica. Afinal, se a prescrição do direito de ação para a cobrança só começa na data em que, um dia, esteve previsto o vencimento da última prestação, como se pode falar em antecipação do vencimento inclusive para fins de cobrança dos efeitos da mora?

O credor estaria disposto a só considerar a mora a partir da data de vencimento de cada prestação em aberto? Não cremos. O cálculo havia de extirpar a mora de cada parcela, mês a mês, conforme fossem vencendo as prestações nas datas em que estavam previstas, da mesma forma como ocorre com a fabulosa última prestação, eleita a rainha por ser a única que permite deflagrar o prazo prescricional.

Não. Simplesmente não tem lógica e não se subsume a nenhum princípio jurídico senão por política judiciária em prejuízo do mutuário e em privilégio do credor financeiro.

Curiosamente, no caso de financiamentos habitacionais, o agente financeiro é useiro e vezeiro em alegar, em sua contestação, que a antecipação do vencimento das prestações em aberto caracteriza o fim do contrato que o mutuário busca revisar. Chega a ser irônica a situação. O contrato é reputado rescindido ao mesmo tempo em que a data da última prestação inicialmente prevista, por ressurreição ou efeito zumbi, permanece eficaz para o fim de iniciar o prazo prescricional”. (...)

Hoc modo há de se prestigiar nas ações judiciais a aplicação integral dos artigos[9], [47][10], [54]§ 2.º[11] todos do CDC, dos artigos 4.º, 5.º e 6.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 alterado pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, dos artigos [121][122],[127][128][189][192] e [474] todos do Código Civil Brasileiro e dos princípios que regem os contratos, tais como: o da autonomia da vontade, o da supremacia da ordem pública, o do equilíbrio entre as partes e o da obrigatoriedade do contrato, significando que o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda) sendo que, deste modo, não pode ser alterado pelo Poder Judiciário, salvo nos “casos de imprevisão ou sobrevindo força maior ou caso fortuito” (Diniz, Maria Helena, Teoria das Obrigações Contratuais, 1.º Vol., 4.ª Ed., P. 116).


[1]STJ Súmula nº 321 - 23/11/2005 - DJ 05.12.2005

Código de Defesa do Consumidor - Relação Jurídica entre Previdência Privada e Participantes

Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.

[2]Capítulos I e II, respectivamente, do Título IV, do Livro III, da Parte Geral.

[3]A principal crítica, em relação ao Código revogado, era no sentido de que o tratamento indiferenciado resultava em grave confusão, sujeitando a fluência de eventual prazo decadencial, por exemplo, à suspensão ou interrupção (hipóteses excepcionais somente agora admitidas pelo artigo 207). O Código Civil vigente separou os prazos prescricionais (ligados aos denominados direitos a uma prestação) dos decadenciais (referentes à categoria dos direitos potestativos). Para um estudo mais aprofundado acerca da classificação (chiovendiana) de tais categorias de direitos, v. O clássico Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e identificar as ações imprescritíveis, de Agnelo Amorim Filho (RT, v.300, pp.7-37).

[4]Prestação é definida como sendo o conteúdo de uma obrigação.

[5] Apud Agnelo Amorim Filho, ob. Cit.

[6]Supõe-se que se refira a qualquer um a que a lei atribua a qualidade para autorizar o manejo, pelo credor nele indicado (ou, mediante previsão legal, por quem lhe possa substituir), de ação de execução.

[7]“Quando o direito subjetivo corresponde à obrigação do sujeito passivo de realizar, em favor do titular, uma prestação, e essa a seu devido tempo não é cumprida, dá-se o inadimplemento. Dele, segundo o art. 189 do NCC, nasce a pretensão, que nada mais é do que o poder de exigir a prestação devida pelo inadimplente. Junto com a pretensão nasce a ação em sentido material, ou seja, o direito à tutela do órgão judicial para obter o resultado prático correspondente à pretensão. No plano processual, o exercício da pretensão provoca a movimentação de ação condenatória ou executiva” (Humberto Theodoro Júnior, ob. Cit., p. 137).

[8]Conforme dispõe o artigo [192], do Código Civil, “Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes”. A bem dizer, os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes, tampouco unilateralmente; trata-se de matéria reservada à lei.

[9]Art. 7º Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

[10] Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

[11]Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

...

§ 2º Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2º do artigo anterior.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Eugênio Aquino

Advogado militante na área do Direito Marítimo e Portuário;<br><br>- Bacharel em direito pelas universidades Cândido Mendes (RJ) e UNIFOR (CE);<br><br>- Especialista em Direito Marítimo;<br><br>- Pós-graduado em Direito Constitucional pela UNIFOR;<br><br>- Palestrante em Congressos de Direito Marítimo;<br><br>- Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Marítimo (IIDM);<br><br>- Autor de diversos artigos sobre Direito Marítimo em revistas e livros especializados;<br><br>- Advogado do Sindicato dos Operadores Portuários do Estado do Ceará - SINDOPCE - período 2003/2008;<br><br>- Advogado do Sindicato das Agências de Navegação Marítima do Ceará - SINDACE - período 2003/2008;<br><br>- Membro Titular da Comissão Paritária do OGMO-Fortaleza representante dos operadores portuários <br>- período 2007/2008;<br><br>- Representante da Associação Brasileira de Terminais Retroportuários Alfandegados no Conselho da Autoridade Portuária do Porto de Fortaleza/CE.<br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos