Poder Normativo das Agências Reguladoras

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02/02/2015 às 10:15
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Em um cenário jurídico onde as normas emanadas das agências reguladoras vem ganhando cada vez mais espaço como fontes do Direito, pergunta-se até aonde vai o poder normativo das reguladoras?

2.1. AGÊNCIAS REGULADORAS – CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Para uma noção exata a respeito das agências reguladoras, é necessário compreender, primeiramente, conceitos como regulação e função regulatória.

Inicialmente, tem-se um modelo estatal cuja ordem econômica tem por pilares os princípios da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano.[i]

Visou o legislador constituinte uma atuação estatal que assegure que a ordem econômica proporcione a todos os direitos e garantias contidos na Carta da República. Assim ensina SÉRGIO GUERRA[ii], listando nove subprincípios que juntos formam uma engrenagem responsável por assegurar essa existência digna através da economia:

soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; e tratamento favorecido às empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Quanto à atuação estatal na ordem econômica, a Constituição Federal é restritiva, proibindo a exploração direta, pelo Estado, da atividade econômica. Assim é a redação do art. 173 caput da CF/88:

Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

O art. 174 da Constituição Federal traz em seu bojo, de forma genérica, os casos em que o Estado deverá atuar: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Por sua vez, a Lei nº 9.491, de 09 de setembro de 1997, a qual revogou a Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, instituiu o chamado Programa Nacional de Desestatização, transferindo ao setor privado, atividades que antes eram exercidas pelo Poder Público. A Lei revogadora explicitou o que já era implícito na Constituição Federal, trazendo como um dos principais objetivos do programa “Permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais”[iii]

Extrai-se do texto constitucional, a adoção do princípio da subsidiariedade, segundo o qual “o Estado somente poderá exercer a atividade econômica quando não for possível que um particular a exerça, para que a Administração pública se volte às suas atividades-fim.”[iv]

FONTES[v] aponta, nos textos comentados, uma dubiedade normativa na ordem econômica, salientando que a norma constitucional deve ser entendida de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O autor parte da ideia de que nenhum princípio constitucional pode ser entendido isoladamente, eis que a Constituição Federal foi escrita para transcender as barreiras do tempo.

Desta feita, pode o princípio da subsidiariedade, em alguns casos, ser flexibilizado, desde que necessário aos anseios dos destinatários da norma maior. A atividade econômica, pode, assim, ser exercida pelo Estado, ainda que exista um particular a desenvolver a mesma atividade, caso seja identificada uma necessidade para tanto.

Da desestatização, porém, surgiu a necessidade de um controle estatal das atividades prestadas pelos particulares. Isso porque, conforme bem observa CARVALHO FILHO, “os serviços continuaram a ser públicos; os prestadores é que passaram a ser do setor privado”.[vi]

E, dessa necessidade, surgiu também a adequação da Administração Pública, agora controladora, a essa nova realidade. O controle, que antes era interno, passou a ser externo, criando-se, assim, a regulação, que nada mais é do que a atividade estatal voltada para “induzir comportamentos dos agentes econômicos e corrigir falhas de mercado”[vii].

A função reguladora é exercida de diversas maneiras. A primeira delas é a regulação executiva, por meio da qual as entidades reguladoras celebram contratos junto aos particulares que prestarão os serviços públicos. Esse tipo de regulação também é exercido por meio de outros atos administrativos que norteiam tais contratos. Pode-se dizer, assim, que a regulação executiva pode agir tanto como poder concedente, através de todos os atos que compõem o processo licitatório, quanto como entidade fiscalizadora do mercado, no que diz respeito ao desempenho das empresas que prestam serviços públicos.

Há ainda a regulação judicante, que envolve a aplicação de sanções, pela Administração Pública e a composição de conflitos, não afastada, contudo, a apreciação do Poder Judiciário, nos casos em que é necessária.

Por último, tem-se a Regulação Normativa, pela qual o Estado emite normas a serem seguidas pelos administrados de modo a resultar em um determinado comportamento econômico desejado pela Administração. Tal função será abordada com maior profundidade em tópico próprio.

Finalmente, quanto à natureza jurídica das agências reguladoras, destaca-se, primeiramente, que a Administração Pública, no Brasil é exercida de duas formas, a saber: forma direta, ou centralizada, pela União, Estados e Municípios e de forma indireta ou descentralizada, através de outras pessoas jurídicas criadas pelos próprios entes federados sob a forma de empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações.

As agências reguladoras fazem parte da administração indireta, tendo natureza jurídica de autarquia especial, o que significa que possuem certos privilégios que lhe conferem uma maior autonomia em relação às autarquias comuns, conforme observa GUERRA[viii]:

Além das atribuições de competência regulatória, com a ampliação das funções normativas e judicantes da administração pública indireta, pode-se congregar os seguintes elementos confirmadores da autonomia das Agências Reguladoras: organização colegiada; impossibilidade de exoneração ad nutum dos seus dirigentes; autonomia financeira e orçamentária, e, por último, a independência decisória.

A criação das agências reguladoras, enquanto autarquias, depende do Chefe do Poder Executivo, devendo ser aprovada por Lei.[ix]

As autarquias especiais reguladoras não se confundem com as agências executivas, que são autarquias ou fundações já existentes qualificadas como agências executivas por Decreto do Poder Público, mediante o cumprimento de algumas exigências:

Art. 51. O Poder Executivo poderá qualificar como Agência Executiva a autarquia ou fundação que tenha cumprido os seguintes requisitos:

I - ter um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento;

II - ter celebrado Contrato de Gestão com o respectivo Ministério supervisor.[x]

A agência executiva é sempre subordinada a um Ministério, sendo o Contrato de Gestão um instrumento de controle utilizado por tal Ministério. O Contrato de Gestão, que nas agências executivas é obrigatório, é facultativo nas agências reguladoras, pois nestas há a inserção, na própria Lei criadora, de seus objetivos e bases.

2.2. HISTÓRICO

O modelo do Estado Liberal, que cronologicamente coincide com a Revolução Francesa, em 1789, estabeleceu o padrão para o Estado do século XIX. Isso porque, o liberalismo, que se caracterizava pela inadmissibilidade da intervenção do Estado na economia, não atendia aos interesses dos menos favorecidos, pois acabou favorecendo o surgimento de grandes monopólios em detrimento das empresas menores e consequentemente, fez surgir o proletariado.

Nasceu, então, no período pós-guerra, a necessidade de uma intervenção estatal na economia, que se justificava em face da existência de dois cenários: o primeiro, que refletia a situação caótica dos países participantes da guerra e que precisavam de capital para sua reconstrução. O segundo envolvia os países que não se envolveram na guerra, mas que de igual forma, necessitavam de recursos para iniciar seu processo de produção industrial. Não havia, nesse contexto, particulares que pudessem exercer ou mesmo financiar certas atividades, nascendo, então o Estado Intervencionista, que executava diretamente atividades econômicas e sociais.

Com o passar do tempo, porém, verificou-se que o modelo Intervencionista não atendia os interesses sociais e econômicos buscados pelo Estado. No Brasil, o aparelho estatal passou a crescer desordenadamente, com empresas estatais excessivas e desnecessárias, o que desgastava e onerava o setor público.

O colapso do Estado Intervencionista levou à instituição do Estado Regulador, que despontou na Europa, na década de 80, sendo implantado no Brasil com a Constituição Federal de 1988. A partir de então, buscou-se uma correção dos equívocos vislumbrados nos dois modelos estatais anteriores, passando-se ao fenômeno da regulação, que passeia entre o modelo liberal e o intervencionista.

2.3. PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

2.3.1. Considerações Gerais

Conforme já ressaltado, a regulação normativa é exercida quando a agência reguladora edita normas específicas sobre o setor por ela regulado.

O poder normativo das agências reguladoras foi positivado pela Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que dispôs sobre o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e criou a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. A legislação, em seu artigo 3º, inciso I diz o seguinte:

Art. 3o  Além das atribuições previstas nos incisos IIIIIVVIVIIXXI e XII do art. 29 e no art. 30 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, de outras incumbências expressamente previstas em lei e observado o disposto no § 1o, compete à ANEEL:

I- implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os ato regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei n. 9.074, de 7 de julho de 1995.[xi]

O mesmo ocorreu quando da edição da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, que criou a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações. O texto legal também conferiu poder normativo à nova agência:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

[...]

X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;

[...]     

XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;

[...]

XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais;[xii]     

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Posteriormente, outras agências foram criadas sendo-lhes conferido, nos mesmos moldes o poder de editar normas gerais.

Entretanto, hoje há grande discussão acerca da atribuição de tal competência às reguladoras. Para alguns autores como Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella Di Pietro[xiii], a função normativa das agências reguladoras se esbarra no artigo 84, IV da Constituição Federal[xiv], que determina a exclusividade do poder regulamentar ao chefe do Poder Executivo. Da mesma forma, a normatização pelas agências reguladoras, segundo a Doutrina tradicional, feriria os princípios da legalidade e da separação dos poderes.

Segundo essa parte da Doutrina, a Constituição Federal prevê apenas a criação de leis que disponham sobre a exploração das atividades de telecomunicações e de petróleo. Assim, somente a Anatel e a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) possuem previsão expressa no texto constitucional.

Em entendimento contrário, os defensores do poder normativo das agências reguladoras defendem a ideia de que tal poder é legítimo, desde que seja limitado e sujeito a controles. Nesse entendimento, destaca-se a explicação de Leila Cuéllar, citada por STUCHI[xv]:

No Brasil o que existe é um poder normativo/regulamentar diverso daqueles que existem em outros países. Trata-se de um poder temperado, adaptado ao sistema jurídico brasileito, não podendo (i) inovar de forma absoluta, ab novo, na ordem jurídica, (ii) contrariar a lei e o direito, (iii) desrespeitar o princípio da tipicidade, (iv) impor restrições à liberdade, igualdade e propriedade ou determinar alteração do estado das pessoas, (v) ter efeito retroativo (em princípio). Ademais, a expedição de regulamentos deve ser fundamentada, precisa respeitar a repartição de competências entre os entes da Federação, e se submete a controle pelo Poder Judiciário.

A função normativa, segundo NEVES[xvi], é necessária em virtude da falta de eficiência do processo legislativo, tanto no que diz respeito ao fator tempo, quanto no que se refere à falta de conhecimento técnico específico sobre cada segmento regulado, de modo que a produção de normas pela agência reguladora torna-se vital ao rápido alcance jurídico de situações concretas que envolvem o Direito Econômico.

O mesmo entendimento é esboçado por Marcos Juruena Villela Souto, citado por CARVALHO FILHO[xvii], que assim diz:

As leis, como regra, não mais atendem aos novos padrões da sociedade, sendo necessárias normas que tratem das especificidades, que realizem o planejamento dos setores, viabilizem a intervenção do Estado em garantia do cumprimento ou a realização daqueles valores.

Há duas teorias que se sobressaem na defesa da competência normativa das reguladoras. A primeira delas é a da deslegalização. Por esta teoria, o poder normativo seria estabelecido por meio de uma delegação de competências legislativas. A respeito, ensina NEVES:

A Constituição da República estabeleceu reservas absolutas e reservas relativas da lei. São exemplos de reserva absoluta de lei as matérias tributária e penal, quando o Estado somente poderá dispor sobre essas matérias através de lei formal. Aqui o legislador deve esgotar o tema, sem deixar margem de discricionariedade para o agente público. Já em se tratando das agências reguladoras, dada a especialização que se exige para tratar dos ordenamentos setoriais e da evolução tecnológica que corre fugazmente, impossível seria o engessamento do sistema, não dando liberdade discricionária aos referidos entes reguladoras para, efetivamente, regular o mercado respectivo. Assim a reserva legal é aqui, apenas material, podendo uma norma expedida pela agência ter plena vigência no ordenamento jurídico. Isso caracteriza o fenômeno denominado deslegalização ou delegificação.[xviii]

Uma segunda teoria defende a existência de fundamento constitucional para a atuação normativa das agências de maneira regulamentar. Assim,

A constitucionalidade da lei atributiva depende de o legislador haver estabelecido standards suficientes, pois do contrário haveria delegação pura e simples de função legislativa. Saber qual é o conteúdo mínimo que, nessas circunstâncias, a lei deve ter é uma das mais clássicas e tormentosas questões constitucionais, como se vê da jurisprudência comparada, em países tão diferentes quanto os Estados Unidos, a Alemanha e a França.[xix]

Assim, os regulamentos não devem inovar no mundo jurídico. A existência de parâmetros (santards) de atuação é que vai direcionar o conteúdo dos regulamentos. Por esta teoria, haveria discricionariedade do administrador apenas em relação às questões técnicas afetas a cada setor, visando suprir o déficit de especificidade quanto à matéria, deixado pelo legislador.

A respeito da limitação da competência normativa, DI PIETRO entende que estaria ela adstrita justamente às questões técnicas antes mencionadas:

As normas que podem baixar resumem-se ao seguinte: (a) regular a própria atividade da agência por meio de normas e efeitos internos; (b) conceituar, interpretar, explicitar conceitos jurídicos indeterminados contidos em lei, sem inovar na ordem jurídica. Essa segunda função explica-se pela natureza técnica e especializada das agências. A lei utiliza, muitas vezes, conceitos jurídicos indeterminados, cujo sentido tem que ser definido por órgãos especializados.[xx]

Consequentemente, de acordo com essa teoria, tudo o que ultrapassar as funções antes citadas seria passível de controle externo, passível, inclusive, de revisão, como será visto oportunamente.

2.3.2. Limites ao Poder Normativo das Agências Reguladoras

Primeiramente, reforça-se a ideia segundo a qual, “a regulação não é usurpação de função legislativa, eis que se trata de atividade administrativa de intervenção no domínio econômico”[xxi].

SOUTO defende ainda que de modo algum o poder normativo conferido às reguladoras fere o princípio da legitimidade. O Professor justifica sua ideia ressaltando que:

O processo de criação das agências e de nomeação de seus dirigentes é um processo político, fruto de um processo legislativo democraticamente votado pelos representantes da sociedade; os dirigentes são indicados pelo Chefe do Poder Executivo e submetidos ao crivo do Poder Legislativo para posterior nomeação; sua atividade é submetida ao controle da sociedade, via sessões públicas e direito de participação. Há, pois, um processo político que garante o atendimento do princípio da legitimidade.[xxii]

Neste mesmo sentido NEVES[xxiii] aponta para o fato de que a atividade normativa das reguladoras não constitui ofensa ao princípio da legalidade, posto que a Lei é quem cria os objetivos e deveres decorrentes da regulação, e a reguladora, por sua vez, em atendimento à Lei, vai apenas normatizar a forma de cumprimento do que a Lei já determinou. Em face disto, não pode a agência reguladora inovar na ordem jurídica de forma absoluta, sem perseguir o espírito da Lei, sob pena de sofrer controle pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo.

Contudo, o agente regulador, embora seja considerado necessário por boa parte da Doutrina, é dotado de uma quantidade relevante de poder. A uma, por atuar em mercados em que circulam grandes riquezas. A duas, por deter o poder de criar normas. Assim, a limitação do poder normativo das agências reguladoras é necessária para que se evitem abusos.

Tratando sobre o tema, Floriano Marques[xxiv] dividiu as limitações em horizontais e verticais, referindo-se, de forma respectiva, à abrangência e à intensidade da regulação.

A verificação da abrangência refere-se aos setores que podem ser objeto da atividade reguladora. Por sua vez, a intensidade tem ligação com a regulação geral, e diz respeito à conveniência do ato.

Nota-se, pois, a existência de dois pilares que irão definir a necessidade e intensidade da atuação reguladora: o princípio da subsidiariedade e o princípio da proporcionalidade.

O princípio da subsidiariedade relaciona-se à limitação horizontal. É preciso identificar quais setores devem ser objeto de regulação, porquanto a atuação estatal regulatória deve dar-se de forma subsidiária, ou seja, apenas nos setores em que efetivamente se mostrar necessária, seja pela identificação de falhas de mercado, seja pela necessidade de se atender o interesse público.

O princípio da proporcionalidade é ligado à limitação vertical, que se dá, à medida em que o conteúdo dos atos editados pelas reguladoras deve obedecer ao interesse público. Não podem tais atos impor obrigações, restrições ou sanções além do necessário para resguardar o interesse comum.

Giovani R. Loss, citando o entendimento de Floriano Marques, menciona ainda um terceiro princípio limitador da atividade regulatória, aplicável tanto no âmbito horizontal quanto no âmbito vertical, a saber: o princípio da legalidade. Destaca que:

Deve-se entender que a determinação dos objetivos de interesse público a serem perseguidos, justificadores da atuação estatal subsidiária, bem como dos meios adequados a serem utilizados, que garantem a proporcionalidade regulatória, deve ter como norte inquestionável a legalidade, sob pena do administrador público, aleatória ou arbitrariamente, poder determinar os conceitos envolvidos, deturpando ou flexibilizando a regulação estatal[xxv].

No mesmo entendimento, NEVES diz que o conteúdo das normas editadas pelas agências reguladoras “não podem ferir o direito, devendo trazer conceitos e parâmetros técnicos para a prestação do serviço público adequado e a harmonização dos interesses do mercado”[xxvi]

De tudo o que foi mencionado, importante salientar ainda que, de modo idêntico a todos os atos administrativos, o regulamento deve ser fundamentado, destacando todos os critérios em que se baseou a norma, além dos motivos fáticos e jurídicos de sua existência.

Ao final, os regulamentos são todos passíveis de controle por qualquer dos três poderes. Pelo poder Judiciário, seja de forma concentrada ou difusa, pelo Poder Executivo, através da supervisão das agências reguladoras e, ainda pelo Poder Legislativo, através da adoção de Leis que vinculem a atuação da agência ou mesmo sustando atos que exorbitem os poderes da reguladora.

2.3.3. Mecanismos de controle das agências reguladoras

Embora dotadas de autonomia administrativa e financeira, as agências reguladoras estão sujeitas a várias formas de controle.

Primeiramente, observa-se a necessidade de se obedecer aos ritos do processo administrativo, assegurando-se os princípios da motivação, da ampla defesa, da publicidade.

Num segundo momento, tem-se o controle financeiro exercido pelo Tribunal de Contas. Trata-se de um exame feito posteriormente aos atos praticados pelas Agências Reguladoras em relação à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.

Constata-se ainda o controle comunitário, que se perfaz mediante participação direta da sociedade, através da oitiva de integrantes de seus diversos segmentos.

Para garantir uma participação efetiva, é necessário, contudo, que a agência promova a conscientização da sociedade quanto ao tema sob consulta, dando à população elementos informativos que lhe possibilitem emitir opiniões dotadas de conhecimento mínimo sobre o assunto. Não basta, pois, informar à população quanto à existência do procedimento decisório em curso. É necessário provocar o debate, inclusive com a convocação de setores especializados não governamentais.

Na audiência pública, que ocorre sob a forma de sessão pública, os assuntos regulatórios são debatidos e aclarados, constituindo uma importante forma de controle dos atos regulatórios. Contudo, não basta a simples participação forma da sociedade. A participação popular, ainda que não seja aceita, deve ser incorporada à atividade decisória das reguladoras. Incorporar “significa reconhecer como relevante a intervenção externa, acolhendo-a ou justificando sua rejeição.”[xxvii]

Finalmente, os atos emitidos pelas Agências Reguladoras estão sujeitos a um controle externo exercido pelos três poderes.

O Poder Executivo exerce sobre as agências reguladoras o chamado controle político.  Como o elemento maior na hierarquia da administração pública, o chefe do Executivo é quem faz a indicação e nomeação dos diretores das agências, o que demonstra um certo controle por parte desse Poder. Há ainda a opção do Chefe do Executivo de alterar, mediante Decreto, a esfera de atuação da agência reguladora, além da possibilidade da edição de Medidas Provisórias, como é o caso da MP 2190-34, de 23.08.01, que alterou dispositivos da Lei nº 9.782/99, que criou a ANVISA.

Por sua vez, o Poder Legislativo também possui um eficaz mecanismo de controle em face das agências reguladoras. NEVES assim explica:

Tendo em vista o poder normativo das agências ser proveniente de uma deslegalização, que é uma das modalidades de delegação legislativa, o Poder Legislativo deve ser o guardião de sua competência legislativa, nos termos da Constituição da República. Sendo assim, pode o Congresso Nacional sustar os atos normativos das agências, isto é, sustar as normas reguladoras.[xxviii]

O Poder Legislativo atua ainda, controlando as reguladoras, quando, ao legislar sobre sua criação, já instituem, de antemão, as disposições segundo as quais as agências devem agir, criando uma vinculação de seus atos.

O controle pelo Poder Judiciário é feito em obediência ao art. 5º, XXXV da Constituição Federal que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

Para grande parte da Doutrina, a grande questão que envolve o controle judicial dos atos administrativos refere-se à possibilidade de análise de mérito da decisão do administrador.

Isso porque, em termos históricos, nota-se períodos conflitantes onde, num primeiro momento, os chamados “atos de império” eram dotados de discricionariedade tal que não era possível qualquer revisão judicial. Posteriormente, passou-se a admitir recursos contra os excessos de poder para, no fim do século XIX surgir a doutrina denominada desvio de poder, que declarava a nulidade de atos que se afastassem dos fins legais. Uma terceira fase, da chamada teoria dos motivos determinantes, sinaliza para o exame dos fatos considerados pelo administrador na tomada de decisões.

Recentemente, o Poder Judiciário se vale dos princípios gerais do direito como técnica de redução da discricionariedade administrativa. Assim, o chamado mérito administrativo passou a ser relativizado para possibilitar um maior controle da atividade administrativa pelo Poder Judiciário.

Nesta toada, ensina DI PIETRO, que "não há invasão do mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração do ato; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário"[xxix]

Assim, a discricionariedade do administrador encontra limites quando se tem em choque princípios como o da proporcionalidade, da razoabilidade, igualdade, moralidade, eficiência etc. Neste sentido:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.

1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.

2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.

3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.

4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.

5. Recurso especial provido."[xxx]

CONCLUSÃO

A função normativa das agências reguladoras não pode ser exercida de modo a inovar no mundo jurídico. Essa função, embora existente e necessária, deve se limitar às questões técnicas de cada setor.

O poder normativo das reguladoras não é ilimitado, podendo ser inclusive objeto de controle por qualquer dos três poderes.

Destaca-se a atuação do Congresso Nacional, de suma importância e efetividade, que pode sustar atos das reguladoras que extrapolem a delegação legislativa. (CF, arts. 84, IV, 68 § 2º e 49,V). Tal forma de atuação é a que melhor resolve a questão da usurpação de competência legislativa pelas reguladoras, problema comum em tempos de ANVISA, ANS, ANATEL etc.

Finalmente, o Poder Judiciário também pode adentrar no mérito das decisões, quando verificar que este feriu um dos princípios que regem a Administração Pública.

Assim, inevitavelmente se concluiu que o Poder Judiciário, no caso concreto, deve sopesar as normas emanadas das reguladoras, deixando de aplicá-las quando entender que há choque com algum Direito individual garantido constitucionalmente, exercendo, portanto, verdadeiro controle difuso da constitucionalidade.

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