Eurípedes e a ciclópica imprensa na Operação Lava a Jato

05/02/2015 às 12:21
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Erudição e jornalismo não se misturam, certo? Errado.

Em sua peça O Ciclope, Eurípedes (480 aC - 406 aC) explorou um tema cultuado pelos seus conterrâneos gregos e que nós, distantes 24 séculos dele, consideramos mitologia. A peça, portanto, não diz para os leitores atuais o que dizia aos leitores da época em que foi encenada pela primeira vez. A liberdade que temos para interpretar o texto de Eurípedes é certamente maior do que a daqueles que estavam mergulhados na sociedade à que o drama se destinava originalmente.

Não é segredo que, com o apoio da imprensa, FHC queria privatizar totalmente a Petrobrás quando foi presidente da república. Isto felizmente não lhe foi permitido. O ressentimento dos tucanos é evidente e explica porque eles, que também se beneficiaram muito da corrupção na Petrobrás e até a  possibilitaram (foi FHC e Gilmar Mendes que criaram as brechas jurídicas que facilitavam as negociatas sujas e duvidosas dentro da empresa), usam a investigação da Lava a Jato para tentar privatizar nossa petrolífera.

A Petrobras sempre foi objeto de orgulho nacional, quer porque garante nossa independência energética e possibilita ao país desenvolver com independência todas suas potencialidades econômicas, militares e tecnológicas, quer porque financia projetos esportivos, culturais e educacionais e irriga os veículos de comunicação com sua generosa verba de comunicação. Em razão ter se transformado num objeto de culto, a Petrobras sempre se sentiu segura de si e demonstrou esta segurança em público. Somente agora, sob intenso e malicioso ataque diário de jornalistas e telejornalistas pautados pelo PSDB, a companhia demonstra alguma fragilidade.

Na peça de Eurípedes, Ulisses revela ao público seu plano da seguinte maneira:

“Quiero disuadirlo de ese banquete diciéndole que no debe compartir el vino com los cíclopes, sino regalarse solo, y cuando se duerma, vencido por el licor, cogeré cierta estaca de olivo que hay en la caverna, y afilando su extremo com mi espada, lo pondré al fuego, y cuando se encienda, lo introduciré por la frente del Cíclope y abrasaré su único ojo. Como el que traba la trablazón de una nave y mueve el taladro con las dos correas, así haré girar el tízon en el ojo brillante del Cíclope y quemare su pupila.” (Eurípedes, Obras Dramáticas, Librería "El Ateneo" Editorial, Colección Clásicos Inolvidables, Buenos Aires, Argentina, 1951)

Ulisses obviamente consegue realizar seu intento. E ao fim da peça, o Ciclope lamenta seu destino:

“!Ay, ay de mí! Cúmplese un oráculo según el cual tú habías de cegarme al volver de Troya. Pero también predijo que serías castigado vagando largo tiempo por la mar.” (Eurípedes, Obras Dramáticas, Librería "El Ateneo" Editorial, Colección Clásicos Inolvidables, Buenos Aires, Argentina, 1951)

O pequeno e astuto Ulisses pretende derrotar o monstruoso Ciclope privando-o da razão e, depois, da visão. O gigantesco e poderoso filho de Poseidon com a ninfa Teosa conhece a profecia e, ao invés de evitar seu destino, segue a trama que foi fiada para ele pelas Moiras. O tema desta tragédia  de Eurípedes é, portanto, a inevitabilidade do destino.

Os fatos recentes sugerem que a Petrobrás pode estar sendo prejudicada pelo PSDB como o Ciclope foi cegado por Ulisses. Menos evidente, porém, será o resultado da tragédia diariamente encenada com a ajuda da imprensa. Como Ulisses perdido no mar sem reencontrar sua amada Ítaca, o PSDB já está vagando há mais de uma década sem conseguir chegar ao Palácio do Planalto. Nada indica que o partido de FHC conseguirá fazer isto destruindo a si mesmo ao destruir a empresa que ajudou a corromper.

Ulisses não poderia fazer outra coisa. Ele estava predestinado a cegar o Ciclope e a ficar muito tempo perdido no mar antes reencontrar Ítaca. O retorno dele à terra natal ocorre, mas não porque ele quer nem quando ele deseja. Em política brasileira, porém, não há predestinação. O PSDB pode até conseguir cegar um olho da Petrobrás, mas isto não quer dizer que a companhia não tenha outros olhos ou que ela deixará de ser pública. A queda de Dilma Rousseff não é certa. Mais incerto ainda é o retorno do PSDB ao poder. O drama incitado pelos tucanos não terminou e ainda pode virar dramaticamente contra eles.

Na peça de Eurípedes o Coro impulsiona a tragédia e convida a platéia à reflexão:

“Bienaventurado el que se embriaga con el grato licor de la uva, tan dulce en los festines, estrechando en sus brazos a su joven amigo y guardando en su lecho bella y tierna amiga, mientras sus cabellos brillan perfumados, y canta: ?Quién me abrirá la puerta?” (Eurípedes, Obras Dramáticas, Librería "El Ateneo" Editorial, Colección Clásicos Inolvidables, Buenos Aires, Argentina, 1951)

O povo brasileiro tem sido um Coro silencioso. Ele já se manifestou nas urnas em favor de Dilma Rousseff. Se for convocado a se manifestar novamente nas ruas, a porta aberta pelo PSDB poderá ser totalmente escancarada pelo PT. E então, os jornalistas e telejornalistas que agora se embriagam neste doce festim tucano que tem sido a Operação Lava Jato acabarão não nos braços de uma jovem Petrobras privatizada e sim aprisionados numa dinâmica imprevisível e destrutiva.

Interpretei os eventos envolvendo a Petrobrás à luz da peça de Eurípides. Fiz isto apenas por um motivo: mostrar que falta aos jornalistas brasileiros erudição e imaginação para apresentar o escândalo de forma diferente ao respeitável público. O que mais tem me escandalizado neste momento não é a investigação policial, que seguirá seu curso natural até ser endossada ou descartada pelo Judiciário, e sim a autotransformação do jornalismo, uma atividade que deveria ter algum refinamento cultural, em atividade policialesca.

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Os policiais não devem pensar e escrever como jornalistas. Os jornalistas brasileiros, todavia, só tem conseguido pensar e escrever como policiais. Diariamente estamos expostos à decadência cultural do país. E aqueles que deveriam ver e criticar esta decadência são justamente os que a produzem como se estivessem predestinados a fazer isto. As Moiras teceram para a imprensa um destino semelhante ao de Polifemo?  

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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